Macroscópio – Quem perde e quem ganha com a descida do preço do petróleo
Macroscópio – Quem perde e quem ganha com a descida do preço do petróleo
Esta segunda-feira, tal como estava anunciado, o preço dos combustíveis desceu em Portugal. Entre três e quatro cêntimos por litro. Os automobilistas só podem festejar. Até porque a descido do preço do petróleo, que atingiu mínimos na passada sexta-feira, pode continuar a descer até aos 40 dólares por barril. Para já, como se escrevia ontem aqui no Observador, é este o ponto da situação:
O West Texas Intermediate, segundo a Bloomberg, poderá baixar, durante esta semana, para 55 dólares por barril, após ter fechado, na sexta-feira, em 58 dólares, o nível mais baixo desde maio de 2009. Os preços já baixaram 46% desde que atingiram o valor máximo de 107,26 dólares em junho passado, o preço mais elevado registado em 2014. Quanto ao Brent, petróleo que é extraído no Mar do Norte, encerrou a semana passada em 61,85 dólares na ICE, o nível mais reduzido desde junho de 2009.
Quanto à possibilidade de a descida continuar até aos 40 dólares, a referência são declarações à Bloomberg de Suhail al-Mazouei, ministro da Energia dos Emirados Árabes Unidos, aqui citadas pelo jornal inglês Telegraph: "We are not going to change our minds because the prices went to $60, or to $40."
Já na sexta-feira antecipáramos um pouco do que vai acontecer a nível interno: “Petróleo em queda. Bom para os condutores, mau para a Galp”. Ou seja, nem tudo o que é bom para os automobilistas, como preços que permitam um maior consumo, é bom para a Galp. Isto porque se a companhia ganha mais no negócio da refinação e distribuição, porque vende mais, ganha menos enquanto produtora de petróleo, que também é. Foi por isso que a semana passada as ações da Galp tiveram a pior semana desde junho de 2012.
Mas antes de tentarmos perceber quem ganha e quem perde com esta queda abrupta dos preços do petróleo, atentemos no que se passou nos últimos meses com a ajuda de alguns gráficos. O que encima esta newsletter (retirado daqui) dá uma ideia do que se passou desde a viragem do milénio. Como se vê, subidas e descidas do preço do petróleo é coisa que não tem faltado. Já nestes gráficos que o Le Monde coligiu é possível ter uma ideia mais concreta do que se passou nos últimos meses com a produção da OPEP, com a produção nos Estados Unidos e com a procura global de crude. Talvez o mais impressionante destes gráficos seja o que compara os níveis de importação dos Estados Unidos com os níveis de produção interna de petróleo de xisto. A revolução tecnológica associada a este novo tipo de produção alterou completamente a dependência americana dos mercados internacionais:
Conséquence, la part de la consommation américaine de pétrole et de produits pétroliers couverte par des importations diminue: elle est passée de 60 % en 2005 à 33 % en 2013 et pourrait atteindre 22 % l'année prochaine (au plus bas depuis 1970), selon les chiffres de l'EIA.
Para muitos analistas é a explosão da produção nos Estados Unidos que justifica a queda do preço do crude, uma vez que alguns países da OPEP estarão interessados em fazer baixar o preço até níveis que tornem essa produção economicamente inviável. É por exemplo o que se lê nesta análise da Bloomberg:The Relentless Production of Shale Oil Is Breaking OPEC’s Neck.Mas há muitas outras explicações, pois a situação é bem mais complexa. Começo por isso por vos recomendar um artigo da Forbes, escrito por um especialista dos Emirados Árabes Unidos, Habib Al Mulla – “Why Are Oil Prices Dropping?” Aquilo que me chamou a atenção nesta análise foi ela dedicar atenção ao impacto da flutuação dos preços na estratégia do Estado Islâmico. A opinião do autor é pessimista: o Estado Islâmico pode ganhar com uma descida dos preços e pode ganhar com uma subida. Eis a sua conclusão:
If oil price manipulation is indeed an element of regional strategy to combat IS, then OPEC nations on the front lines need to rethink their approach. While we all share the burden of lost revenue, IS alone reaps a significant benefit. Increased radicalization and destabilization are precisely what IS wants. When the impacts of falling oil prices hit home, we’ll be handing them over on a silver platter.
Mas deixemos esta análise mais fina para voltar ao retrato geral. E talvez um dos melhores artigos das últimas semanas sobre o que está a mudar na geopolítica do petróleo seja o editorial da Economist de há duas semanas, The new economics of oil: Sheikhs v shale. Uma das coisas curiosas que esse artigo sublinha é o baixo custo dos investimentos necessários para a exploração de petróleo de xisto, in the american way:
Most important of all, investments in shale oil come in conveniently small increments. (…) A shale-oil well can be drilled in as little as a week, at a cost of $1.5m. The shale firms know where the shale deposits are and it is pretty easy to hire new rigs; the only question is how many wells to drill. The whole business becomes a bit more like manufacturing drinks: whenever the world is thirsty, you crank up the bottling plant.
Um outro artigo que explica bem o que se passou nos mercados para estarmos a assistir a esta queda de preços é esta análise do Wall Street Journal (link para assinantes): “How Crude Oil’s Global Collapse Unfolded”. Como se conta nesse texto, “The roots of the price collapse go back to 2008 near Cotulla, Texas, a tiny town between San Antonio and the Mexican border. This was where the first well was drilled into the Eagle Ford Shale. At the time, the U.S. pumped about 4.7 million barrels a day of crude oil (…) At the moment, the U.S. is producing 8.9 million barrels a day”. O artigo depois explica como, apesar das aparências, não estamos apenas perante uma guerra de preços entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita: “The reality is more complex, involving Libyan rebels and Indonesian cabdrivers as well as Texas roughnecks and Middle Eastern oil ministers. It reflects both the surging supply of crude and the crumbling demand for oil.”
Entre as motivções da Arábia Saudita está, por exemplo, a sua vontade de enfraquecer os rivais xiitas. É essa perspectiva que é desenvolvida por David Gardner no Financial Times, “For Saudi Arabia, plunging oil prices are a political weapon”. Eis como explica este ponto de vista:
Wahhabi Saudi Arabia’s visceral hatred of the Shia – as well as its rivalry with the Persian and Shia Islamic Republic for hegemony in the Gulf and the Levant – should be factored into the oil price equation. Riyadh, sitting on foreign exchange reserves of more than $750bn, can ride out lower oil revenues. Iran, which needs the price to be twice the current level to make ends meet, is haemorrhaging. Already economically hobbled by sanctions, Tehran is by some estimates spending $1.5bn a month supporting its allies in Syria and Iraq.
Também no Financial Times, mas agora num dos seus blogues,Gavyn Davies fala-nos do lado sombrio desta queda dos preços, “The dark side of the oil shock”. Eis o seu ponto:
If there is a really dark side to this oil shock, it is likely to stem not from the developed economies, but from its destabilising effects on Russia (as Paul Krugman has argued) and some other oil producers in the emerging world. That is what transpired, eventually, in the oil shock of 1997/98. A collapse of the Russian economy, with its dangerous political consequences, is the most important reason to worry that the “idiotic optimists” will be wrong about the beneficial market impact of the 2014 oil shock.
Deixem-me contudo terminar com uma visão mais optimista, neste caso a do New York Times, onde se escreve que “Steep Slide in Oil Prices Is Blessing for Most”. O autor vê vantagens geopolíticas para os Estados Unidos:
Both Mr. Putin and Nicolás Maduro, Mr. Chávez’s successor, have been vocal critics of the United States. Two other nemeses of the United States — Iran, which gets half its budget revenue from oil exports, and the militant group ISIS, which finances much of its activity from oil sales — will also suffer from low prices. The geopolitical consequences of low oil prices seem so aligned with the United States’ foreign policy interests that “some conspiracy theorists are saying that the U.S. and the Saudis want to punish the Russians and Iran,” Mr. Cinquegrana said.
As coisas, como vimos ao longo deste Macroscópio, talvez sejam um pouco mais complicadas, mas uma coisa parece certa: o benefício económico de uma inovação tecnológica na forma de explorar as reservas de petróleo, desenvolvida há seis anos no Texas, está a fazer-se sentir num alívio para o bolso dos automobilistas, até dos automobilistas portugueses. Ao menos isso.
Bom descanso e boas leituras.
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