segunda-feira, 11 de maio de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 11 DE MAIO DE 2015

Macroscópio – O que podem dizer as eleições inglesas sobre as portuguesas?‏

Macroscópio – O que podem dizer as eleições inglesas sobre as portuguesas?

Para: antoniofonseca40@sapo.pt

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!


 
Agora que a poeira começa a assentar sobre a enorme surpresa que foi a dimensão da vitória eleitoral dos Conservadores – e as derrotas tanto dos Trabalhistas como dos Liberais-Democratas, que fizeram cair os seus líderes –, é altura de fazer um breve balanço do que se passou, e do que essas eleições nos podem ensinar sobre as nossas próprias eleições.
 
Começo por isso este Macroscópio por um dos textos mais originais na forma como abordou o resultado eleitoral, e um texto que também me permite fazer pontes para outras reflexões dos últimos dias: Eleições britânicas: vanguardismo surpreendido pelas pessoas comuns, de João Carlos Espada, no Público. O ponto de par tida do professor de ciência política é o “impressionante” falhanço das sondagens, um falhanço que, ao contrário da maioria dos comentadores não considera ter sido técnico, mas sim político. E político porquê? Porque o que escondeu o voto conservador não foi um erro dos pollsters, mas sim o facto de o ambiente agressivamente “politicamente correcto” dominante na comunicação social, nas universidades e nas redes sociais terem feito com que “muitos eleitores conservadores não [quisessem] revelar as suas intenções de voto. Mas acorreram às urnas para, no recato da cabine de voto, exercerem a sua escolha livre. Foi assim em 1992, voltou a ser assim agora.” Depois de enumerar vários casos que ilustram esta situação, concluiu:
Quais são as lições deste fenómeno? O presidente de uma das empresas de sondagens britânicas disse sabiamente que os políticos não deviam seguir as sondagens; deviam apenas dizer abertamente aquilo que defendem. É um bom princípi o. Depois de Winston Churchill, os últimos estadistas que seguiram esse princípio foram Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
 
Não é possível deixar de associar esta reflexão à que faz, também hoje, Helena Garrido no Jornal de Negócios, em Opiniões, sondagens e realidades. Só que o seu ponto de partida não é David Cameron, mas Cavaco Silva, que considera ser “a personalidade política mais mal tratada no espaço público”. Mesmo assim, ganhou duas maiorias absolutas para o PSD e foi eleito duas vezes Presidente da República. Pelo que, prossegue, “Tal como os conservadores envergonhados do Reino Unido, existem em Portugal os "cavaquistas envergonhados". Poderemos também ter os "passistas envergonhados"?” Não sabemos, e levaremos alguns meses até saber, mas há pelo menos um ponto de partida que é comum aos dois, como é comum a Cavaco Silva: a franca hostilidade mediática.
 
Ora é precisamente o desequilíbrio existente em grande parte da comunicação social que ocupou Helena Matos, aqui no Observador, e Filipe Alves, no Diário Económico. Comecemos por Helena Matos e o seu A verdade (ilustrada) a que temos direitoonde ontem procedeu a uma análise comparada das capas de vários jornais portugueses no dia da vitória do Syriza e no dia da vitória dos Conservadores. Dessa análise ela conclui que “Nos jornais reina a hipocrisia e quando a realidade não é compatível com a ideologia omite-se. Mete-se em letras pequeninas. Arruma-se num cantinho. Faz-se quase de conta que afinal não aconteceu nada”. Porque é que isto acontece? Porque em muitas redações há uma “narrativa prévia sobre o mundo”: “Uma narrativa que garante que os partidos que cabem no espectro do progressismo (seja isso o que for!) são invariavelmente os vencedores e que se tal não acontece essa anormalidade só se explica por chapeladas, manipulação ou obscurantismo dos eleitores. E assim, como a maior parte das nossas redacções está convicta de que nenhum povo poderá votar num partido que além de se dizer conservador defende a austeridade, a derrota de Cameron foi dada como certa. Como tal não aconteceu, apesar de todas as certezas pr&e acute;vias dos enviados especiais, só resta escondê-lo.”
 
Algo de semelhante constatou Filipe Alves, que, em A lição das eleições britânicas considerou que “Os resultados das eleições britânicas trouxeram à tona as ideias pré-concebidas de muitos jornalistas e comentadores na comunicação social portuguesa. Em alguns casos chegou-se mesmo ao ridículo, com directos inflamados, nas televisões, de correspondentes a quem só faltou lamentar que os britânicos pudessem votar. O mesmo se passou com muitos comentadores que, nos jornais, parecem prezar mais a sua concepção de "Europa" do que a própria Democracia e que, podemos supor, viveriam bem sem eleições e referendos. Os artigos de análise também alinharam, salvo raras excepções, pelo mesmo discurso: os britânicos, coitadinhos, votaram contra a "Europa" e a favor da "austeridade”.
 
Mas não é apenas na frente mediática que podem eventualmente ser feitos paralelos entre a escolha britânica e a futura escolha dos portugueses. Nesse campo tenho de salientar o texto de Ricardo Costa no Expresso, É a economia (e a sociedade), estúpido! (link para assinantes). Comecemos por uma citação: “A transformação que o Governo quer fazer em Portugal é semelhante à que David Cameron está a fazer no Reino Unido, com a maior reduç&atil de;o orçamental desde o fim da II Guerra Mundial. A inspiração é clara e tem ideias parecidas. Não percam tempo com Reagan, Thatcher ou Friedman. O exemplo do novo Governo é atual e tangível. (...) Os olhos de Passos Coelhos estão postos no Reino Unido. Se não formos ao fundo é aquele o nosso caminho”. A particularidade desta frase é que ela foi escrita há quase quatro anos pelo mesmo Ricardo Costa que agora regressa a ela para notar as semelhanças e as diferenças que entretanto fomos percebendo desde 2011. Fiquemos sobretudo pelas diferenças: “Aquilo a que muitos chamaram uma “obsessão” pela austeridade não era apenas um exercício violento de cortes orçamentais, mas — para simplificar — uma ‘libertação’ da economia. (…) É aqui que a equaçã ;o de Passos Coelho simultaneamente se aproxima e se afasta de David Cameron. Porque o arriscadíssimo exercício orçamental que o Governo britânico fez contou com fatores inexistentes em Portugal: uma praça financeira fabulosa, um mercado de trabalho dinâmico, uma demografia ajudada pela imigração e, acima de tudo, uma sociedade civil extraordinária, amiga da liberdade e do risco. Ou seja, um país historicamente liberal de cima a baixo.”
 
Portugal é bem diferente do Reino Unido, mas mesmo assim há mais paralelos a anotar. É o que fez, por exemplo, João Marques de Almeida, aqui no Observador, em A explicação para a vitória dos Conservadores. Eis um dos seus argumentos: “Apesar do que diz o líder do PS, no Reino Unido também houve “austeridade” (…)Os trabalhistas, tal como os socialistas em Portugal, são vítimas da sua própria propaganda. A maioria dos britânicos sabe que os últimos anos foram difíceis, mas sabe que nenhum país pode gastar mais do que produz. Por isso, sabe que a “austeridade” era inevitável, e não o resultado de uma escolha política ou ideológica. E também sabe que o último governo trabalhista foi o responsável pela necessidade de uma política de “austeridade”. Os britânicos pensaram de uma forma muito simples. O governo fez o que tinha que ser feito, a economia está a recuperar, e por isso decidiram não colocar em causa os sacrifícios dos últimos cinco anos.”
 
Antes de passar à frente internacional, quero ainda chamar a atenção para a crónica de André Azevedo Alves, também no Observador, “Labour as we know it will never rule again” (“O Partido Trabalhista radicalizou o discurso anti-austeridade e as suas propostas igualitaristas. Acabou por registar o pior resultado em 50 anos. Foi o preço da rejeição da herança de Tony Blair.”) e recordar a que já aqui citei no último Macroscópio, Lições inglesas, de Rui Ramos (“Não admitir erros, negar os problemas, e prometer facilidades não é sempre uma receita de sucesso. Os Trabalh istas, que fizeram tudo isso, sofreram a sua maior derrota em trinta anos.”)



 
No que respeita às análises da imprensa internacional, e até porque já me estendi um pouco, vou cingir-me à questão europeia, isto é, aos desafios que este resultado coloca à Europa, uma vez que uma das promessas de Cameron é a de dar a palavra aos britânicos para eles escolherem se querem ou não continuar a pertencer União Europeia. Alguns destaques:
  • Wolfgang Münchau, um colunista de inclinações federalistas do Financial Times, na tradução do Diário de Notícias (texto original aqui), O que significa para a Europa a vitória eleitoral de David Cameron : “Os apoiantes da permanência britânica na UE consolam-se com as sondagens de opinião que parecem mostrar uma maioria para a sua posição. Não se deixem enganar. Ninguém consegue prever a esta distância o resultado de um referendo. E além disso, quem pode confiar em sondagens depois da semana passada? É mais instrutivo olhar para a dinâmica política. Aí temos o nacionalismo ressurgente na Escócia e uma possível contrarreação inglesa - um cocktail que em nada ajuda a causa europeia.”
  • Carl Bildt, antigo primeiro-ministro da Suécia= C em artigo para o Preject Syndicate, David Cameron’s Europe: “Cameron’s remarkable victory should be viewed as an opportunity to launch a renewed and reformed EU in the next two years. The UK’s European partners expect Cameron to frame the debate that must now begin if a truly stronger EU – one that can face up to its future and its future challenges – is to emerge. But there is also the possibility of it all going terribly wrong. In these dangerous times, the consequences of Europe’s disintegration must not be underestimated.”
  • David Frost, no site Open Europe, defendeu, EU referendum: David Cameron must be ambitious, not cautious, uma estratégia para Cameron negociar com a Europa e, depois, convencer os britânicos a continuarem na União. Terá sempre de conseguir alguma coisa dessa negociação, que será difícil: “It is very unlikely the Government can get everything it wants in one go. Certainly anything that requires Treaty change will need to be taken in more than one stage. So it’s important to set out a long-run vision as well as a set of technical changes. In my own view that vision should be to enable the EU to develop into an inner core around the Euro, an outer core participating in the single market and the single trade policy, and with optional integration between those two cores. That is an ambitious vision and there is no chance of getting there in one step. Others may disagree. But without our own vision we will always be pulled along by those who have a different one.”
  • Iain Martin, n o Telegraph, dá-nos uma perspectiva do ponto de vista da política interna britânica, em David Cameron is a winner now – and his Eurosceptic backbenchers know it: “Indeed, his election triumph puts Mr Cameron in an exceptionally strong position to deal comprehensively with the European question, which will be one of the three great questions that dominates this parliament, along with the economy and the task of creating a federal UK out of the wreckage of the Union between England and Scotland.
 
Antes de terminar, não posso deixar de vos referir o texto que Tony Blair escreveu para o Observer/The Guardian de ontem, domingo: Labour must b e the party of ambition as well as compassion. Pequeno excerto: “The centre ground is as much a state of mind as a set of policies. It means that we appreciate that in today’s world many of the solutions will cross traditional boundaries of left and right. We need not just to be comfortable with this; but actively to seek out the alliances to embrace those outside our tribe as well as within it. Leading the debate over why Britain should stay in Europe offers a great chance to do so.
 
Hoje estendi-me um pouco, mas tal não impediu que muito tivesse ficado por referir. Entretanto, do outro lado da Europa, na Grécia, pode também estar um referendo a caminho. Talvez falando o povo, o povo seja ouvido. Veremos.
 
Bom descanso, e boas leituras.
 
 
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ANTÓNIO FONSECA


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