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RUI CARDOSO
EDITOR
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A caminho de um Daesh 2.0?
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Passou o Natal, veio alguma chuva e o dia de hoje anuncia-se sereno em Portugal, com uns bons milhares de pessoas a gozar tolerância de ponto, tanto na administração pública, como no sector privado. Oportunidade, portanto, para um pouco de reflexão sobre o futuro.
É uma evidência solar que o Daesh foi derrotado militarmente, tanto no Iraque como na Síria e que o grupo está reduzido a algumas forças dispersas, empurradas para a fronteira entre os dois países. Isto levanta dois problemas: que vai fazer a organização e que vão fazer os combatentes estrangeiros, já que os nacionais, sobretudo se forem sunitas iraquianos, têm alguma possibilidade de desaparecer na paisagem, pelo menos para já.
Quando se tornou conhecido no Verão de 2004, o Daesh patenteou uma via oposta à de Bin Laden e al-Qaeda: ocupação de território e tentativa de constituição de um proto-estado que replicasse o califado medieval. Apesar de todo o sangue derramado é manifesto que essa via falhou, o território foi perdido e quase todos os dirigentes eliminados. Resta a possibilidade, de resto sempre explorada pelo grupo, de se desmaterializar na internet, passando a algo como um Daesh 2.0 que tente aliciar simpatizantes um pouco por todo o mundo.
O problema desta via é que alicia, não os pretendidos guerreiros do califado, mas espíritos fracos e indivíduos mal preparados para a guerrilha, sem armas nem tecnologia, movidos unicamente pelo desejo de matar civis, envolvendo o seu próprio provável martírio. É o que o especialista francês Olivier Roy chama o “terrorismo low cost” (quanto aos meios) ou “terrorismo dos falhados” (quanto aos seus efeitos práticos).
São os ataques com carros ou camiões, à facada ou com explosivos tão artesanais que mais depressa ferem os artífices do que as pretendidas vítimas. O que não quer dizer que não possam ser sangrentos (como em Barcelona no mês de Agosto) ou não perturbem a vida normal e criem um clima de medo generalizado ou uma aversão ao mouro, ao muçulmano ou ao migrante que a propaganda da extrema-direita agradece.
Exemplo disso, dois incidentes do dia de Natal: o ataque com um carro lançado contra uma sede dos sociais-democratas alemães e, eventualmente, o incidente com um autocarro numa rampa de peões em Moscovo, ainda que neste último caso a polícia privilegie a pista do acidente ou avaria.
A outra questão que é saber para onde podem migrar os jiadistas desempregados é de resposta mais difícil. No Médio Oriente ou lá perto não faltam países em desagregação (Somália), a braços com guerras civis (Iémen) ou insurreições autonomistas fáceis de manipular, como no deserto egípcio do Sinai. Mais longe, no norte de África há a Líbia, espartilhada entre dois governos e múltiplos senhores da guerra, sem esquecer o buraco negro em que se pode transformar o deserto do Sara, do Mali ao Níger ou Chade. Por último mas não menos importante, mais a sul, a ameaça, atenuada mas latente, dos extremistas nigerianos do Boko Haram, a quem já chamaram os talibãs negros. Se é fácil esta migração ou se a mesma se restringirá a indivíduos isolados é algo que ainda está por perceber e que um interessante artigo do diário francês “Le Monde” analisa.
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Quem tem medo da liberdade?
Na Turquia de Erdogan o risco de deriva no sentido do despotismo é cada vez maior. O presidente turco convive mal com as vozes dissonantes ou com o confronto de ideias. Agora foi a vez de um tribunal de Istambul ter decidido, ontem, Dia de Natal, manter presos quatro elementos do jornal de oposição“Cumhuriyet”, incluindo o proprietário Akin Atalay, o chefe de redacção Murat Sabuncu, o grande repórter Ahmet Sik e o contabilista Emre Iper.
Se há país de que a Turquia se tem aproximado é da Rússia, onde as liberdades básicas são frequentemente postas em causa. Agora, outra decisão caricata de 25 de Dezembro, esta vinda da Comissão Eleitoral Central foi a de considerar inelegível até 2028 o oposicionista Alexande Navalny, invocando uma condenação judicial anterior que o visado acusou de ter sido montada peça por peça para impedir um confronto eleitoral com Putin.
Do Perú veio uma espécie de réplica sísmica da não destituição do presidente Pedro Pablo Kuczynski. Este, acusado de envolvimento na rede de subornos da empresa de brasileira de obras públicas Odebrecht, sobreviveu quinta-feira passada a uma votação tensa no parlamento, graças ao apoio de alguns dos apoiantes do antigo presidente Fujimori a cumprir pena por corrupção e outros crimes. Para surpresa geral o presidente em funções deu a melhor das prendas de Natal a Fujimori, indultando-o. Com isso abriu uma crise política tremenda, descrita pelo diário espanhol El Pais. Resta saber se não terá feito uma jogada de alto risco, ao contrapor Fujimori pai à sua filha Keiko, principal figura da oposição populista e desavinda com este.
A fechar, o inevitável Donald Trump e a não menos inevitável pista russa. Como nos conta o diário britânico “The Guardian” a equipa de investigadores dirigida pelo ex-patrão do FBI Robert Mueller analisa agora um banco falido russo que actuava em Chipre e através do qual oligarcas e outras figuras russas lavavam dinheiro, um submundo por onde – pensam os investigadores – também terá andado Paul Manafort, ex-director de campanha de Trump.
Sugestões de leitura
Mão amiga fez-me chegar, após muito trabalho no OLX e outras plataformas, um exemplar de um livro que muitos da minha geração aprenderam a venerar: “Guia das Assembleias Gerais” de Roque Laia. Antes do 25 de Abril nos pequenos espaços de liberdade que apareciam e desapareciam nas associações de estudantes, cooperativas, etc, este livro precioso ensinava-nos como organizar e dirigir reuniões de forma eficaz mas com respeito pela diversidade e pela pluralidade de opiniões. Um livro modesto na sua apresentação, edição do próprio autor (esta era a 6ª edição desde 1957) e que foi assim dedicado pelo próprio: “A todos os que trabalham e lutam”.
Para quem gosta de história e de livros policiais, a mais improvável e apaixonante das combinações: uma espécie de detective privado que actua na agitada Roma do final da república e começo do império. É uma espécie de prequela da série Roma Sub Rosa do norte-americano Steven Saylor e chama-se “As Sete Maravilhas do Mundo” (reedição Bertrand Julho de 2017). Estamos em 94 a.C, e o arguto cidadão que nos habituaremos a conhecer como Gordiano o Descobridor é um jovem de 19 anos que faz uma espécie de “grand tour” pelo mundo antigo, passando pelos Jogos Olímpicos, pelo Egipto Ptolomaico ou pela Babilónia e enfrentando os seus primeiros mistérios. |
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