Crónica de Maria Donzília Almeida
«Educar é um exercício de imortalidade. De alguma forma continuamos a viver naqueles cujos olhos aprenderam a ver o mundo pela magia da nossa palavra. O professor, assim, não morre jamais...Entendo assim a tarefa primeira do educador: Dar aos alunos a razão para viver»
Rubem Alves
Fui aluna quando era bom ser professor! Fui professora quando é bom ser aluno. Nesses remotos tempos, do Magister dixit…o professor cheio de direitos, contrapunha-se ao aluno cheio de deveres. Mudaram-se os papéis e, agora, o aluno está no centro das atenções.
Hoje em dia, os professores trabalham até à exaustão, sendo pouco reconhecidos socialmente. É das profissões com maior índice de burnout.
A nossa profissão é um iceberg: uma parte visível, na escola, a lecionar e a fazer serviço burocrático; o trabalho de bastidores, que não se vê, em casa, mergulhado numa parafernália de papéis.
No início do ano, multiplicam-se reuniões, somam-se planificações, avaliações diagnósticas, preparação de dossiers, elaboração de grelhas, etc, etc
O arranque do ano letivo começa com a preparação das aulas e isso obriga a uma dedicação exclusiva, não valorizada pela população em geral. Em cada aula, os professores enfrentam 20/30 alunos e seria imprudente entrar na “arena” sem estar munido de ferramentas e estratégias que facilitem o trabalho e potenciem a aprendizagem. Depois surgem os testes…muitos, ao longo do ano! Um professor pode ter 200, 300 e até mais alunos e terá que corrigir centenas de testes, continuando a preparar e a dar aulas, além de cumprir com os requisitos de cargos, a direção de turma e outros.
No final de cada período, vem a avalanche total: aulas, testes, avaliações, muitas grelhas, reuniões de avaliação, relatórios, atas, tudo num lapso de tempo limitado.
Alguns professores, não só no início de carreira, percorrem milhares de kms todos os anos, pernoitando fora de casa e sem quaisquer ajudas de custo. Somar tempo de serviço, para lhes facilitar (!?) o ingresso na carreira é a sua aspiração e a sua esperança.
Para sair incólume, o professor precisa de entrar “blindado”…numa warzone diariamente… Esta profissão não é exercida em ambiente calmo, pacífico, mas sim num meio hostil, onde a algazarra dos corredores e a violência física e psicológica andam de mão dada. Para ser professor, é preciso ter estofo para enfrentar as pressões, vindas de todos os quadrantes, até dos encarregados de educação.
São os professores quem, muitas vezes, salva os alunos da marginalidade e denuncia abusos e negligência parentais, no seu papel de intervenção social. O mestre sabe que está perante crianças/jovens que precisam e dependem de si para atingir os requisitos que lhes permitirão singrar na vida.
O professor continuará a ser uma bússola, no mar encapelado da sociedade em que vivemos. É, também, um missionário que abdica de si e dos seus em prol dos outros, numa atitude de altruísmo e entrega. Se os pais querem o melhor para os seus filhos, deviam respeitar/proteger aqueles que os ensinam e educam.
Como recompensa... usufruem dos mesmos dias de férias dos outros trabalhadores da função pública. As pseudoférias de Natal ou Páscoa são meras interrupções letivas, fundamentais para recarregar baterias, como um lutador que descansa antes de regressar ao ringue.
Além disso, é de salientar que o professor só pode usufruir das suas férias, em agosto, pagando o dobro ou o triplo de um qualquer trabalhador que possa gozá-las em época baixa.
Depois desta batalha dura, desgastante, demolidora, acho que tenho direito ao merecido descanso do guerreiro…
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