Infortúnio de Santo António. Inocência Lopes (1973- ).
Uma viagem ao passado
Inocência Lopes (1973- ) é uma barrista que frequentou o Curso de Formação sobre Técnicas de Produção de Bonecos de Estremoz, que no ano transacto teve lugar em Estremoz, no Palácio dos Marqueses de Praia e Monforte.
Inocência Lopes é proprietária de uma loja de artigos regionais conhecida por Celeiro Comum, situada na Rua da Convenção n.º 14, no interior do Castelo de Évora Monte. É aí que a barrista, modela e após cozedura, decora as figuras que comercializa no próprio local. Ali, além de arte popular, respira-se História, uma vez que o edifício remonta ao séc. XVII e ali funcionou o “Celeiro Comum”, administrado pela Casa de Bragança. A função do Celeiro era a de proteger os lavradores, muito em especial os que tinham culturas cerealíferas, contra estragos que abalassem a actividade agrícola. Para tal, emprestava a crédito os seus cereais, revertendo os lucros e os excedentes de cereais a favor do Município.
Infortúnio de Santo António
A nova barrista recreou e a meu ver muito bem, uma imagem de Santo António, a qual eu tomei a liberdade de baptizar com a designação que serviu de título ao presente parágrafo.
Trata-se de uma figura muito bem modelada e esteticamente apelativa a revelar marcas identitárias próprias de quem lhe deu vida e alma.
Santo António enverga o hábito castanho da ordem franciscana, com manto e o capucho caído e calça sandálias. Das vestes fazem ainda parte integrante o cordão e o rosário, ambos à cintura. O cordão com três nós, que simboliza os votos perpétuos do Santo: obediência, pobreza e castidade. O Rosário que traduz o facto de o Santo ser homem de oração e devoto da Mãe de Jesus.
Santo António ampara o Menino no braço esquerdo, encostado ao coração, postura que traduz a intimidade de Santo António com Jesus, fonte da sabedoria e dos dons que nele se manifestavam.
Por sua vez o Menino segura nas mãos o globo do mundo, simbolizando o seu poder salvador sobre a Terra e a missão redentora da Humanidade. Na mão direita de Santo António, duas açucenas a simbolizar a pureza, a temperança e o rigor contra as tentações.
O invulgar da figura criada por inocência Lopes, reside no facto de a Bíblia estar caída aos pés do Santo. Trata-se de uma inovação que a meu ver é digna de registo e pela qual é de felicitar a barrista.
Trata-se de um instantâneo da vida de Santo António, já que a Bíblia lhe caíra aos pés e ainda não tivera tempo de a apanhar. A imagem não tem assim nada de irreverente, revela apenas a mestria de Inocência Lopes que soube fixar e perpetuar para a posteridade, o momento do alegado infortúnio do Santo. Em contrapartida, sugere a Bíblia como livro aberto, no qual está disponível a palavra de Deus, segundo os Evangelhos.
A valorização duma original representação
Sugiro que numa futura modelação desta excelente figura, seja suprimida a peanha, já que não é necessário uma imagem de Santo assentar numa peanha ou num andor, para ser imagem de Santo. Isso é para as réplicas das imagens de culto que estão nas Igrejas.
A imagem modelada é séria e não é humorística. Retrata supostamente um percalço sofrido pelo Santo. Como tal, representa alegadamente uma cena da sua vida, pelo que não deve estar assente numa peanha nem num andor, já que uma cena informal como esta não reuniria, decerto, requisitos para ser objecto de culto numa Igreja. De resto, existe uma contradição de fundo entre o carácter informal da presente figuração e o formalismo subjacente à utilização da peanha.
A eliminação da peanha numa futura modelação da excelente ideia passada ao barro, reforçará e valorizará ainda mais a original representação.
Parabéns Inocência, pela sábia combinação de respeito pela tradição e da procura de novos caminhos. A arte popular não é estática e a barrística popular de Estremoz, também não pode ser.