quarta-feira, 19 de agosto de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 19 DE AGOSTO DE 2015


Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 Gérard CASTELLO-LOPES, Algarve, Portugal, 1957
 

O Macroscópio continua a revisitar a primeira metade do mês de agosto e regressa hoje, como prometido, a temas da campanha eleitoral. Desta vez para falarmos de Segurança Social e do sistema de pensões, seguramente um dos mais importantes e, também, mais difíceis. Tanto o programa apresentado pelo PS (com a polémica descida da TSU), como o elaborado pela coligação (com o cenário de plafonamento horizontal dos descontos), têm suscitado controvérsias que, infelizmente, no que ao discurso político diz respeito, quase se têm limitado a uma troca de acusações muito pouco esclarecedora. Não nos devemos surpreender demasiado: grande parte do eleitorado, sobretudo do eleitorado que não se abstém, é constituída por reformados ou por trabalhadores à beira da reforma. O tema escalda e por isso todos lhe tocam ora com pinças (quando se trata de definir as suas promessas), ora com bombardas (quando falam das promessas alheias).

Para quem quiser ter uma boa introdução ao debate –e também à quantidade de informação que falta para avaliar as propostas da coligação e do PS – uma excelente introdução é a de Margarida Corrêa de Aguiar, Reforma das pensões: sem solução política, publicado no Observador. Para esta especialista, “Coligação e PS reconhecem que há uma quebra de confiança dos contribuintes e beneficiários no sistema de pensões. Mas não assumem as mudanças no modelo de governação do sistema que isso implica.”

O texto é relativamente longo, mas vale a pena lê-lo já que ajuda a clarificar os termos do debate. Alguns extratos:
  • “A insustentabilidade financeira está e vai continuar a gerar iniquidades entre gerações. Este é um problema de que pouco se fala, muitas vezes secundarizado.”
  • “Há muito tempo que o “contrato social” se quebrou, devido justamente às recorrentes medidas e reformas paramétricas que têm vindo a ser introduzidas, reduzindo crescentemente benefícios de geração em geração.”
  • “Ambos os programas eleitorais indicam a introdução de mecanismos de plafonamento (leia-se reduções/tectos às contribuições e reduções/tectos às pensões). No caso da Coligação trata-se de um plafonamento horizontal – é fixado um máximo salarial a partir do qual não há incidência de contribuições – e no caso do Partido Socialista trata-se de um plafonamento vertical – é estabelecida uma redução generalizada de contribuições para todos os salários.”
  • “Ambos os mecanismos implicam a necessidade de financiamento adicional para repor, no entretanto, que pode ser um período mais ou menos longo, a perda imediata da receita de contribuições. Ora, as restrições económicas e de finanças públicas que o País atravessa dificultam e inviabilizam o financiamento dos custos de transição destas opções. Fazê-lo introduz um risco adicional na já frágil situação financeira do Sistema Previdencial de Segurança Social.”

Há um outro texto de uma economista reputada, Cristina Casalinho, que actualmente preside à Agência de Gestão de Tesouraria e da Dívida Pública, que, no Jornal de Negócios, escreveu um texto bastante pedagógico sobre o que pode estar em causa nos sistemas de Segurança Social: Sistemas em coexistência. É um texto onde explica as diferenças entre o nosso sistema, dito de repartição, e os sistemas de capitalização (como passaria a ser parcialmente o nosso caso avançasse o plafonamento), e as dificuldades de transição entre um e outro:
A transformação de um sistema de repartição num regime de capitalização com plafonamento levanta a importante questão do seu financiamento. No caso de o nível de dívida pública ser reduzido, esta passagem pode ser facilitada. O Estado terá de emitir dívida adicional para o estabelecimento das contas individuais, podendo em simultâneo beneficiar da procura por dívida pública por parte dos novos fundos. Se esta hipótese estiver vedada ao Estado, os atuais financiadores do regime de repartição terão em paralelo de suportar o estabelecimento do sistema de capitalização. Para tal ser viável, os rendimentos na economia têm de estar a crescer a um ritmo forte e a carga fiscal tem de ser considerada suportável. Para uma sociedade envelhecida num Estado fortemente endividado e com baixo crescimento económico, a transição entre modelos será sempre um processo delicado, desafiante e problemático.”

Dito isto, vale a pena referir dois textos, editados em dias sucessivos pelo Diário de Notícias, que ajudam a esclarecer as propostas em cima da mesa, se bem que ambos abarquem mais temas do que apenas os relativos o sistema de pensões. Pequenas citações (os dois textos são relativamente longos):
  • Mário Centeno, responsável pela coordenação do estudo macroeconómico que está na base do programa eleitoral do PS, Quanto? Quando? Como?: “O plafonamento das contribuições para a Segurança Social não é uma reforma estrutural. O terramoto pode assumir proporções colossais. Mas a coligação não diz o quanto. O plafonamento dá liberdade de escolha aos contribuintes. É verdade. Se o plafonamento começar nos 2000 euros de salários, a 8% dos contribuintes, 295 mil. Se começar nos 2500 euros, a 5%, 190 mil. Quem são os contribuintes que obtêm liberdade de escolha?”
  • Jorge Bravo, um académico que colaborou no programa eleitoral do PSD, Proteção social mais justa, adequada e sustentável: “Esta proposta [de plafonamento], bastante mitigada nos seus impactos de curto e médio prazo sobre o financiamento da Segurança Social, contrasta com a proposta do PS de redução da taxa social única (TSU) em 4% para os trabalhadores (denominada de plafonamento vertical), que não só retira uma fatia importante das receitas ao sistema como não cuida de exigir que a base contributiva isenta fica sujeita a contribuições para regimes complementares de proteção social.”

Quanto a textos substantivos, a levantar dúvidas legítimas sobre as propostas em cima da mesa, um dos que se destacou foi o de Alfredo Marvão Pereira, que é Thomas Vaughn Professor of Economics no The College of William and Mary, no Público: As ramificações provavelmente não intencionais da redução da TSU dos trabalhadores. É um texto que aborda com seriedade a proposta do PS, queixa-se (como se queixam tantos outros) da “ausência de alguns detalhes cruciais”, e levanta interrogações como esta:
Se se reduzirem de modo uniforme as contribuições de todos os trabalhadores no ativo, as diferenças nas taxas marginais de poupança entre os contribuintes de rendimentos mais baixos e mais altos, poderá levar, imagino que não intencionalmente, a um aumento da desigualdade de rendimentos na reforma. Ou seja, com esta medida, o contribuinte de mais baixo rendimento terá o seu rendimento na reforma proporcionalmente mais reduzido que o contribuinte de mais alto rendimento. Quaisquer ajustamentos na proposta em sede de TSU com vista a obviar este efeito, além de trazerem pela sua complexidade sérios problemas de implementação, comprometeriam de forma significativa a eficácia da medida como alavanca do consumo privado.”

Chamo ainda a vossa atenção para três comentários mais breves:
  • Bruno Faria Lopes, do Económico, em Alguém sabe o que quer a coligação para as pensões?: “Não é compreensível que Passos Coelho e Paulo Portas apresentem uma proposta escrita sobre plafonamento da Segurança Social com termos tão vagos como a introdução de "um limite" (qual?), para "gerações mais jovens" (quais?), sem explicar claramente como seria financiado e remetendo maior detalhe para uma "análise" em "sede de concertação social" (fórum a que a coligação não dá qualquer crédito técnico, como vimos na legislatura que agora termina).” 
  • Pedro Braz Teixeira, no mesmo Económico, em Pensões: “O que o PS propõe é não tocar nas pensões já atribuídas, ou seja não corrigir os graves problemas de pensões claramente acima das carreiras contributivas. Para além disso, pretende aumentar as fontes de financiamento, ou seja ir subindo sucessivamente impostos e contribuições para não reformar a Segurança Social, como se isso fosse um caminho com algum futuro para além do curto prazo.”
  • Camilo Lourenço, no Jornal de Negócios, em PS e coligação fogem das pensões: “Não há forma de equilibrar o sistema de pensões sem uma reforma dura. E um dos vectores dessa reforma implica cortar pensões. Iludir os portugueses por causa das eleições é pregar mais um prego no caixão da credibilidade da classe política.”

A terminar, um conjunto de referências a entradas já antigas do blogue de Pedro Romano, Desvio Colossal, que também ajudam a clarificar os termos da discussão: A Segurança Social é sustentável? É. Mas o que é que isso significa?; Pay-as-you-go e o “cofrezinho” do contribuinte; Poupança e capital num sistema de capitalização e Economia política dos regimes de capitalização.

Eis pois um debate que ainda vai no adro, devia merecer mais atenção durante a campanha e ser realizado em termos que permitissem um acordo pós-eleitoral nesta matéria. Apesar da retórica, há muitos pontos em que o PS e a coligação estão de acordo e, num tema que não é de uma legislatura mas de gerações, alguma forma de consenso alargado (à nórdica?) devia ser alcançado.

Por certo voltaremos a falar de pensões e de Segurança Social, mas por hoje despeço-me com votos de bom descanso e boas leituras. Até amanhã

 
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ANTÓNIO FONSECA

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