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Por Valdemar Cruz
Jornalista
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14 de Novembro de 2016 |
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O tempo dos autocratas
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Um autocrata não brinca com as palavras. Não tem o gosto, nem a sensibilidade para o fazer. Se um autocrata ameaça construir um muro ao longo de uma fronteira, o melhor é assumir que vai mesmo haver um muro, pela razão simples de que o muro passa a existir a partir do momento em que é verbalizada a intenção de o erigir. Pode ter um sentido literal, materializado em quilómetros de grandes paredes de betão, e aí está Israel para o demonstrar,
pode materializar-se em barreiras de arame farpado, pode parecer
imaterial e traduzir-se num desmesurado reforço da vigilância policial.
Será sempre um muro. E um muro não é apenas uma barreira física. É uma tremenda trincheira psicológica. Por isso, quando Donald Trump confirma o desejo de construir um muro ao longo da fronteira com o México com alguma fanfarronice à mistura – “sou muito bom nisto, chama-se construção” – na verdade, e para lá de estar a cumprir uma promessa de campanha, o grande sinal ali implícito é o de que tem de ser levado a sério, muito a sério.
Donald Trump prometeu criar um sistema de vigilância especificamente dirigido a muçulmanos nascidos nos EUA, defendeu a tortura, ameaça já a deportação de dois a três milhões de imigrantes que considera perigosos, anunciou a intenção de fazer reverter a legislação sobre o aborto e prepara-se para atacar e destruir os aspetos mais positivos da reforma do sistema de saúde conhecido como Obamacare, do qual beneficiam milhões de estado-unidenses pobres.
Um autocrata não brinca. Nem mesmo quando escolhe os amigos. Os primeiros contactos internacionais de Donald Trump constituem uma espécie de declaração de interesses. Nigel Farage, líder do UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), um dos principais impulsionadores do “Brexit”, foi o primeiro político estrangeiro a ser recebido por Trump, este fim de semana em Nova Iorque. O presidente eleito dos EUA pretende reforçar os laços com Marine Le Pen,
a dirigente do partido de extrema-direita francês “Frente Nacional”,
que considerou a eleição de Trump “um triunfo da liberdade”.
Geert Wilders, outro representante da extrema-direita europeia, dirigente do PVV (Partido da Liberdade) holandês, considerou que a vitória de Trump constituía a chegada da “segunda revolução americana”. Presença frequente durante a campanha eleitoral, Wilders foi um dos convidados da Convenção republicana em Cleveland (Ohio) que proclamou Trump como candidato do Partido Republicano.
No jornal Público de hoje, Jorge Sampaio, ex-presidente da República Portuguesa, escreve que olhando para o resultado das eleições presidenciais americanas crês “que há razões tangíveis que reforçam inquietações e pessimismo (…), sendo impossível não olhar já para as eleições de 2017 em França e na Alemanha como próximas etapas prováveis desta corrida para o abismo”.
É um abismo de dimensões inimagináveis. Desde logo porque o erro maior está em considerar que Trump possa ser um devaneio apalhaçado da sociedade-espetáculo de que sempre foi protagonista, ou uma simples degenerescência do sistema. É a expressão maior de um mal que percorre o mundo alimentado pela destruição dos adquiridos sociais e laborais e fomentado pelas mais extremas formas de desregulação de que há memória, que Trump não deixará de prosseguir e acentuar.
Suprema ironia da história. O país que andou décadas a pregar o fim dos muros, é aquele onde pode vir agora a erguer-se um trágico e odioso muro, porque assente no racismo e na xenofobia.
Um autocrata não brinca. Mesmo quando parece ser ele próprio uma brincadeira.
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OUTRAS NOTÍCIAS
Centenas de emigrantes concentraram-se ontem em Lisboa,
junto ao Centro Comercial da Mouraria, para reivindicarem uma alteração
à lei da emigração. Elementos do PNR (Partido Renovador Nacional),
organização de extrema-direita, concentraram-se no outro extremo da
Praça Martim Moniz sob o lema “contra a invasão de imigrantes, por uma
justiça social para os portugueses”. A PSP montou um cordão policial
para separar os dois grupos, o que não impediu alguns confrontos de
elementos do PNR com a PSP. Foi detido um elemento do PNR.
A seleção portuguesa de futebol jogou ontem contra a Letónia e venceu por 4-1.
É o resultado que fica para a história, e na memória. As estatísticas
não vão falar das dificuldades vividas pelo campeão europeu em título
para resolver um jogo que tinha tudo para ser fácil. Sofrer faz parte de
um certo desígnio do futebol nacional. Foi preciso o empate conseguido
por uma seleção que até ontem ainda só tinha marcado um golo na prova,
para que a seleção portuguesa despertasse e arrancasse para a esperada e
desejada goleada. Se Ronaldo fica em destaque pelos dois golos marcados
(já é o quarto jogador europeu com mais golos ao serviço da respetiva
seleção), mas também pela grande penalidade falhada, o realce maior terá
de ir para Quaresma, pelo modo como, com a sua entrada, rasgou o jogo e definiu a vitória.
Jorge Sampaio escreve hoje um grande ensaio no jornal Público.
Se considera o Brexit um ponto de não retorno, insiste na evidência de
que “a crise das dívidas não foi resolvida, está suspensa pelo BCE” e em
Portugal “parece igualmente concentrada na Banca”. Depois de comentar a
eleição de Donald Trump e o que representa esta viragem num país com a
importância dos EUA, Jorge Sampaio diz que "para restaurar a confiança, é
preciso proceder ao resgate da democracia representativa na Europa”. O
texto tem como ante-título: “O mundo na era Trump”. O título principal
é: “”A nova Europa dividida num contexto internacional de incertezas. E
nós?”.
Mesmo depois do sinal claro deixado pelo Presidente da República quanto á
impossibilidade de abertura de qualquer exceção para os gestores da
Caixa geral de Depósitos no que respeita ao envio da declaração de
rendimentos para o Tribunal Constitucional, a saga continua. O Diário de
Notícias revela que a administração da Caixa decide na quinta-feira se
fica ou se vai embora. Ontem, na SIC, marques Mendes foi taxativo: “Apresentem as declarações de rendimentos rapidamente, ou então desamparem a loja”.
O JN assegura que o 112 não tem meios para localizar pedidos de ajuda por telemóvel
numa altura em que a maioria das solicitações são feitas através da
rede móvel. Trata-se de uma questão da máxima relevância, uma vez que em
grande parte das situações quem faz a chamada está em situação com
fusa, em elevado stress ou muito nervoso, o que prejudica a indicação de
dados precisos sobre a localização.
Hoje, um grande fenómeno natural vai convidar-nos a andar de cabeça no
ar. È dia de superlua. Tem havido várias neste outono, mas nenhuma como a
que hoje vai tomar conta do horizonte celestial. Segundo as contas dos
especialistas, a Lua já não estava tão próxima da terra há 68 anos.
A proximidade será tanta que até nos vai parecer maior, mais brilhante e
mais bonita do que o habitual. Se hoje não quiser andar de cabeça no
ar, saiba que, a próxima oportunidade para se sentir tão próximo da Lua
ocorrerá apenas em 2034.
LÁ FORA
Ontem Paris recordou os seus mortos. Homenageou as vítimas dos atentados terroristas de 13 de novembro do ano passado.
Foi um dia triste. Foi um dia de coragem. Foi um dia marcado pela
vontade de assumir o presente, sem se deixar condicionar pelo passado. O
Bataclan reabriu com um concerto de Sting.
Muita emoção, tal como ontem foram muitas as lágrimas nas ruas da
capital francesa. Enre as muitas homenagens, uma que particularmente nos
toca. No Stade de France foi colocada uma lápide em memória de Manuel Dias, motorista português emigrado em França vítima mortal da explosão provocada por um bombista suicida.
Na Nova Zelândia o tempo é de sismos. Horas depois do sismo de 7.8 que
atingiu o país no domingo e do alerta de tsunami ter sido reduzido a
apenas algumas zonas costeiras, houve nas últimas horas registo de um novo sismo
com uma intensidade de 6.2, registado a cerca de 120 quilómetros da
cidade de Christchurch, na Ilha do Sul, a uma profundidade de 10
quilómetros. O primeiro sismo ocorreu pouco depois da meia-noite de
domingo (11h em Portugal). Há registo de dois mortos, para lá de avultados prejuízos materiais.
Na Colômbia, o Governo e as FARC assinaram um novo acordo de paz
que, segundo as duas partes, preserva a estrutura e o espírito do
anterior, rejeitado em referendo, mas dá resposta a algumas das
preocupações dos partidários do “não” na consulta de 2 de outubro.
FRASES
“Para restaurar a confiança, é preciso proceder também ao resgate da democracia representativa na Europa”, Jorge Sampaio, ex-presidente da República num ensaio publicado hoje pelo Público.
“Como costumava dizer Brell, só nos resta o amor para ultrapassar o
medo. O amor que nos foi dado, o amor que nós damos, o amor que nenhum
ataque terrorista ou falsa divindade nos poderá roubar”, Michael Dias, filho
de Manuel Dias, o motorista português morto ao ano junto ao Stade de
France vítima da explosão de um bombista suicida e ontem homenageado em
Paris durante as cerimónias que assinalaram a passagem de um ano sobre
os ataques terroristas que assolaram a capital francesa.
“Primeiro vamos apanhar os criminosos ou os que tenham registo
criminal, como membros de gangues e traficantes de droga. São
provavelmente dois milhões, talvez três milhões. Vamos tirá-los do país
ou prendê-los", Donald Trump,presidente eleito dos
EUA em entrevista à CBS News durante a qual assegurou que o muro na
fronteira com o México é mesmo para ser construído.
“É uma pedra adicional na construção de um novo mundo”, Marine Le Pen, Líder da Frente Nacional (França) a propósito da eleição de Donald Trump
“Ou a Uber é um indicador de algo que se vai generalizar, ou não
passa de uma curiosidade. Se se generaliza, teremos de repensar muitas
das instituições que regulam as relações laborais”, Guy Ryder,diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho em entrevista ao El País.
“Olha-se para o PSD e parece que só há duas pessoas, Passos Coelho e
Maria Luís Albuquerque. O PSD tem seis vice-presidentes, um
secretário-geral, tudo pessoas experientes, mas só aparecem duas
pessoas. (...) O partido parece que está reduzido a um duo de amigos”, Luís Marques Mendes no Jornal da Noite da SIC.
NÚMEROS
22
Milhões de pessoas podem ficar sem cuidados médicos caso Donald Trump
concretize a ameaça de acabar com a reforma de saúde chamada Obamacare
100
Mil pessoas aderiram ao Obamacare nas primeiras horas após o conhecimento dos resultados eleitorais
6,2
Milhões de estadounidenses votaram noutros candidatos que não Dinald Trump ou Hillary Clinton. representam 4,9% do eleitorado
O QUE ANDO A LER
Ao ler o número de novembro da edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, chamou-me a atenção o artigo intitulado “Recuperar os direitos do trabalho e de negociação coletiva”,
assinado pela socióloga Maria da Paz Campos Lima. Publicado numa altura
em que o governo do PS com apoio parlamentar do PCP, BE e Verdes
assinala um ano de existência, o jornal vem recordar-nos a existência de
duas ou três questões que poderão vir a revelar-se decisivas para a solidez ou manutenção deste projeto.
Uma delas relaciona-se diretamente com o mundo do trabalho e passa pelo
reequilíbrio das relações laborais. Como escreve a socióloga Maria da
Paz Campos Lima, se é importante a reposição integral dos vencimentos no setor público, do horário de 35 horas semanais, dos feriados, o aumento do salário mínimo, bem como a reposição e melhoria dos serviços sociais, convém não esquecer que “em matéria de despedimentos não há no programa do PS, lamentavelmente, menção de rever a legislação de trabalho do governo PSD/CDSque
reduziu as proteções no emprego, alargando as condições e critérios de
despedimento individual e coletivo e reduzindo as compensações por
despedimento”.
Acresce o problema do boicote à negociação coletiva, sempre mais benéfica para o trabalhador. Não por acaso, e neste quadro de reversão de direitos, enquanto, em 2008, “1 milhão e 895 mil trabalhadores eram abrangidos pela atualização das convenções coletivas”, a partir de 2012 esse número reduz-se para mínimos históricos,
ao ponto de em 2014 apenas 250 mil estarem abrangidos. O resultado está
à vista: “a percentagem de trabalhadores abrangidos anualmente por
aumentos salariais convencionais, que constituía à volta de 47% nos três
primeiros anos da crise”, desceu para 9% em 2014. O
período médio de vigência das tabelas salariais, que variava entre 13 e
15 meses nos três primeiros anos da crise, “alcançou o recorde de 44
meses em 2015”, escreve a socióloga.
Outro tema em destaque no Le Monde Diplomatique é assinado pela economista Eugénia Pires e aborda o sensível problema da reestruturação da dívida pública, que tantos persistem em querer ignorar. Raimundo Narciso escreve contra a privatização do Forte de Peniche, um símbolo da resistência ao fascismo, mas depois há, entre outros, trabalhos sobre a “impostura humanitária” no Haiti,
uma tentativa de explicação do porquê da rejeição do plano de paz na
Colômbia, ou as eternas questões da Rússia versus EUA no confronto
Sírio.
Fico-me por aqui, mesmo se gostava de contar como regressei a “Amadeo”, de Mário Cláudio, a pretexto da exposição no Museu Soares dos Reis, ou do contentamento pelo reencontro com Juan Marsé,("Últimas tardes com Teresa" ou "Canções de amor no Lolita's Club") um dos meus escritores espanhóis preferidos, a pretexto da publicação do seu novo romance, “Essa puta tão triste”, situado na Barcelona dos anos de 1940 e construído à volta do estrangulamento de uma prostituta na cabine de projeção de um cinema de bairro enquanto era projetado o filme "Gilda", de Charles Vidor com Rita Hayworth e Glenn Ford
Tenha um bom dia e sempre que possível, espreite o Expresso ao longo do dia nas suas múltiplas plataformas. Amanhã terá cá o Pedro Santos Guerreiro para lhe dar a conhecer o mundo ao início da manhã.
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