segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

OBSERVADOR - 22 DE FEVEREIRO DE 2016

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
E pronto. Depois de mais uma maratona negocial, o primeiro-ministro britânico lá trouxe de Bruxelas a “vitória” de que necessitava para poder defender o “sim” no prometido referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. Não foi fácil, mas o suficiente para, logo no sábado, reunir o governo e marcar a data para a consulta ao eleitorado: 23 de Junho.
 
Nesse imediato momento as peças começaram a rearranjar-se no complexo xadrez daquela velha democracia e, como se esperava, algumas figuras de primeira linha do Partido Conservador – o partido de David Cameron – anunciaram que iriam fazercampanha pelo “não”, isto é, pelo dizer adeus à UE. Da mesma forma o Partido Trabalhista, mesmo sem mostrar clivagens tão profundas, também não seguirá em marcha ordenada para o referendo, até porque o seu actual líder, Jeremy Corbyn, já defendeu no passada a saída do país da União Europeia.
 
Numa altura em que as crises se multiplicam um pouco por toda a Europa – e que essa mesma Europa vai impondo a sua vontade a muitos países, como Portugal acaba de perceber com toda a clareza, tentar perceber o que estará em causa num eventual Brexit é, também, um tema português e uma discussão que não podemos deixar de ter. Até porque estamos interessados nela. É um tema que o Observador já abordou num Explicador – Brexit: o Reino Unido fica ou sai? – mas que merece mais desenvolvimento.
 
Para começar, duas análises portuguesas, ambas manifestando alguma preocupação face à evolução dos acontecimentos, ambas escritas por autores que simpatizam com o projecto federalista. A primeira é a de Teresa de Sousa, no Público, que em “Blood, sweat and… fears”, mostra a sua ansiedade face ao que possa sair da escolha referendário britânica: “Até lá, a todos os que ainda acreditam que a Europa pode ser salva, só lhes resta fazer figas e invocar o maior de todos os políticos britânicos do século XX. Há sempre uma frase de Churchill que consegue apontar para o que é essencial. “Blood, sweat and… fears”, escreveu ontem o site Politico, numa das suas análises sobre a cimeira. É o medo que está a mais, um sentimento que o velho leão britânico necessariamente desconhecia. 
 
Já aqui no Observador, Manuel Villaverde Cabral, em Brexit or not?, procurava prever os diferentes cenários: “Não fossem as consequências, como federalista, desejar-lhes-ia boa viagem. O problema é que a solução referendária se arrisca a nada resolver. Cameron só ganhará com o apoio dos Trabalhistas e dos independentistas escoceses pró-europeus, o que não está adquirido. Não é certo, pois, que as magras concessões feitas pela UE, a ratificar ainda por muitos parlamentos, cheguem para resolver o problema. O regresso à base no conjunto da UE corre o risco de acelerar a fragmentação das posições nacionais, sobretudo a Leste, destapando a caixa de Pandora dos sentimentos pró e anti-europeus.”
 
Araceli Mangas Martín, catedrática de Direito Internacional Público na Universidade Complutense de Madrid, seguia por caminhos semelhantes no El Pais, em Europa al rescate de Reino Unido, ao defender que “A todo europeísta le importa mucho la permanencia de Reino Unido. Una victoria del ‘no’ daría alas a los populistas de toda laya. El balance del acuerdo es respetuoso con las normas fundamentales de los Tratados, salvo alguna línea roja dudosa.”
 
Mas perdoem-me os leitores, julgo que hoje por hoje interessa olhar sobretudo para os jornais ingleses, pois é aí que o debate já está a ser travado com toda a intensidade. E perdoem-me de novo, agora pela frontalidade de destacar, a abrir, dois dos textos que mais estão a marcar esse debate por serem de figuras cimeiras do Partido Conservador e por contrariarem a linha defendida por Cameron. Refiro-me aos artigos de Boris Jonhson, o popular presidente da câmara de Londres, e de Michael Gove, o influente ministro da Justiça, publicaram no Telegraph.


 
Comecemos pelo texto de Boris Johnson: There is only one way to get the change we want – vote to leave the EU (de que o Observador fez uma síntese aqui). Antigo jornalista, conhecido polemista, o incontornável Boris tornou-se de imediato na figura de proa da campanha pelo “não”, sendo que o seu artigo merece ser lido com atenção. Como aperitivo deixo-vos apenas o primeiro parágrafo:
I am a European. I lived many years in Brussels. I rather love the old place. And so I resent the way we continually confuse Europe – the home of the greatest and richest culture in the world, to which Britain is and will be an eternal contributor – with the political project of the European Union. It is, therefore, vital to stress that there is nothing necessarily anti-European or xenophobic in wanting to vote Leave on June 23.
 
(Charles Moore, biógrafo de Margaret Thatcher, ficou tão entusiasmado que, no mesmo Telegraph, saudou de forma quase feérica esta tomada de posição: Hurrah for Boris Johnson. Glad you could join us.)
 
Michael Gove é um político diferente e mais cerebral, sendo de destacar os argumentos jurídicos que utilizou para justificar a sua posição - Michael Gove explains why Britain should leave the EU. A sua linha de pensamento segue caminhos já percorridos por muitos outros que, tanto à direita como à esquerda, se foram opondo, ao longo das últimas décadas, à progressiva transferência de poderes do Parlamento de Westminster para Bruxelas. Pequena passagem:
Laws which govern citizens in this country are decided by politicians from other nations who we never elected and can’t throw out. We can take out our anger on elected representatives in Westminster but whoever is in Government in London cannot remove or reduce VAT, cannot support a steel plant through troubled times, cannot build the houses we need where they’re needed and cannot deport all the individuals who shouldn’t be in this country. I believe that needs to change. And I believe that both the lessons of our past and the shape of the future make the case for change compelling.
 
Para terminar as minhas referências a textos pelo “não” de figuras do Partido Conservador, devo ainda citar o eurodeputado Daniel Hannan que, na Spectator, escreveu sobre What Brexit would look like for Britain. É um texto onde compara a posição do Reino Unido como a outros países que, estando na periferia da União Europeia, preferiram ficar de fora, como a Noruega ou a Suíça, procurando assim combater os receios do que falam do inevitável declínio económico de um Reino Unido for a da UE: “The EU takes 64 per cent of Swiss exports, as opposed to 45 per cent of British exports. Europhiles like to claim that ‘around’ half of our exports go to the EU, but that figure has fallen by 10 per cent since 2006. How much lower must it go before we drop the idea that we need to merge our political institutions? To summarise, then, Norway gets a better deal than Britain currently does, and Switzerland a better deal than Norway. But a post-EU Britain, with 65 million people to Switzerland’s eight million and Norway’s five, should expect something better yet.”
 
Passemos agora para o outro lado do espectro político, mas continuando entre os que argumentam pela saída. É o caso de John King em The left wing case for leaving the EU, um texto publicado na New Statesman. O seu argumento é quase simétrico de alguns dos que já citámos, sendo que agora aquilo de que este autor não gosta na Europa é do seu capitalismo: “It is essential to understand where the EU is heading. The mission? To create a centralised superstate. As the former European Commission president José Manuel Barroso said in 2007: “. . . I like to compare the EU as a creation to the organisation of empire. We have the dimension of empire.” While there have been idealists involved and progressive laws made along the way, at its core it is undemocratic and distant, a threat to all those living in its shadow. However sweet the propaganda, it is a tool for multinationals, another part of the globalisation process.”
 
Há mais textos que seria interessante citar, mas tenho agora de dar a palavra aos que defendem a permanência do Reino Unido na UE. E vou fazê-lo começando por uma referência incontornável, Timothy Garton Ash, e pelo seu artigo no Guardian: Here’s how to argue with a Brexiter – and win. Entre argumentos mais centrados na sua visão dos interesses britânicos, há um que alarga os horizontes aos interesses europeus: “The EU can be changed. While the reforms Cameron has secured are modest, there’s a swelling chorus of voices in countries like Germany saying not just “We must do this, reluctantly, to keep Britain in”, but “We really do need to reform the EU”. If Britain remains, the reform lobby is strong; if it leaves, much weaker.” Para além disso, Garton Ash julga que os seus argumentos “are from prudence, not visionary optimism”, concluindo: “Well, I suppose you might call it scaremongering if someone asks you not to jump off the deck of an ocean liner, without a lifebelt, in a force nine storm. Actually, it’s common sense.”


 
Já a coluna Bagehot da revista The Economist é mais acertiva:Boris Johnson is wrong: in the 21st century, sovereignty is always relative. É um texto onde se argumento com o “soberanismo” dos eurocépticos. Eis uma parte do que aí se defende: “The flaw in this case lies in the tradition's idealistic definition of sovereignty. For Mr Johnson and Mr Gove, being sovereign is like being pregnant—you either are or you aren’t. Yet increasingly in today’s post-Westphalian world, real sovereignty is relative. (…) To live with globalisation is to acknowledge that many laws (both those devised by governments and those which bubble up at no one’s behest) are international beasts whether we like it or not. If sovereignty is the absence of mutual interference, the most sovereign country in the world is North Korea.
 
Há ainda quem vá mais longe, como os que se assumem como federalistas, categoria em que julgo poder incluir o influente colunista do Financial Times Wolfgang Münchau, o qual está mesmo contra as cedências que Cameron conseguiu negociar no Conselho Europeu: Concessions to Britain will create a two-tier Europe. Na verdade aquilo que ele lamenta é o que outros celebram: “If the deal is implemented in full, it will end the idea of ever-closer union. And if the British vote to leave, the deal will become null and void. Britain would enter a long process negotiating its exit from the EU. I struggle to see any good outcomes.”
 
Já vai relativamente longo este Macroscópio, e deixo de fora muitas referências a que talvez posso voltar mais tarde. Para já regresso a casa para vos recomendar o interessante perfil que a Liliana Valente preparou sobre Boris Jonhson – o Especial do Observador As muitas polémicas do homem que diz não à UE, um homem frontal e desabrido em todos os sentidos, que tanto pode criticar frontalmente o Islão como afirmar que "A única razão para não ir a algumas partes de Nova Iorque é o risco real de encontrar Donald Trump" – e recuperar um Conversas à Quinta recente, Como o referendo britânico pode ajudar a Europa (neste caso, insisto, o melhor é mesmo subscreverem o podcast das conversas semanais com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto).
 
E por aqui me fico, desejando-vos bom descanso e boas leituras. Até amanhã.

 
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