terça-feira, 15 de maio de 2018

OBSERVADOR

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


Desde 2011 que a China Three Gorges, uma empresa estatal chinesa, é o principal acionista da EDP, onde entrou com uma participação de 21,5%. Criada há 25 anos para erguer o mais projecto hidroeléctrico do mundo, a barragem das Três Gargantas, essa empresa entrou na EDP com o aparente objectivo de tirar partido do seu know howna área das energias renováveis e, também, de por um pé na Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Agora a ambição é outra e vale a pena tentar perceber o que pretende o gigante chinês assim como perceber o que significa a operação e que consequências pode ter para Portugal.

Do que já se sabe, o governo português estava a par da intenção de Three Gorges e não se oporá à OPA. Isso não quer porém dizer que esta esteja destinada ao sucesso, quer por a oferta parecer relativamente baixa (os chineses estão a pagar menos agora por cada acção do que pagaram há seis aquando da sua entrada no capital), quer por poderem aparecer outros interessados, quer sobretudo por o processo ter de passar por nada menos de 10 reguladores diferentes, como a Ana Suspiro explicou em Os obstáculos à ofensiva chinesa sobre a EDP e o que pode estar por trás da OPA. São tantas as dificuldades que muitos se interrogam sobre o porquê do momento escolhido, algo para que nesse artigo também se procura uma resposta: “A OPA chinesa seria uma jogada de antecipação a eventuais ofertas de empresas europeias e pode passar várias mensagens para cada um dos protagonistas do jogo. Para além de mostrar que os acionistas chineses estão na EDP para ficar, e que afastam qualquer cenário de venda, o lançamento de uma oferta a um preço pouco apelativo condiciona os movimentos futuros dos concorrentes. E nem todos são necessariamente empresas de energia. Pode haver fundos de investimento a entrar na corrida, aliás alguns já lá estão. Dois dos investidores relevantes na EDP são os fundos americanos Capital Group e Blackrock.”

Lurdes Ferreira, no Público, também referiu que OPA da EDP apanha onda de fusões em curso na Europa, sugerindo que “As empresas de energia da China estão a tentar aproveitar o movimento de consolidação que se vive no sector, em especial na Europa. E é nessa estratégia global que assenta o reforço da posição na EDP.” Mais: “a ambição chinesa é dominar o investimento global em energia limpa nas próximas décadas e a grande velocidade”.

Já João Vieira Pereira, no Expresso, em O que pode e o que vai correr mal na OPA chinesa à EDP antecipa problemas políticos: “Vai ser difícil que os restantes países europeus aceitem de bom grado que o Estado Chinês detenha uma empresa europeia num sector-chave como o da produção de energia. Aliás nenhum país da Europa, além de Portugal, permitiu que a China tivesse participações relevantes no sector energético. (...) Mais difícil ainda vai ser explicar à Europa que recebemos de braços abertos o controlo chinês da elétrica nacional numa altura em que é exigida reciprocidade à China.” Nesse texto também se refere que podem surgir dúvidas sobre o papel desempenhado pelo ministro adjunto Pedro Siza Vieira nesta operação, já que veio do escritório de advogados Linklaters, escritório que trabalha com a China Three Gorgese que ajudou a montar a operação.

Mas regressemos ao peso das empresas chinesas em Portugal, já que somos, como lembrou o El Pais, “proporcionalmente a su número de habitantes, el país europeo en donde China más ha invertido, especialmente en sectores básicos: eléctricas, salud, bancos, seguros y agua.” Não se estranha por isso que António Costa, no jornal online Eco, fale de Uma OPA geopolítica com ‘energia’ limitada, referindo que “é estranho ouvir o primeiro-ministro António Costa, tão afoito, a apoiar declaradamente e de forma tão precipitada uma operação cujos desenvolvimentos desconhece totalmente”. Até porque não parece ser uma fatalidade a EDP acabar em mãos chinesas: “Ao lançarem uma OPA, sobretudo com este baixo preço, abriram uma caixa de pandora, a que o primeiro-ministro deu o seu aval. Por isso, é certo, haverá outras ofertas, e podemos já enumerar os principais candidatos: A italiana Enel/Endesa, a francesa Engie e a espanhola Gas Natural/Fenosa. A partir de agora tudo será diferente qualquer que seja o seu desfecho. E é provável antecipar que… o menos provável é a manutenção de uma empresa independente, e só dependente de si. Este é o pior ponto desta OPA.



Estamos assim a aproximarmo-nos do ponto mais sensível, aquele que o Financial Times sintetizou em China/EDP: power to the people  (paywall) sob a forma de uma pergunta: “Will Portugal want its main energy utility controlled by a foreign, state-owned entity?”

Ora é essa pergunta que, no Observador, em EDP: um intrigante silêncio, João Carlos Espada estranha que não se esteja a fazer em Lisboa: “Ficou célebre a máxima que Xi Jinping apresentou no Congresso: “Governo, militares, sociedade e escolas — Norte, Sul, Este e Oeste — o partido é o líder de todos”. É caso para perguntar se nós, Portugueses, também queremos que o partido comunista chinês seja nosso líder. Não creio que a pergunta tenha ainda sido feita no nosso Parlamento”.

Neste ponto justifica-se um breve parênteses para referir que o Decreto-Lei n.º 138/2014, que regula “o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais”, estabelece no seu Artigo 3.º que são “suscetíveis de pôr em causa a defesa e segurança nacional” a aquisição de controlo de empresas estratégicas por uma pessoa ou pessoas de países terceiros à União Europeia quando, e cito, “existam indícios sérios, baseados em elementos objetivos, da existência de ligações entre a pessoa adquirente e países terceiros que não reconhecem ou respeitam os princípios fundamentais do Estado de direito democrático” ou “que representam um risco para a comunidade internacional em resultado da natureza das suas alianças”.

Não parece difícil verificar que a China cai direitinha no âmbito desta legislação, até porque não só não subsistem dúvidas sobre o facto de Pequim não respeitar o Estado de direito democrático, como de utilizar o seu poder económico e as suas empresas para promover a sua influência à escala global. Isso mesmo se notava num recente editorial da The Economist, How the West got China wrong, uma vez que “It bet that China would head towards democracy and the market economy. The gamble has failed”. No que se refere à sua estratégia económica, esse texto é bem claro: “China uses business to confront its enemies. It seeks to punish firms directly, as when Mercedes-Benz, a German carmaker, was recently obliged to issue a grovelling apology after unthinkingly quoting the Dalai Lama online. It also punishes them for the behaviour of their governments. When the Philippines contested China’s claim to Scarborough Shoal in the South China Sea, China suddenly stopped buying its bananas, supposedly for health reasons. As China’s economic clout grows, so could this sort of pressure.”

Conhecedor destas situações, José Pedro Teixeira Fernandes fala-nos por isso no Público de O erro estratégico da venda da EDP ao Estado chinês. É um texto onde se dão exemplos concretos de como Pequim instrumentaliza as suas empresas, em especial as estatais. O texto cita um estudo de Duanjie Chen da Universidade de Calgary no Canadá (“China’s State-Owned Enterprises: How much do we know? From Cnooc to its Siblings” in University of Calgary, SPP Research Papers, 2013), estudo esse onde se realça que “as empresas estatais chinesas são a espinha dorsal de sua economia nacional [...]. Na altura em que a China estava a ingressar na OMC (final dos anos 1990 até 2003), havia grandes esperanças de que as estatais chinesas pudessem sofrer reformas e ser integradas no mercado livre unindo-se à economia global como cidadãos cumpridores das regras. Em vez disso, tornaram-se no braço forte do governo chinês para controlar a estrutura económica doméstica […] e expandir ferozmente o seu poder económico global […]”.

Há pois muitos valores em causa neste processo, se bem que não nos devamos esquecer de como chegámos a este ponto, algo que Vital Moreira fez no seu blogue Causa Nossa no post Lá vai mais uma, onde lembra que “o Estado viu-se obrigado a privatizar por duas razões: (i) por não ter dinheiro para investir nas empresa públicas; (ii) precisar de dinheiro para conter o défice e atenuar o crescimento da dívida pública. Quando o Estado e os particulares vivem acima das suas possibilidades, o resultado só pode ser a alienação de património ao exterior.” Mais: “A pulsão das privatizações, para tentar travar o endividamento público, e a falta de capital nacional, resultado da ausência de poupança, ditaram este desfecho. Quando o Estado precisa de vender para gastar, os capitalistas nacionais são uma espécie rara e os cidadãos em geral se endividam em vez de aforrar, só resta esperar a ajuda do capital externo. Ainda bem que Portugal o atrai.”

O que significa que, sem dinheiro público e sem capital nacional, é bem provável que neste processo só possa se consiga resistir à OPA – mesmo sabendo-se que a administração está contra– se aparecerem outros interessados de outros países. Neste momento os fundos americanos ainda têm, em conjunto, uma fatia maior da EDP do que os chineses, mas a parte de capital português nem chega a 10%. Isso mesmo, é o que resta...

E por hoje é tudo. Veremos como se desenrolará este processo, mas por agora só posso desejar-vos bom descanso e boas leituras. E cuidado com o consumo de energia.

 
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