sábado, 23 de maio de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 20 DE MAIO DE 2015


Macroscópio – É fácil culpar a polícia. É fácil culpar os adolescentes. Mas será justo?

Para: antoniofonseca40@sapo.pt



Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!



Não há volta a dar. A violência do passado fim-de-semana – de alguns adeptos do Benfica em Guimarães, do polícia que espancou um pai à frente do filho, novamente de grupo adeptos mais excitados no fim da festa do Marquês de Pombal continua a marcar os noticiários e muitos textos de reflexão. Até porque suge depois do caso do bullying da Figueira da Foz e do assassinato de Salvaterra de Magos. Vou por isso começar por voltar a ele para chamar atenação para alguns textos que colocam problemas interessantes, a merecer reflexão.

Bruno Faria Lopes, no Diário Económico, procura recusar a leitura mais simplista, a “indignação” mais fácil. Em Responsabilizar a PSP não é tiro ao alvo ele recorda, com dados e sem exaltação, tanto os muitos problemas que subsistem na forma como muitos agentes daquele corporação actuam, como na evolução positiva a que, apesar de tudo, assistimos nos últimos anos. É verdade: “O uso excessivo da força é um problema comum às polícias de quase todos os países”. É também verdade: “Guimarães não foi um "caso isolado"“. E não há dúvida que “É bom que o escrutínio seja duro, justo e consistente - que acompanhe o caso desde a agressão até à decisão das chefias e da tutela política”. Mas, quando olhamos para o que se passou, não nos basta o que parece mais óbvio, pelo que Faria Lopes acaba a colocar a questão incómoda, sobretudo para quem, como eu, é jornalista: “É estranho que os 16 polícias feridos nos desacatos da festa benfiquista mereçam menos do que uma nota de rodapé por parte dos media.” Tanto mais que, se uma coisa é responsabilizar a polícia, outra coisa é o “que temos visto nos últimos dias - a reacção extremada arrisca criar um ambiente anti-autoridade perigoso e a inflar um balão de indignação a que, daqui a alguns dias, já ninguém ligará”.

No mesmo jornal, João Cardoso Rosas vai bem mais longe e faz um texto certamente mais polémico, Nonsense, quer pela forma como descreve o que se passou &ndash ; “A polícia teve de intervir em vários palcos para, como diria o nosso Camilo, "aguar a escandescência" à turba ululante. Foram dadas algumas bastonadas num adepto, por sinal sem consequências de maior, nem para a criatura vergastada, nem para o polícia insultado.” – por criticar directamente a forma como as televisões depois trataram o caso: “Todas as nossas televisões, incluindo a de serviço público, seguem hoje o modelo da Correio da Manhã TV. Por isso repetem até à náusea qualquer remota cena de violência, tal como o vulgar enfrentamento entre um adepto do futebol e um polícia.”  Segue depois para a imprensa que diz “tabloidizada” e termina atacando a forma “como comentadores geralmente mais circunspectos reagem pavlovianamente a este tipo de aconteci mentos”. É o que se chama uma prosa que não vai com as outras – mas que não deixa de fazer pensar.

Já Maria João Marques, aqui no Observador, procurou olha r de uma forma diferente para o que se passa no mundo da adolescência e da violência juvenil. Em Adolescentes à deriva, lembra uma coisa de que muitas vezes nos esquecemos: “Além dos maus exemplos dos crescidos, a adolescência é o tempo da vida para se fazer disparates.” Ela própria, assume, fez “imensos disparates que, olhando para trás, podiam ter corrido mal”. Tudo porque “A mistura de falta de noção das consequências, ideia de que se possui imortalidade e que o perigo é invenção dos adultos para nos estragar a diversão, impulsos e emoções fortes, curiosidade natural e oportunidade para a tolice” são características deste per&iac ute;odo da vida. Quando essa pulsão é canalizada para o mal, chega-se facilmente aos extremos de crueldade dos Guardas Vermelhos agitando o “Livro Vermelho” de Mao, como também recorda. Ou então, como se passou no caso de Salvaterra, perceber que talvez “ninguém tenha ensinado àquele adolescente a distinção entre bem e mal. A mãe enviou-o para uma instituição quando era pequeno e, depois da detenção do filho, apressou-se a repudiá-lo no Facebook, afirmar que os pais não têm de pagar pelos erros dos filhos, desejar que fosse o seu filho o morto e mais doses de amor maternal. Como mãe, o comportamento desta pessoa repugna-me.” Pelo que “a verdade feia é provavelmente esta: aprendeu com a mãe como destruir pessoas.”

Esta reflexão dá uma boa passagem para a do pediatra Mário Cordeiro no jornal i. Em A violência entre adolescentes contesta as vozes que dizem que “o mundo juvenil está “podre”” e parte em busca, isso sim, das raízes da violência em casos como estes. No final, deixa sugestões:
É fundamental educar no sentido de uma via pacífica para a resolução dos conflitos, estímulo do diálogo, desenvolvimento da capacidade de argumentação, combate ao narcisismo e à omnipotência, e fazer da cultura da paz a contrapartida da violência. Os comportamentos éticos e “fazer as coisas bem feitas” não são atitudes de betinho, mas sim uma exigência civilizacional e própr ia de um Estado democrático. Finalmente, uma criança que cresce num ambiente onde grassa a violência crescerá imune a sentimentos de culpa. As primeiras estaladas ou injustiças magoam e chocam, as segundas aguentam-se, as terceiras já não fazem mossa e a partir daí até pode desenvolver-se um gosto sadomasoquista.

Feitas mais estas referências ao caso da semana, deixem-me voltar de novo ao Diário Económico, agora por causa de um texto de Vital Moreira, Tábua rasa, um texto que, mesmo não citando directamente, é uma crítica ao projecto de revisão constitucional que o Observador promoveu e colocou à discussão pública e entre os académicos. Vital, que de resto participou de forma empenhada no debate que realizámos na Universidade de Coimbra, argumenta contra aquilo que chama “"limpar" o capítulo dos direitos sociais e a "constituição económica"”. É um contributo importante para a discussão, pelo que deixo um dos seus argumentos de crítica à proposta de diminuir profundamente a parte da chamada "constituição económica":
Essas propostas são mais motivadas pela paixão do que pela razão constitucional. Antes de mais, o atual capítulo económico da Constituição pouco tem a ver com o inicial, tendo havido uma verdadeira "metamorfose da constituição económica". Embora ainda sobrecarregada por desnecessárias diretrizes de política económica, ela abandonou quase todas as primitivas imposições de intervenção económica do Estado, que foram em geral substituídas por simples habilitações. 

(Os interessados neste debate podem assistir amanhã, quinta-feira, na Universidade Católica do Porto, onde a entrada é livre, a mais duas discussões, desta vez sobre a Constituição e o "Sistema Judicial" (com Jorge Pereira da Silva, Luísa Neto e Maria dos Prazeres Beleza) e a "Justiça Constitucional" (com Filipa Calvão, Paulo Rangel e Sofia Amaral Garcia). Eu próprio moderarei o segundo destes painéis, pelo que, amanhã não poderei, infelizmente, voltar ao vosso convívio com o Macros cópio.)
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Passo agora a só mais duas sugestões, ambas incontornáveis. A primeira remete para o texto de um velho conhecido do Macroscópio, Ambrose Evans-Pritchard do britânico Telegraph. É que, num texto intitulado Europe faces second revolt as Portugal's ascendant Socialists spurn austerity, este influente jornalista dá conta das preocupações que o discurso anti-austeritário do PS de António Costa está a gerar na Europa. Vejam, por exemplo, esta passagem: “While the Socialist Party insists that it is a different animal from the radical Syriza movement in Greece, there is a striking similarity in some of the pre-electoral language and proposals. Syriza also pledged to stick to EMU rules, while at the same time campaigning for policies that were bound to provoke a head-on collision with creditors.” (O Observador fez uma notícia onde resumia esta análise já que Pritchard tem, nos meios financeiros europeus, uma influência só superada pela de Martin Wolf, do Financial Times.)

A minha outra escolha está menos ligada à actualidade e recai sobre um texto fascinante da Spiegel: The Spy Next Door: The Double Life of Agent Jack Barsky. Trata-se da reconstituição da vida do homem que a Alemanha de Leste conseguiu infiltrar nos Estados Unidos, onde trabalhou duas décadas para o KGB sob o nome de Jack Barsky. Às vezes não é preciso ler John Le Carré para entrar no mundo da espionagem (da real, de pele e osso, não da estilo James Bond). Vejam só esta passagem:
But Barsky didn't just have one life in America. He had a second one in Germany. He had two marriages and had also built two families over the years. In Germany, he married Gerlinde in 1980 and they had a son named Matthias. Dittrich would return to East Berlin for three weeks of vacation every two years, and Gerlinde would be waiting for him. He would always bring back expensive gifts, including a shiny watch one year. But then, back in the US, he met Penelope, an immigrant from Guyana whom he found through a personal ad in a newspaper. They married in 1986 and had two children together, Chelsea and Jessie. Reflecting on this time, he says, "I did a good job of separating the two. Barsky had nothing to do with Dittrich and Dittrich wasn't responsible for Barsky."

Vou despedir-me por hoje, renovando o aviso – amanhã não haverá Macroscópio – e o convite para o debate sobre a Constituição na Universidade Católica do Porto. Para além disso ainda acrescento ainda outro aviso que é também um convite: esta semana, excepcionalmente, o Conversas à Quinta, a minha conversa semanal com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto, será gravado apenas na sexta e terá um convidado muito especial, Francis Fukuyama. Vamos deixar o nosso estúdio para o montar na Livraria Buchh olz, já que o famoso historiador e cientista político estará aí para lançar a sua última obra, Ordem Política e Decadência Política (Dom Quixote). A entrada é livre, pelo que todos os leitores do Macroscópio podem aparecer para mais uma conversa que se anuncia bem interessante.

Até lá, bom descanso e boas leituras.

 
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio.
 
ANTÓNIO FONSECA

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