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Por Ricardo Marques
Jornalista
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5 de Agosto de 2016 |
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A música que Amália não cantou
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Prezado,
Espero que esta o encontre bem, de preferência estendido na toalha ou com os pés na água, e a ler estas singelas linhas numa manhã de férias. Nós por cá vamos andando e amolecendo à conta deste calor que vai esmagando a capital da nação. Isto mói o corpo e cansa a mente, já de si fatigada pela monotonia deste arranque de silly season – algo pouco recomendável na véspera de alinhavar este madrugador Expresso Curto.
Partiu o caro amigo para longe, e invejo-lhe a sorte porque na praia é que se está bem e o trabalhinho até sabe melhor depois de umas férias bem passadas.
Lição antiga, que todos conhecem. Não há empresário, lente ou
magistrado à vista. Deputados, nem vê-los, embora os ouçamos de vez em
quando (mas lá chegaremos). Os mestres-escola foram com eles e levaram a
estudantada atrás. Sindicatos? O que é isso? Sim, é agosto e escasseiam assuntos.
Ontem de manhã, rumei ao Chiado em busca de algo que me ajudasse a contar-lhe como vai este nosso mundo que deixou para trás. Foi lá, subindo e descendo a Rua do Carmo, que tudo se tornou mais claro. A Amália canta todo o dia naquela roulotte de fados, e dizia-me a dado momento: “Eu sei meu amor / que nem chegaste a partir…” Parei por instantes e dei por mim a pensar: “Pois não, Amália. Alguns de nós ficaram”. Para contar.
Segui para Brasileira e ainda tentei sentar-me ao lado do nosso Pessoa, mas as pessoas eram tantas que nem uma cadeira sobrava. Ao balcão, onde toda gente pede “équesseprésso plize”, arrisquei, mandei
vir uma bica e fugi rapidamente para me encostar lá fora, à sombra, a
fumar um cigarro e a escutar as conversas de quem passava. Ouvi tratados curtos em francês, alemão, japonês e inglês. Mas nada sobre os quentes assuntos que nos vão entretendo por cá, nós os que caminhamos pelo mar de turistas.
Mas
perco-me em divagações, que pouco interessarão ao estimado leitor. Não
me quero alongar, apenas garantir-lhe que foi proveitoso o passeio. Tão rico que o utilizarei, deste parágrafo em diante, como guia para esta carta.
Deixe-me apenas dizer que, cansado de calor e de turistas, tomei
um carro de praça, modelo antigo, um daqueles Mercedes 190 cada vez
mais raros, e pus-me a caminho de Belém para ir dar com os dentes num
pastel quentinho. A fila não era tão grande como as dos
Jerónimos ou da Torre de Belém, mas era suficientemente desencorajadora
para não me apanharem lá. Nem coberto de canela e açúcar. O Padrão dos Descobrimentos, ali perto, esse está coberto de andaimes. Parece um prédio em obras na Baixa ou uma rua das Avenidas Novas ou do tal Eixo Central.
Como eles escrevem nos cartazes, embora se tenham esquecido de um 'bê' que aqui resgato ao fundo da memória, “obra a obra, Lisboa melhobra”.
Bom, por este andar nem pastelinho nem novidades.
Vamos a elas?
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OUTRAS NOTÍCIAS
Pois saiba o meu amigo que o homem do momento é o Exmo. Senhor Rocha Andrade,
que foi a Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais pela mão do nosso
Primeiro, o Exmo. Senhor Costa, António. Ora, soube-se há dias pela revista Sábado, em duas ocasiões o senhor Rocha Andrade, por ocasião daquele torneio de foot-ball que os nossos spostman
tão valorosamente venceram em Paris, tomou um aeroplano rumo a França,
para ver o match, a custas de uma empresa de produtos petrolíferos,
patocinadora do team lusitano, que tem um litígio em tribunal contra o Estado devido a 100 milhões de euros em impostos.
Que bronca que isto tem dado, estimado leitor, e mais ainda depois de
se saber por Lisboa inteira que outros dois Exmos. Membros do Governo fizeram o mesmo.
Os chalaceadores do costume não se entendem sobre o nome – Galpgate? Eurogate? - mas o caso, o gate, é
de tal modo grave que ontem à tarde o Senhor Santos Silva, Augusto -
ministro dos Negócios Estrangeiros e chefe do Governo na ausência do
Senhor Costa, António, que está a banhos – chamou a rapaziada da
imprensa. Anunciou um Código de Conduta para reger a solicitada agenda de ministros e secretários de Estado, garantiu que os três senhores vão pagar à petrolífera o valor das viagens (tornando-a, quiçá, uma petro-agência de turismo) e sugeriu que, assim sendo, o assunto está encerrado.
Só que, ao contrário do convite feito pela tal petrolífera que os três secretários de Estado aceitaram, a explicação do Exmo. Ministro dos Negócios Estrangeiros não teve tão unânime acolhimento.
PCP e Bloco de Esquerda, os dois partidos que apoiam no Parlamento o Governo, optaram por uma espécie de contido “meus caros senhores, isso não se faz, mas o que se faz por causa disso é lá com os estimados senhores”.
O PSD, conta o Observador, está a digerir as viagens dos seus senhores deputados aos matchs da seleção. Uns não justificaram as faltas, outros apresentaram justificação para não terem falta.
Já o Exmo. Senhor Magalhães, Nuno, do CDS, ao saber que os senhores secretários de Estado iam pagar as viagens do próprio, saiu-se com a tirada do dia dizendo que “os pagamentos dissipam dívidas, mas não dúvidas”. Gostou tanto dela que a repetiu na rádio e na televisão.
O CDS, recorde-se, tinha já pedido a demissão do Senhor Rocha Andrade, algo que a julgar pelas palavras do Senhor Santos Silva não irá acontecer.
Tudo isto faz lembrar aquela canção que Amália não cantou, e que foi celebrizada (carregue em play) por uns artistas americanos, no idos de 80. Falava de rochas e ia mais ou menos assim:
“And now it's solid /Solid as a rock /That's what this love is /That's what we've got, oh, mmm” (fim de citação).
Soube-se que a Procuradoria Geral da República está a analisar o caso. E não deverá faltar muito que para alguém se lembre deste outro senhor Secretário de Estado (Senhor Martins, Carlos) que, como não fazia sequer sentido pagar, deu o problema por resolvido deixando de receber. E no fim, claro, acabou por devolver.
Falou por fim sobre o assunto o senhor Presidente da República, Senhor Professor Marcelo Rebelo de Sousa, e mandou dizer que em Belém, onde os turistas fazem fila para comer um pastel e onde fica o já famoso Palácio das Condecorações, não há confusões.
Mas
não era este o Europeu do nosso contentamento? Não era esta a vitória
que nos ia unir e a ajudar a construir um futuro melhor? Como é que
conseguimos estragar tudo em menos de um mês?
Quer ver o caríssimo leitor como isto anda tudo ligado? Sabe
onde está o nosso estimado Presidente? No Rio de Janeiro. Sabe o que
aconteceu ontem no Rio de Janeiro? A seleção portuguesa jogou contra a
Argentina no primeiro jogo do torneio olímpico e ganhou por 2-0, com um golo de um moço chamado Paciência e outro de um jovem a quem chamam Pite. Uma maravilha. (Só de pensar que no último grande torneio começámos com um empate…)
Por falar em foot-ball, o Arouca deu um passo em frente na Liga Europa e o Rio Ave deu o passo atrás. O Sporting perdeu com o Betis de Seviha e houve pancadaria entre os adeptos antes do encontro.
Sabe o que acontece hoje no Rio de Janeiro? Sim, começam os Jogos Olímpicos. Até à meia-noite tem tempo suficiente para ler este artigo da Christiana Martins e mais este do Plínio de Fraga. Dificilmente encontrará melhor. Claro que houve percalços. O JN contava ontem que alguém se esqueceu de uma chave. E como esquecer a atribulada viagem do fogo olímpico por terras brasileiras? O que importa é que ele ainda arde.
Falemos de fogo, então. E permita-me começar por dizer que, ao contrário das viagens do senhor Rocha Andrade e companhia a França, ainda ninguém sabe quem vai pagar os 422 carros que arderam em Castelo de Vide no estacionamento do Andanças. A investigação das autoridades prossegue, as imagens impressionam, mas a música não para. Nem a dança.
Vai por aí também uma guerra sobre um imposto (isso mesmo, de volta ao senhor secretário de Estado dos Assuntos Fiscais) chamado IMI. As autarquias estão divididas entre os que recusam as novas regras e aqueles que as aceitam - ainda que, a
fazer fé no que vai nas redes sociais (os cafés e tabernas de hoje)
ninguém tenha conseguido explicar lá muito bem que regras são essas. Pelo menos até agora, porque a Raquel Albuquerque preparou uma espécie de IMI para tolos. Não é para si, claro, é para os outros.
Mantenha a calma, estimado amigo. Nisso temos muito que aprender com os estrangeiros que esperam horas para entrar nos Jerónimos.
Contemple o mar sereno à sua frente e, se estiver na costa ocidental,
pense em tudo o que vai acontecendo para lá da linha do horizonte. Os americanos - que ora adoramos odiar, ora odiamos adorar - já estão em eleições.
O voto é só em novembro, mas abriu a caça ao Trump. Espreite o New York Times e o Washigton Post e as gordas são todas sobre o Donald - ele também ajuda... Entretanto,
o cowboy supremo, Clint Eastwood, lançou mais gasolina para a fogueira
(bem sei, bem sei, estamos sempre a voltar ao mesmo) ao defender o
candidato Republicano. Numa entrevista à Esquire,
magazine americano que entre nós se pode encontrar em alguns ardinas
bem estabelecidos e de loja aberta, o ator admitiu que vai votar Trump e
deixou algumas palavras sobre as acusações de racismo que são dirigidas
ao Donald: “ Just fucking get over it. It's a sad time in history”
Mais triste, e capaz e colocar tudo em perspectiva, é a notícia de ontem à tarde. Uma criança de quatro anos morreu ao cair de um oitavo andar, em Loures. O caso está a ser investigado.
MANCHETES
Correio da Manhã: "Costa tira a filha da noite"
Jornal de Notícias: "Presos montam negócio ilegal de aguardente na cadeia"
Diário de Notícias: "Quedas do BES e do Banif podiam ter sido evitadas"
Público: "Governo segura secretários de Estado e promete código de conduta"
I: "Finanças já têm código de conduta que impede aceitar ofertas"
FRASE:
“Insto todos os londrinos a manter a calma e permanecer alerta”, Sadiq Khan, mayor de Londres, após o ataque com faca de quarta-feira à noite, que fez um morto e cinco feridos.
O QUE ANDO A LER
Chega de livros, que os há de ter já, e não poucos, aí mesmo ao lado, cheios de areia. Para longe os tomos pesados, aborrecidos. Falo-lhe de magazines,
dessas que, como a Esquire, só encontramos na mão de bons ardinas. Sei
de um, ali para os lados da Avenida da Liberdade, que tem tudo e mais
algumas páginas. Uma pessoa perde-se naquele corredor estreito. Entre
outras preciosidades, encontrei lá a 1843, a versão ligeira da seríssima The Economist,
que pode espreitar aqui (https://www.1843magazine.com). Tem histórias
sobre lobos, banda desenhada, um colégio de elites e - como não? - o
Donald.
Os nossos estimados camaradas da Visão, a
newsmagazine portuguesa, encontraram uma forma engenhosa de nos ir
contando como vai o planeta. Sendo certo que há sempre um
português em todo o lado, nada melhor do que convidá-los a escrever
sobre os respetivos lados, ou locais. Graças a eles e à Visão temos o Nós Lá Fora. Faça a mala e meta-se ao caminho.
E é este o país que temos, é esta a vida que deixou para trás. Tudo por uns chinelos e uns banhos de mar. Um país que Camilo Castelo Branco resumiu em duas linhas, no livro distribuído com o Expresso há uma semana (há mais um amanhã, "A queda de um anjo" - bem sei, bem sei). Estão elas no fim de um capítulo que acaba
com dois homens ajoelhados diante do impostor que finge ser D. Miguel
para deixar o Minho em alvoroço com a perspetiva de uma revolta.
“Foi
assim que se inaugurou a corte de D. Miguel I em São Gens de Calvos,
segunda-feira de Entrudo de 1845, às 3 horas da tarde”, escreveu Camilo
sobre esse futuro que nunca chegou a ter passado.
Há novidades às seis da tarde, com o Expresso Diário, e notícias frescas amanhã, com a edição semanal do Expresso. Na Internet é o dia todo. (Psst: aqui tem tudo e é mais barato)
Se já andar perdido nos dias, provavelmente está de férias. Hoje é sexta-feira, 5 de agosto e prepare-se porque o tempo vai aquecer. Tenha um bom dia e um excelente fim de semana
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