Rachas nas ruas, vapor e colunas alaranjadas de rocha derretida que irrompem a jorros. É assim a vida, por estes dias, no Havai
10.05.2018 às 11h44
Entre os que tudo perderam e os que resistem, o sentimento generalizado em Pahoa, na Ilha Grande do arquipélago, é um misto de preocupação e tristeza. O vulcão Kilauea teima em não dar tréguas. Entre casas queimadas e estradas destruídas, a paisagem mudou drasticamente. No ar é intenso o cheiro a enxofre
Apesar dos avisos, a cada dia renovados pelas autoridades, e apesar do perigo, que o cheiro a enxofre torna evidente e o cenário de casas abandonadas reforça, há quem teime em resistir e permanecer na região de Leilani Estates, Pahoa, na Ilha Grande do arquipélago do Havai. “É a minha casa”, diz Jan Kunat, citado pelo “Hawai Tribune Herald”. Quer acreditar na hipótese de o seu teto escapar à devastação que o rodeia, mesmo que a informação mais recente aponte agora para o risco de o vulcão Kilauea vir a ter erupções explosivas, que lancem rochas a quilómetros de distância.
“Quero ficar na minha casa e apreciá-la um dia mais e cheirar o enxofre, se assim decidir”, insiste Kunat, prometendo que sairá se a situação “se tornar demasiado” perigosa e tiver mesmo de ser.
Desde que há uma semana o Kilauea entrou em erupção, os dias não têm sido fáceis. À medida que o tempo passa, cresce o balanço dos estragos causados pela lava expelida pelo vulcão, e o sentimento geral de tristeza e inquietude aumenta na mesma proporção. Pelo menos 26 casas desapareceram, muitas delas por se situarem sobre buracos abertos pelos efeitos da atividade vulcânica, mas há outras ainda em risco. Além disso, continuam a ser contabilizadas novas fissuras de onde borbulha a lava: eram oito no sábado, passaram a 15 nesta quarta-feira, segundo os cientistas no local.
Outro residente partilhou com o “Hawai Tribune Herald” uma das “coisas mais tristes” que se lembra de ter presenciado. “Vi no domingo à noite um homem sentado numa cadeira de jardim, perto de uma estrada, enquanto várias casas ardiam completamente. O homem tinha lágrimas a cairem pelo rosto, e disse-me que tinha visto a sua própria casa ser devorada pela lava. Tudo o que tinha era aquela cadeira e as roupas que tinha no corpo”, disse John Figoni, que também escolheu ficar em sua casa, apesar de a mulher ter aceitado ir para um abrigo.
ENQUANTO HOUVER MAGMA, A ERUPÇÃO VAI CONTINUAR
Pela boca das autoridades chegam apenas motivos para mais preocupação: “Há mais magma (rocha fundida abaixo da superfície da Terra) no sistema para entrar em erupção. Enquanto essa fonte estiver lá, a erupção vai continuar”, explicava na segunda-feira a vulcanologista do Departamento de Pesquisas Geológicas dos Estados Unidos, Wendy Stovall. Não está afastada a hipótese de as aberturas poderem eventualmente tornar-se uma grande cratera, como já aconteceu em erupções vulcânicas anteriores no Havai, acrescentava.
Já esta quarta-feira, duas novas erupções e a expulsão de uma nuvem de gás tóxico tornaram obrigatória a evacuação imediata da zona de Lanipuna Gardens, situada mais a Este.
“Se perdermos a nossa quinta, não saberemos para onde ir. Perderemos a nossa casa e os nossos rendimentos, em simultâneo. E tudo o que podemos fazer é rezar e esperar”, disse Cherie McArthur à agência Associated Press.
Ouvido pela CNN, Steve Gebbie explicou como, em pouco tempo, perdeu a casa que foi construindo nos últimos três anos. Apareceram rachas nas ruas e dessas fendas começou a subir vapor, que passou a colunas alaranjadas de rocha derretida, que irrompiam a jorros, contou.
“A altura desses jorros era impressionante. O mais alto que vi teria 18 metros, mais alto que muitas árvores”, descreveu Gebbie, que inicialmente ficou em casa. Estacionou um camião nas traseiras da moradia e escondeu-se. Mas acabou por perceber que tinha de ir embora.
Aos 56 anos, o carpinteiro de profissão está agora entre as largas centenas de pessoas que foram forçadas a fugir. Deu um último passeio pela casa e despediu-se das árvores imponentes e das plantas tropicais de que gostava de cuidar. “Procurei gravá-la na minha memória e despedi-me”, disse, entre soluços.
Apesar do risco inerente a viver junto de um vulcão, a verdade é que muitos dos habitantes não têm sequer um seguro que cubra os danos específicos por causa da lava, sublinham vários residentes. Terão de começar a vida de novo.
A espaços, as autoridades têm permitido que os moradores vão tentando recuperar o que lhes for possível, permitindo que voltem às habitações afetadas ou em risco, mas qualquer mudança de vento ou novo alerta obriga a que voltem a procurar abrigo em zona segura. As equipas no terreno sabem que é real a possibilidade de outras zonas terem de ser evacuadas durante os próximos días.
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