Silas Malafaia celebrou o casamento de Jair Bolsonaro com Michele em 2013. Eram amigos, mas em 2017 zangaram-se porque o pastor foi indiciado por lavagem de dinheiro. Em toda a pré-campanha eleitoral, Silas apoiou outro candidato, mas acabou a reaproximar-se de Bolsonaro.
Ontem recebeu a visita do Presidente eleito na sua Assembleia de Deus Vitória em Cristo, na zona Norte do Rio.
A participação neste culto evangélico foi seguida por todos os jornais brasileiros com enorme atenção. Há agora uma análise quase milimétrica aos discursos de Bolsonaro. A semiótica bolsonarista está em alta.
A melhor frase de ontem é esta: “
Não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos”. Podia ser uma frase mortal em muitos países, mas dita num culto evangélico e no Brasil é coisa pensada e certeira, para os fiéis e não só. Sim, eu Presidente eleito não serei o mais qualificado para o Palácio do Planalto, mas sim, Deus tratará de me ajudar, como vos ajuda a vocês.
Depois, o versículo que cruzou toda a campanha. “
Conhecereis a verdade e ela vos libertará”. Num país esmagado pela corrupção, pelo crime, pelos processos judiciais, a verdade assume um valor quase ontológico: “
o povo precisa saber a verdade, e a verdade dói”.
Houve um momento de humor, claro: “
Também achei que pirei naquele momento (decisão de concorrer ao Palácio do Planalto)”. Risadas na sala.
A palavra “mito” foi a mais gritada na sala. O grito “mito!” já era o mais ouvido nos comícios de Bolsonaro. O mito foi eleito e toma posse em janeiro.
O discurso do futuro Presidente está a mudar lentamente. Pelo menos o discurso público – nos que faz nas redes sociais para as bases mais aguerridas, a retórica é pouco alterada – as palavras liberdade e verdade aparecem cada vez mais. A revista Piauí – talvez a mais bem escrita de todo o Brasil –
faz uma análise detalhada dos discursos e de como as palavras vão ganhando ou perdendo peso.
Folha, O Globo, Estadão, Veja. Os jornais e revistas de que mais gosto relatam a ressaca das eleições, os convites para o governo, os ajustes de conta à esquerda, as críticas violentas ao PT, os restos mortais do centro e do centro-direita.
O novo normal brasileiro não é o melhor dos despertares mas o dia anuncia-se cinzento e de chuva. Pode ser que o meu próximo Expresso Curto calhe num dia de Sol. Vamos ao resto, versão rápida, que me alonguei no país irmão.
OUTRAS NOTÍCIASJá disse, hoje vai estar mau tempo (bom para a agricultura e para as barragens, mas isso é outra conversa). Europa fora, a “coisa” está pior. Chove que se farta e Veneza é hoje um dos sítios mais fotografados do dia, mas porque há água a galgar degraus nunca alcançados e a subir joelhos e cintura acima de turistas que foram à procura de água, mas levaram com ela em dobro ou em triplo. Na Sereníssima os turistas estão com água pela barba.
Não é um bom dia para que não haja comboios, mas as greves não obedecem ao boletim meteorológico e a trabalhadores da Infraestruturas de Portugal (IP) cumprem hoje um dia de paragem, depois de não terem chegado a acordo com o Governo, numa reunião que teve lugar ontem.
A greve é da IP mas a CP fica condicionada. A empresa já alertou para "
fortes perturbações na circulação" devido à greve na IP, face à previsão de "
supressões de comboios a nível nacional em todos os serviços".
O JN faz manchete com uma notícia que vai fazer correr rios de tinta.
Centenas de casas junto ao mar vão ser demolidas, é pelo menos o que pede a Agência Portuguesa de Ambiente.
O novo Plano da Orla Costeira prevê derrubes em 14 núcleos habitacionais de Viana, Esposende, Póvoa, Vila do Conde, Matosinhos, Gaia e Espinho. O caso mais mediático deta lista negra é o chamado
Edifício Transparente, junto ao Parque da Cidade do Porto.
Na lista figuram 34 edifícios (muitos de restauração) e centenas de casas de
14 núcleos habitacionais que a APA pretende eliminar da costa entre Caminha e Espinho.
No DN há uma notícia que só deixará espantados os mais distraídos. A Entidade Reguladora da Saúde divulgou os resultados oficiais da avaliação dos hospitais
e três Hospitais PPP (serviços do Estado geridos por provados) estão em primeiro lugar.
O Hospital de Braga é o primeiro classificado, Cascais o segundo e Vila Franca o terceiro. Estas avaliações merecem sempre alguma discussão e precisam de ser vistas com detalhe, mas repetem-se ano após ano. A um ano de legislativas vão ser seguramente tema de debate.
Três quartos dos portugueses temem falta de rendimentos na velhice. O título é de uma notícia do Expresso e
parece um murro no estômago. O texto começa assim: “O
s portugueses temem ter de enfrentar a velhice sem rendimentos capazes de lhes assegurar uma vida digna e com condições mínimas de conforto. Este é um dos resultados do relatório agora publicado pelo Eurofound 2018, uma estrutura da União Europeia, intitulado “Social Insecurities and resilience”, resultante de um inquérito feito em 2016 nos 28 Estados-membros.
Segundo Expresso,
os gregos são os mais preocupados com a velhice, seguidos de Espanha e Portugal, com níveis de receio muito similares. Austríacos, suecos e dinamarqueses são os menos amedrontados, com uma taxa de preocupação a oscilar entre os 36% da Áustria e os 23% da Dinamarca.
No topo da lista os números chegam a um máximo de 88%, para as mulheres gregas, e 75% para as espanholas e portuguesas. São dados que dão que pensar.
FRASES“
Não sou o mais capacitado, mas Deus capacita os escolhidos”.
Jair Bolsonaro, Presidente eleito do Brasil, durante um culto na Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, do pastor Silas Malafaia
"
Se for provada corrupção no Benfica, demito-me na hora".
Luís Filipe Vieira, Presidente do Benfica, em entrevista à TVI
“
O diabo não veio em 16, não veio em 17, não veio em 18 e não tem encontro marcado para 2019”.
António Costa, primeiro-ministro, no debate do Orçamento do Estado
O QUE EU ANDO A LERRecomendo vivamente um artigo de
Martin Wolf publicado no Financial Times na véspera da eleição de Jair Bolsonaro. Wolf é um dos principais colunistas do jornal e ocupou o destaque da secção de livros do caderno Life & Arts do jornal britânico deste sábado.
O artigo chama-se
The Price of Populism (
O preço do populismo) e faz uma leitura crítica de três livros que estudam as ligações entre a economia, o sentimento contra as elites e o apoio a movimentos ou figuras populistas que estão a por em causa as democracias liberais e a globalização um pouco por todo o lado.
O artigo não é otimista, bem pelo contrário, mas é muito bom. Martin Wolf não tem dúvidas em afirmar que se o
despotismo arbitrário passar a ser uma espécie de norma nacional, a chamada ordem liberal internacional pura e simplesmente acabará por colapsar. Ou seja, o mundo que conhecemos ficará rapidamente muito diferente.
Não será já tarde de mais para evitar um desastre coletivo? Como sabemos, no séc. XX surgiram políticos e novas políticas públicas, mas apenas depois de enormes desastres. É essa recordação que o (nos) faz ficar pessimistas enquanto vemos estes movimentos globais crescerem e a capacidade de resposta a ser cada vez menos eficaz.
Por fim, uma sugestão (quase uma obrigação) para sexta-feira, dia 2: a
Netflix vai estrear um dos mais falados filmes inacabados de sempre.
O outro lado do vento, de
Orson Welles é finalmente exibido depois de décadas de espera e de um imenso rol de dificuldades em terminar esta empreitada cinematográfica.
Ninguém estará à espera de um filme brilhante, mas não há nada de Orson Welles que não mereça ser visto e revisto.
O Outro Lado do Vento é protagonizado por John Huston, Peter Bogdanovich, Dennis Hopper e Oja Kodar e é uma reflexão sobre o fim da produção clássica de cinema.
Nem nos seus sonhos mais delirantes, Orson Welles iria imaginar que um filme rodado na década de 70 e sobre aquele tema acabaria a ser acabado e distribuído por uma coisa chamada Netfilx. É uma ironia que Welles assinalaria com uma boa refeição e uma enorme gargalhada. Resta-nos homenageá-lo.
O Expresso Curto fica por aqui. Tenha um ótimo dia.