terça-feira, 21 de abril de 2020

THEATRO CIRCO DE BRAGA (FUNDADO EM 1915) - 21 DE ABRIL DE 2020


Theatro Circo



we-braga-theatro-circo

Ahistória de mais de 100 anos do Theatro Circo é uma montanha russa de triunfos e incertezas.
O seu início foi  auspicioso, em conformidade com o glamour que se viveu nos anos 20 e 30. Os anos seguintes serviram de consolidação no panorama cultural português e os anos 60 e 70, em consequência das ameaças modernas como a televisão, resultaram nalgum declínio.
As décadas de 80 e 90 foram de futuro trépido, salvos pela aquisição camarária e, por último, o renascimento, alicerçado nas obras de requalificação, asseguraram o perdurar da sala de espetáculos por muitos e bons anos.
we-braga-theatro-circo we-braga-theatro-circo

O surgimento do Theatro Circo

A inauguração do Theatro Circo ocorreu a 21 de Abril de 1915 mas a sua história começa um pouco antes. Em 1906, Artur José Soares, José António Veloso e Cândido Martins, chefiavam a equipa que queria dotar Braga de uma grande sala.
A procura era apenas satisfeita pelo Teatro São Geraldo, (localizado onde hoje se situa o Banco de Portugal) e estava na altura de dar outra dimensão à cidade. Em 1911, o projeto da autoria de João de Moura Coutinho, teve o seu início e, quatro anos depois, o Theatro Circo via a luz do dia.
Interior do theatro circo

O primeiro espetáculo e a consolidação do Theatro Circo

O espetáculo inaugural foi a peça de teatro “A Rainha das Rosas”, com Palmira Bastos como protagonista. Um mês e pouco depois, entre 27 de Maio e 13 de Junho, o teatro deu lugar ao circo, a cargo da Companhia Equestre de W. Frediani.
Nos anos que se seguiram, sob a gerência do Teatro Sá de Bandeira, o Theatro Circo atravessava um grande fulgor com óperas de Puccini e Verdi. A nível local desenvolviam-se também a Orquestra Sinfónica de Braga e o Orfeão de Braga.
A audiência Bracarense que despertava para a cultura, crescia a grande ritmo. Nos anos 20 deu-se a ampliação da sala principal e, outros espaços como o Salão Nobre, foram construídos.
Interior do theatro circo  Interior do theatro circo  Interior do theatro circo

A revolução do “cinema sonoro”

Na década de 30, o “cinema sonoro” chega em força e marca uma pequena revolução nos espectáculos em cartaz no Theatro Circo. A partir desse momento, as artes mais tradicionais começam a perder espaço, como premonição para o declínio que o Theatro Circo veria mais tarde.
we-braga-theatro-circo-14
Já sob uma nova gerência a cargo de José Luís Costa, passaram pela sala de espetáculos filmes emblemáticos como “As Pupilas do Senhor Reitor” (1935), “Aldeia da Roupa Branca” (1939), “Amor de Perdição” (1943),  “O Leão da Estrela” (1948) ou “Frei Luís de Sousa”, (1950).
we-braga-theatro-circo
Nos anos 50, o teatro ia perdendo cada vez mais público, e apesar de alguns espectáculos musicais terem trazido nomes como Amália Rodrigues, a Orquestra Nacional de Viena ou a Ópera de Londres, as dificuldades continuavam a crescer. No final da década de 50, um relatório da Assembleia Geral do Theatro Circo, já apontava para a existência de uma crise, resultante da instalação de TVs nos cafés.
Na década de 70 tudo piora. A instalação de salas de cinema na cidade e, sobretudo, a explosão das televisões, tornou a rentabilização do Theatro Circo extremamente difícil. Como resultado, a administração do Theatro Circo decide alienar o café Bristol a um Banco, situação que ainda hoje se verifica.
Interior do theatro circo
Em finais dos anos 80, a câmara adquire o Theatro Circo, numa altura em que já era a Companhia de Teatro de Braga a assegurar a direção artística.
Durante o período da década de 90, a programação ecléctica na música, dança clássica, dança contemporânea e ópera trouxe nomes notáveis ao Theatro Circo: Reggiani, Juliette Greco, Fausto, Sérgio Godinho ou Madredeus, na música; “Ballet do Exército Russo”, “Ópera de Kiev”, e peças como “O Lago dos Cisnes”, na dança clássica; Olga Roriz e Vera Mantero na dança contemporânea e “A Flauta Mágica”, “Carmen” ou “Madame Butterfly” na ópera.
Interior do theatro circo

Obras de Requalificação

Em 1999 iniciam-se as obras de requalificação do espaço, com a manutenção da arquitetura original. A profundidade das obras mantiveram o Theatro Circo encerrado durante 7 anos mas esse longo período de abstinência trouxe consigo novas salas, um espaço museológicos, uma livraria, um restaurante e um café-concerto.
Interior do theatro circo Interior do theatro circo  Interior do theatro circo  Interior do theatro circo  Interior do theatro circo  Interior do theatro circo
Em 27 de Outubro de 2006, a honra da inauguração coube à Orquestra Sinfónica Nacional Checa e em apenas 1 ano, realizaram-se 114 espetáculos , divididos em 178 sessões, vistos por 70.000 pessoas.
Atualmente, a sala principal tem espaço para 897 pessoas, o pequeno auditório para 236 e o salão nobre com 205m2 para cerca de 200. A programação essa, encontra-se recheada de eventos que vão desde a música, teatro, cinema, exposições, entre muitos outros.
Pequeno Auditório do theatro circo

Comentários

segunda-feira, 20 de abril de 2020

DO TEMPO DA OUTRA SENHORA - 20 DE ABRIL DE 2020

 10:16
  • Você

Do Tempo da Outra Senhora


Posted: 19 Apr 2020 12:17 PM PDT

A ceifa no Alentejo
Alberto de Sousa (1880-1961)
Aguarela sobre papel (14 x 20 cm)

A quem não me conhece, permitam-me que me apresente. Sou o Hernâni, natural de Estremoz, terra de barro, esse mesmo barro com que Deus terá moldado o primeiro homem.
Com os pés bem assentes na sólida e vasta planície de Além-Tejo, sinto-me em absoluto sincronismo espiritual com a paisagem que um Silva Porto, um D. Carlos de Bragança ou um Dordio Gomes, tão bem souberam cromaticamente fixar na tela.
De igual modo, um Conde de Monsaraz, uma Florbela Espanca ou um Manuel da Fonseca, registaram poeticamente em vibrantes estrofes, a matriz da nossa natureza ancestral.
Também um Fialho de Almeida, um Manuel Ribeiro ou um Antunes da Silva magistralmente perpetuaram na prosa, o colorido policromático e multifacetado da nossa etnografia, a dureza da nossa labuta, a firmeza do nosso querer, o calor do nosso sentir, a razão das nossas revoltas ancestrais, os marcos das nossas lutas e as mensagens implícitas nas nossas esperanças.
Telas, versos e prosa que são sinestesias que fazem vibrar os nossos cinco sentidos.
O azul límpido do céu, o castanho da terra de barro, a cor de fogo do Sol e o verde seco da copa dos sobreirais, constituem uma paleta de cores, trespassada por uma claridade que quase nos cega e é companheira inseparável do calor que nos esmaga o peito, queima as entranhas e encortiça a boca.
Sonoridades do restolho seco que quebramos debaixo dos pés, sonoridades das searas e dos montados, sonoridades dos rebanhos que ao entardecer regressam aos redis, mas sonoridades também na ausência de sons por não correr o mais leve sopro de aragem.
Odores das flores de esteva, de poejo e de orégãos, mas também do barro húmido, do azeite com que temperamos divinamente a comida e do vinho espesso e aveludado, que mastigamos nos nossos rituais gastronómicos.
São estas profundas marcas, gravadas atavicamente a fogo na alma alentejana, que fazem com que eu seja, não por opção, mas por nascimento, um homem do Sul e um alentejano dos barros de Estremoz.
Sinto o Alentejo com emoção e a dimensão regional das minhas emoções tem a ver com a identidade cultural do povo alentejano, forjada e caldeada em condições adversas. Vejamos em rápidas pinceladas, o que é isso da identidade cultural do povo alentejano.
Em primeiro lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a paisagem, que para Eduardo Teófilo em "Alentejo não tem sombra" é um: 
“Plaino imenso, extensão sem fim a perder-se, lá, onde a vista mais não alcança, mar dourado ondulando de leve, num amarelo forte que se vai esbatendo pouco a pouco à medida que a extensão se esquece e acaba. Céu azul, baço, abóbada afogueada por sobre a seara madura, pare­cendo pousada mesmo sobre nós, Sol que não se pode olhar que o reflexo do seu disco brilhante cega e dói.
Não há uma sombra, não se vê viv'alma. O mundo parou, a vida parou, como que hipnotizados pela salva res­plandecente do Sol a pino, bem na vertical”. 
Em segundo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o carácter do povo alentejano, sobre o qual nos diz Vítor Santos no seu "Cancioneiro Alentejano": 
“Independentes, ousados, alegres embora de feições duras e escurecidas pelo sol, eles mostram bem, pelo espírito decidido e olhar sobranceiro e um tudo-nada desconfiado, que possúem a consciência da sua força e do seu valôr”.
 Faz parte ainda do carácter do povo alentejano, o amor desmesurado que nutre pela sua terra. Como nos diz Antunes da Silva em "Terra do nosso pão": 
“Isto de Alentejanos é gente que puxa para uma banda só. Partir à aventura no rasto da fortuna, caindo aqui, levantando-se além, não é caminho que se abra às vozes da alma dos Alen­tejanos. Nem é o susto de outras paisagens vir­gens para onde os mandam, mas o amor sub­merso que têm ao seu chão e que de repente se ergue como uma força do sangue. Teimosamente agarrados à plenitude dos escampados, ao valor das suas vilas e aldeias, aprendem a ser livres com a natureza que lhes legaram seus avós.”
Em terceiro lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o trajo popular. Diz-nos Luís Chaves em "A Arte Popular – Aspectos do Problema": 
“O traje surge-nos como produto natural do meio, isto é, de quanto dentro e à volta do homem existe; e tudo que influi no espírito e actua nele. Desde a escolha e adopção dos tecidos, até a côr e a forma, desde a ornamentação ao arranjo das partes componentes, tudo aí tem razão de ser como é, e tem de estar onde está”. O trajo alentejano é rico e diversificado, quer seja usado por homem ou mulher, estando em relação directa com a posição de cada um na escala social e com as tarefas diárias desempenhadas.
Em quarto lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a gastronomia. O Alentejo é a região do borrego e este é um recurso com elevada cotação na bolsa de valores gastronómicos. Por isso, no âmbito da FIAPE – Feira Internacional Agro-Pecuária de Estremoz, decorre a Semana Gastronómica do Borrego, onde o borrego impera como rei e senhor. Então, os restaurantes locais apresentam receitas a Concurso, todas confeccionadas a partir do borrego. Eis algumas: sopa da panela, ensopado de borrego, borrego guisado com ervilhas, mãozinhas de borrego panadas, perna de borrego trufada, cozido de borrego com grão, feijão verde e abóbora, mãozinhas de borrego com molho de tomate, borrego assado à alentejana, sarrapatel de borrego, borrego de alfitete, miolos de borrego, iscas de fígado de borrego, arroz de fressura, empadas de borrego, tarte de requeijão, bolo de requeijão e queijadas.
Qualquer destes pratos é definidor da nossa identidade cultural. A gastronomia do borrego, essa é património culinário legado pelos nossos ancestrais. É património para mastigar, para saborear e para lamber os beiços, a comer e a chorar por mais, pois barriga vazia não conhece alegrias... Por isso, apetece dizer: - Viva o património mastigável! - Viva! - Avante com a defesa do património! - Avante!
Em quinto lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a arte popular. Desde tempos imemoriais que o pastor alentejano ocupa o tempo que lhe sobra da guarda do rebanho, em gravar desenhos sobre madeira, cortiça ou chifre. Resumidamente referiremos: garfos, colheres, chavões, foicinheiras, esfolhadores, formas de dobar linhas, cabaças, caixas de costura, polvorinhos, cornas, etc. Naturalmente, que na arte popular e muito para além da arte pastoril, há a incluir entre inúmeras outras formas de arte popular, a barrística popular e a olaria.
Diz-nos Virgílio Correia na "Etnografia Artística": 
"A Província do Alentejo é a lareira onde arde mais vivo, mais claro e mais alto, o fogo tradicional da arte popular portuguesa.” 
Já João Falcato no "Elucidário do Alentejo" diz-nos que: 
“Não sabe uma letra o pastor destas terras, em erudição nunca ouviu falar, e é poesia pura a linguagem da sua alma, e é poesia pura o que sai das suas mãos.
E além de tudo mais uma qualidade tem a sua poesia. Não precisa dos livros para se imortalizar. Um raminho de buxo, um nada de cortiça, e, da inspiração fugidia, ficou alguma coisa nas nossas mãos. "

Em sexto-lugar a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cancioneiro popular. De facto, têm bastante expressão entre nós os poetas populares, muitos dos quais são pastores que criam, sobretudo, décimas e quadras que registam no livro vivo da sua memória. A quadra, essa pode ser brejeira: 

 Assente-se aqui, menina,
À sombra do meu chapéu,
O Alentejo não tem sombra,
Senão a que vem do céu.


Pode ser também o reflexo do grande isolamento em que vive o pastor, que lhe permite conhecer a natureza que o rodeia, muito em particular, o céu:

As árves que o mundo tem
Cubro-as c’o meu chapéu.
Diga-me cá por cantigas
Quantas ‘strelas há no céu?


Por vezes a poesia encerra uma profunda crítica social:

Sobe o rei no alto trono,
Desce o pastor ao val’ fundo;
Uns p’ra baixo, outros p’ra cima
Vai-se assim movendo o mundo."


Felizmente que através dos tempos tem havido estudiosos que têm procedido à recolha do rico Cancioneiro Popular. Registo entre outros os nomes de Tomás Pires, Luís Chaves, Azinhal Abelho, Manuel Joaquim Delgado, Vítor Santos, Fernando Lopes Graça, Michel Giacometti, a quem presto o tributo do meu reconhecimento por terem tido a clarividência da importância que constitui o registo escrito do Cancioneiro Popular, como forma de assegurar a perpetuidade do que tem de mais rico e genuíno a nossa memória colectiva.
Em sétimo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com o cante, que segundo a tese litúrgica do padre António Marvão teve origem em escolas de canto popular fundadas em Serpa, por monges paulistas do Convento da Serra d’Ossa, os quais tinham formação em canto polifónico.
No "Cancioneiro Alentejano" – recolha de Victor Santos, diz Fernando Lopes Graça: 
“O alentejano canta com verdadeira paixão e todas as ocasiões lhe são boas para dar largas ao seu lirismo ingénito. Não há trabalho, folga, festa ou reunião de qualquer espécie, sem um rosário infindo de cantigas.” 
Manuel Ribeiro na "Lembrança dos Cantadores da Aldeia Nova de São Bento, Mértola, Vidigueira e Vila Verde de Ficalho", diz-nos: 
“Só no Alentejo há o culto popular do canto. Ali se criou o tipo original do “cantador”. Pelas esquinas, altas horas, embuçados nas fartas mantas, agrupam-se os homens: esmorece a conversa, faz-se silencio e de subito, expontâneamente, rompe um coral. É o diálogo em que eles melhor se entendem, é a conversa em que todos estão de acôrdo.
Quem não viu em Beja, em certas ruas lôbregas, em certos recantos que escondem ainda os antros esfumados das adegas pejadas de negras e ciclopicas talhas mouriscas, quem não viu duas bancadas que se defrontam e donde se eleva um canto entoado, solene e soturno, com o quer que seja da salmodia dum côro de monges?”
 

Embora possa cantar só, o alentejano canta sobretudo em coros e esse canto é sério, dolente, compenetrado e mesmo solene, porque o alentejano é lento, comedido e contemplativo, por força do Sol escaldante.
O coro une os alentejanos. Como diz Eduardo Teófilo em "Alentejo não tem sombra": 
“Há, no entanto, a ligá-los a todos, algo de pró­prio, de indefinidamente próprio e que os torna re­conhecíveis em qualquer lugar em que se encontrem.(...). Todos eles estão marcados a fogo, pelo fogo daquele Sol ardente que, mesmo quando mal brilha, entra nas almas e molda os caracteres, todos eles apresentam o seu rosto cortado por navalhadas de vida e tostados pelas ardências do Sol de Verão, como se vivessem todos, realmente, sem uma sombra a que se abrigar.” 
Sobre o cante diz-nos ainda Antunes da Silva em "Terra do nosso pão": 
“As cotovias cantam para o céu, tresnoitadas. Os Alentejanos cantam para os horizontes, sonhando. Dessas duas castas melodias nasce a força de um povo!” 
Em oitavo lugar, a identidade cultural do povo alentejano tem a ver com a habitação popular, o monte ou a casa de povoado, ambos de planta rectangular e com chaminé aparecendo em ressalto na fachada. Os materiais de construção são a taipa e o tijolo. O telhado é de duas águas, coberto de telhas assentes em ripas. As paredes, reforçadas por vezes com contrafortes, são caiadas de branco. Lá diz o cancioneiro popular:

Nas terras do Alentejo
É tudo tão asseado...
As casas e o coração,
Sempre tudo anda lavado...


Julgo ter ficado sobejamente demonstrado que pela sua paisagem própria, pelo carácter do povo alentejano, pelo trajo popular, pela gastronomia, pela arte popular, pelo cancioneiro popular, pelo cante, pela casa tradicional, o Alentejo é uma região com uma identidade cultural própria.
Como diria o poeta, é preciso, é imperioso, é urgente, que cada um de nós tenha consciência dessa identidade cultural e lute pela sua preservação, valorização e aprofundamento. 

Etiquetas

Seguidores

Pesquisar neste blogue