quarta-feira, 24 de agosto de 2022

GUERRA NA UCRÂNIA - SEIS MESES DEPOIS - (... TUDO A MUDAR NO SUL DO PAÍS ...!!!) - 24 DE AGOSTO DE 2022

 

Situação “a mudar muito rapidamente” no sul do país – Exército ucraniano

Henrique Botequilha - Ontem às 11:12
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Mykolaiv, Ucrânia, 23 ago 2022 (Lusa) – A situação militar no sul da Ucrânia “está a mudar muito rapidamente”, disse à Lusa o oficial de imprensa do Exército ucraniano na região de Mykolaiv, indicando que a ofensiva contra Kherson, em mãos russas, está em curso, mas com cuidado.

ENTREVISTA: Ucrânia: Situação “a mudar muito rapidamente” no sul – Exército ucraniano
ENTREVISTA: Ucrânia: Situação “a mudar muito rapidamente” no sul – Exército ucraniano© Fornecido por Lusa

“Todo o agrupamento militar russo do lado direito do [rio] Dniepre não tem capacidade de entregar munições, mantimentos e tudo mais. Na verdade, eles estão cercados”, afirma em entrevista à Lusa o oficial, que prefere ser identificado pelo nome código de capitão André.

A reconquista da cidade de Kherson, tomada pelos russos logo no começo da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, vem sendo sugerida há cerca de dois meses.

Mas, apesar dos avanços das forças ucranianas a partir de Mykolaiv, que resistiu sempre sob domínio ucraniano, na direção de Kherson, a apenas 60 quilómetros a leste, ainda não aconteceu, uma demora que o capitão André situa no campo da “guerra da informação”, mas indicando que a operação está em curso.

“Isso está a ser feito. No entanto, ao contrário dos russos, somos muito cuidadosos com a vida dos nossos soldados. Eles usam os deles como carne para canhão. Nós, por outro lado, destruímos suas ligações logísticas com artilharia e destruímos taticamente o inimigo. Se já há explosões na Crimeia, pode imaginar-se o que está a acontecer aqui”, afirma.

Segundo o oficial de 54 anos, no início da invasão os russos tinham “uma vantagem muito grande” em armas, veículos militares pesados, munições e número de soldados: “Diria que a vantagem era de dez para um”.

Até ao final de junho, recorda, Mykolayiv foi bombardeada todos os dias com artilharia pesada e mísseis – e continua a sê-lo -, mas era preciso resistir. “Se nos rendêssemos, eles teriam uma rota direta para Odessa, desembarcando tropas do Mar Negro e ficavam com todo o sul da Ucrânia. Não lhes demos essa oportunidade”. A situação, frisa, alterou-se desde então e as forças ucranianas “estão cada vez mais perto de Kherson”.

Como elemento demonstrativo, descreve que os primeiros prisioneiros russos tinham um comportamento arrogante, insinuando que a Ucrânia nunca vencerá esta guerra e agora “são eles próprios que se entregam”.

Apesar das cautelas, o capitão André concorda que o tempo conta, antes que os russos se possam reagrupar e lançar uma contraofensiva, havendo relatos de localidades que tinham sido tomadas pelos ucranianos e foram entretanto recuperadas pelas forças de Moscovo.

“Eles estão realmente a fazer isso agora. Mas limitam-se a ficar entrincheirados em pequenas aldeias, o que não muda nada. Os prisioneiros de guerra dizem que tinham ordens para atacar, mas o exército russo não tem motivação alguma”, relata, descrevendo um sentimento oposto dos soldados ucranianos, porque “estão a defender a sua casa”

“Este dia da independência da Ucrânia [24 de agosto] será verdadeiramente o primeiro dia da independência em 30 anos, uma vez que estamos a libertar-nos finalmente das amarras e correntes russas”, observa.

Usando um argumento recorrente das autoridades ucranianas, o oficial sustenta que, desde o primeiro dia de guerra, se a Europa e os EUA fornecessem armas de imediato, a esta hora a Ucrânia já teria recuperado as suas fronteiras administrativas.

“Não estamos apenas a defender a Ucrânia, estamos a defender toda a Europa, porque [o Presidente russo] Putin é um ‘gangster’, e os russos não são militares, são a máfia: violam as nossas mulheres, matam crianças e temos relatos de que chegam a enterrar os seus próprios feridos juntamente com os soldados mortos”, afirma.

A libertação de Kherson poderia então funcionar como uma motivação extra nesta fase de guerra, seis meses depois. “Basta dizer que a minha casa fica em Simferopol [Crimeia]. Cada pedaço de terra, cada aldeia é importante para nós”, refere, insistindo no regresso às fronteiras territoriais de 1991 e ironizando quando exige, não só a retirada completa do exército russo da Ucrânia, como também a sua “desnazificação”.

Para isso, reitera a necessidade urgente de equipamento militar pesado e munições suficientes. “Acreditem, com isso, no máximo em duas semanas estaremos em Kerch [Crimeia]. A Ucrânia provou que sabe lutar, não matamos nem torturamos prisioneiros, ao contrário dos russos. Provámos ao mundo inteiro que somos uma nação de paz e humana. A Ucrânia é a Europa”, declara o capitão André, deixando uma derradeira mensagem: “Lembrem-se sempre que o gás russo cheira a sangue”.

HB // PDF

Lusa/Fim

UCRÂNIA - MEIO ANO DE GUERRA - 24 DE AGOSTO DE 2022

 

Compreender o conflito: seis ideias e seis dúvidas sobre seis meses

Germano Almeida - Há 3 horas
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Artigo de Germano Almeida, comentador SIC.

Compreender o conflito: seis ideias e seis dúvidas sobre seis meses
Compreender o conflito: seis ideias e seis dúvidas sobre seis meses© Ucrânia assinala os seis meses de guerra com uma exposição em Kiev de equipamento militar russo destruído pelas forças ucranianas (Getty)

Meio ano de guerra - seis ideias para seis meses do maior conflito armado em território europeu desde a II Guerra Mundial.

IDEIA 1 - O CRIME DE PUTIN NA UCRÂNIA MUDOU O NOSSO ESPAÇO DE SEGURANÇA E LIBERDADE

Se voltar a ser normal e aceitável que as grandes potências possam amedrontar e ameaçar os seus vizinhos mais fracos, isso afetará a perceção de segurança e o modo como as pessoas, em todo o mundo, se comportam umas com as outras”. (Yuval Noah Harari)

Uma guerra ilegal, imoral e indecente; o falhanço da "blietzkrig" de uma invasão total em poucos dias; Zelensky recusa a boleia americana e assume a liderança da resistência ucraniana; bravura, comunicação e algumas falhas.

A agressão russa não vai parar: Putin quer acabar com a Ucrânia como país autónomo e soberano; quer fazer da Ucrânia uma espécie de Bielorrússia em ponto grande; achar que será parado com “apaziguamento pela cedência de território” é um erro tremendo.

A guerra na Ucrânia transformou-se num “cenário de pesadelo” de Putin: Richard Dannatt, antigo líder do exército britânico, garante que a guerra não acabou como o presidente russo pretendia e que há um longo caminho a percorrer. "Acho que este é provavelmente o pior cenário para Vladimir Putin, o seu cenário de pesadelo. Se voltarmos seis meses atrás, o que ele tinha em mente e o que os 'media' internacionais esperavam era uma guerra relâmpago por parte da Bielorrússia contra Kiev, para derrubar o presidente da Ucrânia, mudar o regime e o governo da Ucrânia, e assumir o controlo", considerou à Sky News.

Não foi o que aconteceu, o que significa que os militares russos "tiveram de recalibrar o que estavam a tentar fazer". "Sim, eles foram bem-sucedidos a partir da Crimeia e estabeleceram este corredor terrestre da Crimeia através de Mariupol até à Rússia, mas o foco principal tem sido tentar capturar as duas províncias do Donbas, Donetsk e Luhansk. E, de certa forma, esse tipo de 'triturador de carne' precedido por ataques com artilharia pesada foi bastante bem-sucedido por algum tempo, mas tudo mudou novamente agora”. A reviravolta deve-se sobretudo à ajuda do Ocidente, com sistemas de artilharia de longo alcance "muito eficazes". “A confiança dos ucranianos é tanta que estão a preparar uma contraofensiva cuidadosamente pensada para recapturar a cidade de Kherson". "Claro que isso não vai acontecer por algum tempo, mas vai acontecer em algum momento, provavelmente no outono. Está a inverter-se o 'jogo' novamente contra Putin. E, antes dessa provável contraofensiva dos ucranianos, os russos tiveram de reduzir os ataques no Donbass e reforçar na região de Kherson. Houve protestos na Crimeia e isso realmente abalou o povo russo. Não era isto que Putin pretendia seis meses depois."

O preço do gás natural na Europa mais do que duplicou neste meio ano: passou dos 120 megawatt/hora para os 257; queda prevista no crescimento económico global, de 4,1% para 3,2%. Aumento do preço dos bens de consumo e a previsão de que a inflação dispare: inflação nas economias emergentes saltou de 5,5% para 9,5% em meio ano; nas economias mais ricas passou de 3,5% para 6,6%.

A economia ucraniana pode encolher até 40%: PIB ucraniano pode registar em 2022 contração entre os 35 e os 40%, até ao final do ano. A economia russa deverá contrair pelo menos 11% em 2022 (em 2021 cresceu 4,6%, em 2020 tinha subido 2,5%).

2 - O FIM DA ILUSÃO DE PAZ E PROSPERIDADE

“Tal como Estaline, Putin acredita na violência em larga escala para defender o seu poder e os seus interesses”. (Anne Applebaum)

O Precedente do Agressor Premiado; vai voltar a valer mudar fronteiras à força bruta; voltar ao essencial: a aceleração do regresso euro-atlântico. Medir o declínio liberal (e antecipar ressurreições imperialistas); A tentação autoritária e as limitações comerciais; Podemos confiar nas instituições internacionais?

A Rússia mata, destrói e rouba porque considera que a Ucrânia é sua – isso primeiro gerou choque e pavor, agora começa a parecer normal e repetido: mas não pode ser. É esse o grande risco. Invasão ordenada por Putin quebrou consenso de sete décadas em espaço europeu de que não se definem fronteiras à força bruta, mas com acordos.

3 - NOVOS RISCOS, NOVA SEGURANÇA

O Ocidente (alargado) isola a Rússia de Putin. Moscovo procura novos aliados. | A NATO: de “morte cerebral” em modo revitalização em poucos dias; A coragem lúcida de Suécia e Finlândia; Reforço do flanco leste, a Rússia hostil e o desafio chinês: o novo conceito estratégico da NATO. É o regresso da Geoestratégia.

Lições e hesitações da China sobre o que fazer com Taiwan; a Turquia salomónica e a oportunidade de Erdogan. O legado positivo de Guterres (ou a última via de uma ONU relevante) – primeiro a solução à 25.ª hora para os civis de Azovstal, depois os cereais, possivelmente também o esclarecimento do que se passou em Olenivka.

G7 vs BRICS e o falso fantasma da "NATO asiática" . Zelensky promove “Iniciativa de Kiev” com Polónia, Hungria, Roménia, Eslováquia e estados bálticos; caminho enquanto Ucrânia não consegue entrar na EU.

Os Riscos na central de Zaporíjia, maior nuclear na Europa e ocupada pelos russos, serão forte teste à verdadeira extensão do que pode acontecer nesta guerra. Os| Acordos de Istambul com ONU e Turquia e agora a questão dos inspetores da Agência Internacional de Energia Atómica em Zaporíjia parecem sinalizar vontade de Moscovo de revelar algum tipo de responsabilidade global em temas que extravasam a esfera Rússia/Ucrânia e afetam todo o mundo (segurança alimentar, risco de colapso nuclear).

4 - RÚSSIA FALHOU PRIMEIRA FASE, TEVE GANHOS NA SEGUNDA, ESTA TERCEIRA ESTÁ NUM EMPATE

Ataque inicial às grandes cidades foi erro tremendo (Kiev e Kharvkiv falharam); depois Moscovo recuou para reagrupar e pôs todas as fichas no Donbass, onde venceu pela destruição quase total, mas à custa de cerca de 200 mortos/dia.

Estamos numa numa terceira fase da guerra, com avanços demorados da Rússia em Donetsk, com avanço de apenas um quilómetro/dia (média do último mês), e início de contraofensiva ucraniana em Kherson e Crimeia (resultados incertos, mas possível escalada se receberem mais armamento do exterior).

Que isto fique claro: há um agressor e há um agredido. Esta é a primeira vez que vemos uma Guerra em direto do lado do invadido. O que devia ser óbvio para todos e as falsas equiparações: Bucha, Borodyanka, Mariupol, Severodonetsk, Kremenchuk: momentos definidores; o Sul reage: a (possível, incerta) viragem em Kherson e o risco de ressuscitar a questão da Crimeia.

5 - A ARMA DO CANSAÇO E DAS CONSEQUÊNCIAS ECONÓMICAS E POLÍTICAS

Putin sabe que a “guerra do desgaste” não é só de atrito pela artilharia no terreno; está a jogar com as armas alimentar e energética, apostando no cansaço dos eleitorados dos países que dão apoio à Ucrânia. Aposta no congelamento do conflito, sabe que prolongamento o beneficiará, está habituado a isso e não tem que lidar com eleições livres; do lado russo, Putin explora sentimento de China e mundo em desenvolvimento (África, Médio Oriente, Ásia) de que “mundo unipolar americano” está obsoleto e deve ser contestado.

A incógnita do Kremlin pós-invasão da Ucrânia (que o mistério sobre a morte da filha de Alexander Dugin adensa).

6 - A HORA H DA COESÃO EUROPEIA

A Europa volta a desmentir as notícias da sua morte. Manteve coesão a 27 nos momentos fundamentais, avançou com sete pacotes de sanções contra a Rússia, aprovou planos de apoio à Ucrânia e de redução de dependência dos combustíveis fósseis russos. Isto apesar da constante exceção húngara (até quando?)

O risco energético e as respostas de emergência; testes de stress às democracias liberais: as ameaças populistas do presente e do futuro próximo.

A Ucrânia permanece em dilema existencial: lutar por tudo até ao fim ou negociar o Donbass e ceder a Crimeia?

E o que mais Putin poderá querer?

E como será uma Ucrânia reconstruída pós destruição russa? Quanto custa, quem paga, quanto tempo vai demorar? Será possível uma coabitação entre russos e ucranianos, vizinhos ditados pela geografia, depois de guerra tão longa e dolorosa?

SEIS DÚVIDAS NO TERRENO ATÉ QUE CHEGUE O INVERNO:

1 - Vão os russos tomar o resto de Donetsk, fechando assim o Donbass?

2 - Mykolaiv pode tornar-se a base de ação russa para o ataque final a Odessa?

3 - Vão os ucranianos obter ganhos decisivos na contraofensiva a Sul?

4 - Vai a Crimeia voltar a estar em jogo, apesar de ter sido anexação russa em 2014, pré-invasão da Ucrânia a 24 de Fevereiro?

5 - Vão os EUA continuar a apoiar a Ucrânia de forma quase ilimitada? E por quanto tempo?

6 - O impasse na capacidade militar dos dois lados poderá obrigá-los a começar negociações de paz? E com quem (Turquia? ONU? EUA?) ?

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