A fotografia com que abro esta newsletter é mais uma em que Trump mostra, com orgulho, a sua enorme assinatura numa ordem executiva. Neste caso tratou-se da denúncia do acordo nuclear com o Irão e escolhi-a para a colocar logo na abertura por duas razões. Primeiro porque o Presidente dos Estados Unidos voltou a cumprir uma promessa eleitoral. Talvez não fosse isso que muitos esperavam, crentes que a sua natureza errática o levaria a esquecer o que apregoara na corrida para a Casa Branca, mas o magnate de Nova Iorque reincidiu e, apesar de todas pressões – dos parceiros europeus e do
establishmentde Washington –, saiu mesmo do acordo com o Irão. Depois porque o fez com uma simples assinatura, um caminho que paradoxalmente lhe foi aberto pelo seu predecessor, Barak Obama, que ao ter governado por decreto, muitas vezes sem o apoio do Congresso, permite a Trump reverter com a maior das facilidades o seu legado.
Isso mesmo notou Fred Bernes, da neoconservadora (e muito crítica de Trump) Weekly Standard em
The Wipeout of Obama’s Legacy. Escreveu ele que “
Decisions taken by the president alone are vulnerable to being erased by subsequent presidents. And that’s what happened to the pact with Iran. It wasn’t a treaty ratified by the Senate. Democrats used the filibuster to block even a nonbinding vote on it. Trump killed the deal with his signature. That was also all it took to quit the Paris accord on global warming.” O mesmo notou Sohrab Ahmari na Commentary, em
Obama Killed His Own Iran Deal: “
Even if such a deal were desirable, Obama went about pursuing it in the worst possible way. He dealt with crucial foreign and domestic stakeholders—America’s traditional Mideast allies and congressional Republicans—as nonentities and fools, who just couldn’t see that rapprochement with Iran was in their best interests.”
Comecei por sublinhar este importante detalhe da forma de agir de Trump não para evitar a discussão do tema de fundo – as consequências do seu acto –, mas para mostrar que nem sempre o que parece é. Neste caso, nem Trump fez mais do que cumprir o que prometera, nem Obama tratara de proteger o seu legado. Dito isto podemos passar à descrição do que está em causa, e para isso socorro-me ante de tudo o mais de um explicador do Observador, de João de Almeida Dias:
Trump rasgou o acordo com Irão. Qual é a crise?Nesse trabalho procura-se responder a nove questões diferentes:
- O que é o acordo nuclear com o Irão e quem faz parte dele?
- O que disse Donald Trump ao retirar os EUA do acordo com o Irão?
- Depois do anúncio de Donald Trump, o que se segue?
- Porque é que Trump afastou os EUA do acordo nuclear com o Irão?
- Como é que estas medidas podem afetar o Irão?
- O Irão não respeita o acordo nuclear?
- O que vai fazer o Irão agora?
- Como tem reagido a comunidade internacional à retirada dos EUA?
- E o que tem Israel a dizer no meio disto tudo?
Para complementar esta abordagem necessariamente sintética e muito objectiva, recomendo que oiçam um podcast da Hoover Institution da Universidade de Standford,
Iran Nuclear Deal – The Aftermath Of Withdrawing, podcast esse em que Abbas Milani, um “Hoover research fellow”, conversa com Hamid e Christina Moghadam, do centro de estudos iranianos da mesma universidade, uma conversa em que se procura explicar “
how the change affects both the politics of Iran and the Middle East region”. Já
Trump, Iran and the end of the deal, o texto de Dominic Green que faz a capa da britânica Spectator, também contem muita informação interessante, nomeadamente ao recordar que “
Trump invited them to renegotiate. The sanctions won’t take effect for 90 to 180 days, so there is still time. Given the surreal developments on the North Korean front, anything is possible. It is more likely, however, that the Iranians, aware that the American and European public want nothing more to do with the Middle East, will test whether America and its allies really are, as Trump said, ‘unified in our understanding’. Are the Europeans genuinely committed to a ‘real, comprehensive and lasting solution to the Iranian nuclear threat’, with all the risks that entails, including getting dragged into a regional war by an American president who has yet to articulate a replacement Iran strategy?”
No que se refere à avaliação da decisão de Trump, na Europa a condenação foi quase geral e por vezes quase violenta. A alemã Der Spiegel escreveu um editorial intitulado
Time for Europe to Join the Resistance onde se escreve, de forma quase apocalíptica, que “
The West as we once knew it no longer exists. Our relationship to the United States cannot currently be called a friendship and can hardly be referred to as a partnership. President Trump has adopted a tone that ignores 70 years of trust.” Mais adiante, ao procurar sugerir uma linha de acção para os dirigentes europeus, o editorialista sublinha que “
The difficulty will be finding a balance between determination and tact. Triumphant anti-Americanism is just as dangerous as defiance. But subjugation doesn't lead anywhere either - because Europe cannot support policies that it finds dangerous. Donald Trump also has nothing but disdain for weakness and doesn't reward it.”
E se o francês Le Figaro também adopta o registo do fim de uma era em
Iran : crise ouverte entre Trump et l'Europe, de Jean-Jacques Mével – “
Le 8 mai commémore la victoire de 1945, le 9 mai marque la journée de l'Europe. À cette double célébration, Donald Trump vient d'ajouter une pierre noire: le jour où l'Amérique a tourné le dos à l'Europe, humilié ses trois plus grands alliés dans l'Otan et mis en péril le travail de trois générations pour éloigner le péril atomique.” – no Philip Stephens, no Financial Times, trata de sugerir
How Europe should react to Donald Trump. Ou seja, partindo da mesma constatação – “
The exit from the Iran deal is different. It marks the biggest rupture in transatlantic relations since the end of the cold war and mocks the west’s efforts to uphold a rules-based order” – reconhece a seguir que será sempre difícil à Europa criarem, só por si, uma “nova ordem”. O que iliustra com o seguinte exemplo: “
Last year, in a moment of public frustration, Germany’s Angela Merkel said that Mr Trump’s arrival in the White House invited Europe to take more responsibility for its affairs. Everything the chancellor has done since suggests that Germany is less rather than more willing to shoulder the costs of its own security. Europe will secure independence from the US when it is prepared to pay the price.”
Ora é precisamente por reconhecer este tipo de dificuldades que, no Público, Teresa de Sousa não tem dúvidas em
O dilema europeu: entre o Irão e os EUA, a escolha só pode ser uma. Algo que explica assim, por exemplo: “
Um diplomata iraniano que esteve envolvido nas negociações do acordo, dizia que, perante uma escolha desta natureza, a Europa “acabaria por ficar do lado dos Estados Unidos”. É uma manifestação de realismo. Os aliados europeus continuam a depender dos Estados Unidos para garantir a sua segurança, num mundo cada vez mais inseguro. Trump pode colocá-los perante uma escolha vital. Não há alternativa à América num mundo em que o poder está cada vez mais nas mãos de grandes potências rivais, perante o qual a Europa não está em condições de agir como um poder autónomo.”
Na mesma linha de raciocínios encontramos Dalibor Rohac, no Politico, em
Freeloading Europe unprepared for Trump’s America, considera que “
Old Continent can’t do much more than watch and wait.” Ou, para ser mais concreto, “
If the world’s “indispensable nation” retires from its present role, Europe will not fill its shoes. The degree of political coherence needed to play that role is absent. Equally absent is the willingness — especially in the Continent’s economic powerhouse, Germany — to dedicate more significant resources to defense.”
Já no que respeita aos efeitos que esta decisão da Casa Branca terá para a estabilidade do Médio Oriente e a contenção da proliferação nuclear as opiniões dividem-se de acordo com o alinhamento dos que sempre defenderam que o acordo com o Irão era um mau acordo (até chegaram a compará-lo com o acordo de Munique que não evitou a II Guerra Mundial) e os que pensam que permitia realmente conter a ameaça iraniana. Vejamos alguns argumentos de ambos os lados:
- A The Economista defende, num dos editoriais da sua edição de hoje, que Scrapping the Iran deal won’t do anyone any good: “This newspaper would welcome an end to Iranian belligerence and to the regime itself, but a wish based on a hunch is not a policy. Instead, faced with the probable failure of Mr Trump’s scheme, the parties to the deal should strive to keep it alive for as long as they can. One aim is to demonstrate to Mr Trump and his supporters that global rules do matter.”
- Daniel Henninger, no Wall Street Journal, tem uma posição contrária em It’s Trump’s Iran Deal Now, um texto onde porém nos confessa que não tem nenhuma garantia ou mesmo simples indicação de que os Estados Unidos conseguirão agora um acordo melhor. Contudo recorda que não se deve continuar a ignorar os sinais Trump vai dando – “Twice since October, President Trump made clear his intention to withdraw from the deal unless its weaknesses were addressed. High-level officials from the State Department shuttled nonstop between Berlin, Paris and London to get movement on these issues. They got nothing.” –, sinalizando também que, apesar de tudo, o futuro nos pode reservar uma surpresa, como nos reservou no caso da Coreia do Norte: “Is the Trump wrecking-ball tactic beyond criticism? Hardly. Does every Trump detonation of the status quo work? No. (...) But the alternative to what the Trump team is doing now on Iran and North Korea has been to rationalize doing next to nothing—an increasingly familiar default.”
- Bret Stephens, no New York Times, fez porventura a mais destacada das defesas da decisão de terminar com o acordo, considerando que A Courageous Trump Call on a Lousy Iran Deal. Boa parte do seu texto é precisamente a explicar porque considerava o acordo um mau acordo. Este é um dos argumentos que usa: “The easing of sanctions also gave Tehran additional financial means with which to fund its depredations in Syria and its militant proxies in Yemen, Lebanon and elsewhere. Any effort to counter Iran on the ground in these places would mean fighting the very forces we are effectively feeding. Why not just stop the feeding?”
- Bruce Thornton, em The Front Page, escreve o mais trumpista dos textos desta selecção, um texto que parte de uma interrogação: Are we waking up from the diplomacy delusion?De novo encontramos nele mais argumentos contra o acordo que Obama assinara: “The fatal flaw of the agreement––that it terms out after a mere decade––is that it won’t keep the regime from the bomb, but merely delay it. Analysts disagree over how quickly the Iranians could create a nuclear device and a delivery system, but the main point is that deal or not, they possess and will keep all the infrastructure, enriched uranium, equipment, and technical know-how, along with help from Pakistan and North Korea, necessary eventually to succeed.”
Há também textos em que se argumenta que, nas relações com o Irão, a questão mais importante nem sequer é a da proliferação nuclear. Isso mesmo faz Michael SinghNa Foreign Affairs, quando se interroga sobre se
Is Washington Too Focused on Iran's Nuclear Program?A sua tese é que os Estados Unidos se deviam preocupar mais com a forma como o Irão tem aumentado a sua influência na região: “
While the United States has debated the JCPOA, Iran has advanced in Syria, Yemen, and elsewhere with little resistance, and prospects for war between Iran and Israel, or Iran and Saudi Arabia, have increased significantly. What Washington really needs is a new Iran policy, not just a nuclear policy—and the will to roll up its sleeves and carry it out.”
Já Melanie Phillips, colunista do londrino The Times, defende em
As i see it: the elephant in the room is regime change(aqui reproduzido a partir do Jerusalém Post), que temos estado com prioridades erradas: “
It has become an article of faith in the West that the only way to resolve conflict is through negotiation and compromise. If faced with a fight between God and the devil, the West would doubtless split the difference and call it a triumph. The result of the West’s appeasement of Iran, however, has been regional chaos, world terror and 120,000 missiles embedded among the civilian population in Lebanon from where they are pointing at Israel.” Para a autora só haverá verdadeira contenção do Irão quando oregime de Teerão mudar, pelo que devia ser essa a aposta e a política do Ocidente (se é que ainda podemos chamar Ocidente a este grupo de velhos aliados desalinhados e cheios de recriminações mútuas).
Tema de preocupação real é o de saber se haverá uma escalada no Médio Oriente, um cenário que as trocas de mísseis entre israelitas e iranianos no sul da Síria colocaram ainda mais na ordem do dia. Há porém quem, no terreno, em Israel, defenda que não devemos exagerar os riscos de uma guerra estalar já amanhã. É precisamente o que faz Zvi Bar'el, no Haaretz, em
Iran Might Restrain Itself From Striking Israel in Bid to Save Nuclear Deal, um texto cuja tese é que “
The desire to maintain an image of a nonaggressive country will dictate the near future on the Syrian front, as Tehran negotiates with its European partners on the nuclear accord”. Mais: “
Iran suffers from military inferiority in Syria. It doesn’t have an air force that can operate in Syria’s skies, the Syrian antiaircraft batteries aren’t sophisticated enough to deal with the Israeli threat, and Iranian forces on the ground rely mainly on hired militias based on Afghani, Iraqi and Pakistani fighters, whose military prowess is lacking. Cooperation between Iran and Syria doesn’t include a Russian commitment to protect Iranian forces, and Syrian President Bashar Assad prefers the Russian presence to that of the Iranians; he even shows this when awarding concessions.”
E por hoje é tudo, até porque é tarde e alonguei-me em demasia. Tenham um bom fim-de-semana de descanso e sem esquecerem as boas leituras – as leituras que nos ajudam a compreender os riscos e desafios do mundo que nos rodeia. Até para a semana, que será também a do quarto aniversário do Observador. De caminho vá antecipando a prenda de anos, aproveite a promoção de lançamento do
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