Portugal, 1968-1972: a diferença entre governar e (des)governar
NUNO ALVES CAETANO
O confronto é esmagador. Mesmo tendo de suportar uma guerra em três frentes africanas, Portugal foi entre 1968 e 1972 um caso único de desenvolvimento e progresso, com um crescimento do PIB da ordem dos 10 por cento.
Hoje, apesar dos milhões que nos chegam de Bruxelas, a dívida pública é caótica e o crescimento do PIB pouco mais do que zero, enquanto o valor dos impostos atingiu um grau inimaginável. Ao invés do que sucedia nos últimos anos do antigo regime, o despesismo público é hoje escandaloso, o compadrio político uma vergonha e a impunidade política uma desgraça nacional.
Numa altura em que mais uma vez, depois do 25 de Abril, o País se encontra endividado “até à ponta dos cabelos”, sem qualquer solução à vista a não ser continuar a inventar impostos, e encontrando-se no final de mais um período governamental, é curioso estabelecer um paralelo sobre quatro anos de governação na época do Estado Novo, neste caso, o período entre 1968 e 1972, recorrendo à análise e evolução ocorrida entre os quadriénios 1965-68 e 1969-72 e constatar a diferença abismal do que é governar um país a pensar nos cidadãos ao invés do que acontece desde Abril de 74, em que se (des)governa um país, à custa dos seus cidadãos.
Propositadamente, todos os valores estão indicados em Escudos, a moeda então corrente. Para os mais novos, que se viram impossibilitados do privilégio de conhecer uma moeda nacional, um esclarecimento.
Agricultura
Comecemos pela política agrícola. O apoio financeiro a Associações Agrícolas aumentou de 543.414 contos em 1968 para 871.451 contos em 1972, ou seja, um acréscimo de mais de 62%. Os subsídios dirigidos à reconversão agrária, só entre 1971 e 1972, sofreram um aumento de 26%, passando de 53.112 contos para 66.707 contos.
Igualmente os apoios concedidos para a motomecanização agrícola e florestal aumentaram de 88.956 contos em 1968 para 353.328 contos em 1972 – quase 300%! A produção de carne teve um aumento de 21,7% entre os quadriénios 65-68 e 69-72 (de 901012 toneladas para 1096209 toneladas), sendo o aumento dos produtos lácteos de 6,4% em igual período.
Já no que diz respeito às exportações de produtos florestais (cortiça, madeiras e resinosos), as mesmas tiveram uma evolução de 4.103 milhares de contos para 5.977 milhares de contos, isto entre 69 e 72.
A política agrícola foi profícua em legislação, com o objectivo de promover o associativismo, a adaptação e melhoria das estruturas agrárias, alargamento da formação profissional, melhor exploração dos aproveitamentos hidroagrícolas, crédito agrícola, fomento pecuário, introdução e expansão de culturas adaptadas às condições ecológicas e susceptíveis de substituir importações, apoio à industrialização e promoção de agricultura sob contrato, entre outras.
Indústria
O PIB industrial teve um incremento, em milhares de contos, de 50,3 em 1968 para 71,2 em 1972. Por sua vez, o investimento nas indústrias transformadoras aumentou, só entre 1971 e 1972, 60%, passando de 8526 milhares de contos para 13612 milhares de contos, englobando aqui áreas como os têxteis, vestuário e calçado, matéria de transporte, químicas e minerais não metálicos, metalúrgica, máquinas e aparelhos eléctricos e outras indústrias.
A refinação do petróleo teve igualmente um crescimento significativo, passando de 1.780 mil toneladas em 68 para 4.975 toneladas em 72, verificando-se também no mesmo período um aumento da produção de energia de 6.214 milhões de kWh para 8.772 milhões de kWh. No que toca às exportações, o aumento cifrou-se em cerca de 81% (16.441 milhares de contos em 68 e 29.915 milhares de contos em 72).
O apoio à indústria em termos políticos foi bastante rico, podendo-se referir, para além de toda a legislação com o objectivo do incentivar esta área de actividade, o projecto da refinaria de Sines, a expansão da refinaria de Matosinhos e a petroquímica aromática de Estarreja, a nova unidade Siderúrgica do Norte e o projecto de expansão da siderurgia do Seixal, o novo estaleiro de construção naval de Setúbal, novas fábricas de cimento, a nova celulose do Minho, a instalação da central termoeléctrica de Setúbal, o impulsionamento da electrificação rural, entre outros.
Obras Públicas
No que concerne às Obras Públicas – divididas por sectores –, as principais obras atingiram os seguintes valores totais (quadriénio 69-72): Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 551.315.278$00, destacando-se por exemplo a construção do Hospital Termal de Caldas de Monchique, o Palácio da Justiça, em Lisboa, a Estação Agronómica Nacional, em Oeiras, a Escola de Oficiais da Marinha Mercante, em Paço de Arcos, ou a construção de vários edifícios dos CTT em diversas localidades do País; Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, 702.880.345$00, destacando-se a 1.ª fase do plano de rega do Alentejo, a obra de rega dos campos de Mira, o aproveitamento hidroagrícola do Alto Sado e diversas dragagens.
Junta Autónoma das Estradas, 562.278.044$00, respeitante à construção e pavimentação de inúmeros itinerários a nível nacional; Direcção-Geral das Construções Escolares, 639.147.490$00, na construção de diversas Escolas e Liceus, entre os quais os Liceus D. Pedro V e Nacional de Matosinhos, em Lisboa e Matosinhos, respectivamente, a Escola de Enfermagem de S. João ou a Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada; Fundo de Fomento da Habitação e Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, 240.467.000$00, realçando-se a construção das habitações no Casal da Medrosa, em Oeiras, as habitações para os sinistrados de Novembro de 1967, em V. Franca de Xira, as habitações económicas em Alcobaça, 48 habitações em Castanheira do Ribatejo, a construção da Aldeia da Criança em S. Mamede de Infesta, a construção de uma piscina em Beja ou a construção do Quartel dos Bombeiros Voluntários e Cruz Branca de Vila Real, são apenas alguns exemplos.
Também nesta matéria a Legislação foi profícua, destacando-se o Decreto n.º 467/72 que Outorgou à Brisa a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas e a criação da EPUL, por Decreto-Lei n.º 613/71, de 31/12/1971.
De salientar ainda que no período entre 1968 e 1972 se construíram um total de 150.381 fogos para habitação, incluindo os arquipélagos da Madeira (Funchal) e Açores (Angra do Heroísmo, Horta e Ponta Delgada).
Saúde
A Saúde foi algo que mereceu também a melhor atenção, quer a nível de investimentos, quer na prevenção de doenças. Eis alguns exemplos: tosse convulsa, cuja mortalidade diminuiu de 0,1% – por 100.000 habitantes – em 1968 para 0,06% em 1972 (apenas 5 casos registados); a difteria onde, à mesma escala, a redução foi de 0,3% para 0,1% (13 casos registados) ou a poliomielite com um decréscimo de 0,04%para 0,01% (1 caso registado).
As despesas correntes nos Hospitais Centrais duplicaram entre 1969 e 1972, passando de 553.436 contos para 1.020.340, e no caso dos Hospitais Distritais esse aumento ainda foi mais significativo, passando de 90.060 contos em 69 para 238.851 contos em 72. Quanto ao investimento, durante o mesmo período, as cifras são de 40.342 contos em 1969 e 92.869 contos em 1972 (um aumento de cerca de 102%), isto para os Hospitais Centrais; e de 11.980 contos em 69, aumentando para 35.456 contos em 1972 nos Hospitais Distritais. Em acordos celebrados com instituições privadas gastaram-se 23.496 contos em 69 e 71.74 contos em 72.
Quer a nível legislativo, quer a nível de planeamento elaborado até ao ano de 1977, o manancial é tanto que impossibilita a sua transcrição neste artigo. Por si só, justificava uma análise exclusiva. No entanto, podemos salientar os títulos visados: formação e fixação de pessoal de saúde pública; aperfeiçoamento da rede nacional de serviços de saúde pública; saneamento do ambiente; protecção materno-infantil; combate à mortalidade e morbilidade por doenças transmissíveis; edificação de (e ampliação de) mais de 22 hospitais distritais e a construção de dois hospitais centrais.
Trabalho e Previdência
No capítulo do Trabalho e Previdência, o plano do Governo assentava em cinco premissas: Organização Corporativa, Regulamentação do Trabalho, Evolução do Emprego, Formação Profissional e Previdência.
Se nas três primeiras, a base do trabalho a desenvolver se baseava sobretudo em legislação, já no que diz respeito à formação profissional tinha que associar forçosamente o investimento financeiro, que tal como em todos os casos já abordados registou um aumento significativo ao longo do tempo.
Assim, em 1968 a despesa relacionada com a formação cifrou-se em 87.749.983$00, valor esse que em 1972 ascendeu aos 151.773.220$00, quase o dobro. O número de estagiários formados, que em 68 era de 229, ascendia a 1.503 em 72.
Quanto à previdência, o número total de população abrangida era de 4.309.400 em 1969, aumentando para 5.515.500 em 1972. Os beneficiários por invalidez e velhice, que em 1968 rondavam os 6.632 pensionistas, passaram para 134.857 pensionistas em 1972, o que financeiramente se traduziu respectivamente em 35.731.000$00 e 1.742.100.000$00.
A fim de melhorar a política social, o Governo criou 21 metas, de que se destacam: a actualização e regulamentação do trabalho feminino; melhoramento do esquema dos benefícios sociais; criação de empregos produtivos e remunerados; aperfeiçoamento do regime jurídico do trabalho; cobertura social integral dos trabalhadores rurais; aumento do subsídio de doenças nos casos de longa duração.
Orçamento
O Orçamento Geral do Estado evoluiu entre 1969 e 1972, no que diz respeito à “despesa ordinária”, de 15.286,9 milhares de contos para 22.065,8 milhares de contos em 1972, sendo que, em igual período, a “despesa extraordinária” passou de 10.038,3 milhares de contos para 14.809,3 milhares de contos; o Investimento do Plano de Fomento – promoção agrícola e rural e investimentos sociais – entre 1968 e 1972 cresceu de 1458 milhares de contos para 2.959 milhares de contos.
A Balança de Pagamentos da Metrópole com o estrangeiro – transacções correntes – passou de um saldo negativo de 1.098 milhares de contos em 68 para um saldo positivo de 9.509 milhares de contos em 72; o Crédito ao Investimento, que em 68 foi de 2.345 milhares de contos, cifrou-se em 11.329 milhares de contos em 1972; por último, as Reservas de Ouro e Divisas do Banco de Portugal – a Robustez do Escudo – que em 31 de Dezembro de 1968 atingiam 39.239 milhares de contos, aumentaram em 31 de Dezembro de 1972 para 61.265 milhares de contos.
Também em termos de Finanças, a legislação foi pródiga em defender o comércio e a indústria de modo a assegurar o crescimento económico e poder-se atingir as metas programadas para 1977.
PIB, ontem e hoje
De notar que o crescimento do PIB em Portugal se cifrou em 7,5% entre 1966 e 1973, valores muito acima da média europeia, atingindo 8,7% em 1970, 10,49% em 1971 e 10,38% em 1972.
Se tivermos em conta que Portugal se debatia com uma forte despesa com a guerra do Ultramar, estes valores tornam-se ainda mais relevantes.
Também é interessante verificar o constante aumento do investimento, nas mais diversas áreas, sem qualquer ajuda ou financiamento a fundo perdido e com total sustentabilidade, pois nenhuma obra se iniciava sem que o respectivo orçamento tivesse sido previamente aprovado pelo Tribunal de Contas.
Hoje, apesar dos milhões vindos de Bruxelas, direccionados para todos os sectores, a dívida pública é caótica, o crescimento do PIB pouco mais do que zero, o valor dos impostos atingiu um grau inimaginável, e tudo isto sem qualquer esforço de guerra, sem sequer a existência do serviço militar obrigatório. Ao invés, o despesismo público é escandaloso, o compadrio político uma vergonha e um atentado à moral e a impunidade política uma desgraça nacional.
Verifiquemos, por exemplo, alguns dados estatísticos entre 2007 e 2010.
O PIB em 2007 cresceu 1,9% face ao ano anterior; em 2008 cresceu 0,0%; em 2009 -2,5% (negativo, portanto) e em 2010 cresceu 1,3%. A dívida do Estado, face ao PIB, representou no mesmo período, respectivamente 67,1%, 81,00%, 85,6% e 90,1%, sendo que a dívida externa líquida do País se cifrou em 150.432 milhões de euros em 2007, 165.195 M€ em 2008, 186.193 M€ em 2009 e de 185.552 M€ em 2010.
O saldo da Balança Comercial, em milhões de euros, foi de -21.618 M€ em 2007, -22.985 M€ em 2008, -17.794 M€ em 2009 e -17.931 M€ em 2010, ou seja, sempre negativo.
É evidente que durante este período houve investimento em todas as áreas, mas se atendermos a que Portugal recebeu da Comunidade Europeia, entre 1986 e 2011, dos fundos estruturais e de coesão, 80,9 mil milhões de euros, qualquer coisa como nove milhões de euros por dia em fundos comunitários, é espantoso como se chega aos números citados neste parágrafo.
Só uma total desgovernação o justifica.
Faça-se justiça
É claro que os defensores de Abril apregoam a construção de auto-estradas por todo o País, a construção de pavilhões multi-usos a nível nacional, remodelações do parque escolar – ainda há pouco vieram a lume notícias pouco dignificantes nesta matéria – etc., etc., etc. Mas pergunta-se: e a que custo?
Será que justificou? Será que foi benéfico para o país ter duas auto-estradas a ligar as cidades de Lisboa e Porto? Será que as centenas de pavilhões, dezenas deles encerrados por falta de verbas necessárias à respectiva manutenção, trouxeram riqueza? Não. Foram excelentes negócios para os contratos PPP e para as construtoras e um péssimo resultado para os contribuintes.
É talvez tempo de se repensar o modo de gestão do país, a sua orgânica política, a alteração imediata de uma Constituição socialista absolutamente caduca que continua a levar Portugal para um beco sem saída de contornos verdadeiramente alarmantes.
Nesta pequena exposição demonstra-se inequivocamente como é possível, mesmo enfrentando adversidades complicadas, gerir cabalmente uma Nação sem se viver à custa dos contribuintes.
O Estado foi criado para defender os interesses dos cidadãos e não para viver à custa dos cidadãos. Urge alterar as mentalidades. Urge combater a demagogia que sistematicamente oculta a realidade dos factos, escamoteia a verdade e permite continuar a impor o regime da prepotência e da mentira.
É imperativo que se faça justiça àqueles que nunca colocaram em causa a soberania nacional, nunca hipotecaram o país, mas ao contrário, paulatinamente contribuíam com o seu trabalho e dedicação para o crescimento de Portugal.
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Transcrição do jornal o DIABO de Fevereiro de 2015 por
ANTÓNIO FONSECA
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