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Por Valdemar Cruz
Jornalista
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15 de Julho de 2016 |
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22h30 - Promenade des Anglais
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O tempo era de festa. Nas cidades, vilas e aldeias de França celebra-se, a 14 de julho, a Tomada da Bastilha, o evento decisivo para o início da Revolução Francesa. Entre os múltiplos programas organizados por cada comunidade, há uma constante, das maiores cidades, às mais recônditas aldeias: o fogo de artifício. Foi assim, ontem, em Paris. Foi assim em Nice, uma cidade da Côte d’Azur. Uma multidão concentrou-se no Promenade des Anglais para assistir ao momento alto da noite. Pouco passava das 22h30 locais e, de repente, os gritos, a dor, os olhares aterrorizados, o desespero, as correrias desordenadas, o pânico. E de repente, onde havia vida tresandava a morte. Onde havia alegria, escorriam lágrimas.
Onde havia prazer e confraternização, sobrava apenas a frustração. Um
camião conduzido por um franco-tunisino de 31 anos investira contra
aquelas mulheres, aqueles homens, aquelas crianças. A fúria selvagem daquela massa mecânica sobre
tanta gente que nada mais queria, a não ser desfrutar do prazer de
assistir ao fogo de artifício, deixa pelo caminho um discurso de morte.
Às 6h15 da manhã em Portugal, estavam já contabilizados, pelo menos, 84 mortos e dezenas de feridos, e 18 em estado muito grave. O presidente francês, François Hollande, já prorrogou por mais três meses o Estado de Emergência, que devia terminar a 26 de julho.
Nenhuma organização de qualquer natureza reivindicou, até o momento, a
autoria do ataque. O condutor do camião alugado há dois dias terá disparado alguns tiros e foi abatido no local pela polícia francesa.
Pela documentação encontrada no veículo as autoridades conseguiram
perceber que se tratava de um indivíduo já referenciado pela polícia, não por suspeitas de ligações a algum movimento terrorista, mas por crimes de delito comum.
As próximas horas serão cruciais para perceber a existência, ou não,
das reais motivações incentivadoras de um ato que, em si mesmo, espalhou uma onda de terror,
não apenas pela cidade de Nice, onde vivem 10 mil portugueses. As
imagens transmitidas ao longo da noite pela cadeia de televisão France
24 são demolidoras quanto ao estado de espírito de uma população francesa massacrada por sucessivos ataques mortíferos.
O terror espalha-se como uma onda e provoca infindáveis danos
colaterais. Desencadeia rumores, notícias infundadas, amplificações do
drama. Ontem à noite, pouco tempo depois do ataque, já as redes sociais estavam inundadas de boatos. Do facebook, do Twitter, os rumores saltavam para as televisões,
e já se falava da tomada de reféns em hotéis, de um incêndio em Paris
junto à Torre Eiffel, divulgavam-se fotos falsas, seja dos
acontecimentos, seja de pessoas tidas como desaparecidas em Nice. Às
0h37 locais, o ministro do Interior francês via-se forçado a divulgar um Twitter através do qual assegurava não haver qualquer tomada de reféns. As imagens já divulgadas sobre o momento em que o camião se lança contra as pessoas presentes no passeio marítimo são brutais. Há uma crueldade infinita a rasgar aquele momento de comunhão de um povo. O dia da festa nacional de França. Há uma perplexidade incontida face à multiplicação de perguntas às quais podem ser dadas tantas respostas que, no final, não sobra qualquer resposta. Estamos cansados de mortos.
Estamos cansados desta incerteza quotidiana. Estamos cansados de ver as
mesmas e ineficazes respostas para problemas cada vez mais complexos.
Estamos cansados de ver a cada vez mais previsível reação a cada ataque.
Mais tanques nas ruas. Mais polícias muito artilhados. Mais ações na Síria e no Iraque, como ontem se apressou a anunciar François Hollande. Estamos cansados de guerra.
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OUTRAS NOTÍCIAS Preso por ter cão e por não ter Subverto e recupero de imediato a secção “O que ando a ler”
porque tenho há uma semana uma frase a martelar-me a cabeça. O título
aqui escolhido não é de tão fino recorte literário, mas percebe-se a
ideia. Abala-me a profundidade filosófica do conceito
contida numa expressão com a força das declarações de lugar certo no
Olimpo das citações, a par de um Churchill, de um Rei Lear, de um
Platão, sei lá, de um Walt Disney: “É-se criticado por ter cão e por não ter”,
disse José Manuel Durão Barroso a propósito da sua contratação pela
Goldman Sachs. Não percebo, de resto, como pôde o mundo político ter
andado décadas distraído e incapaz de aproveitar o potencial contido numa frase como esta. Ontem, por vários motivos, o tema Barroso veio de novo à superfície e com grande intensidade. Hollande passou ao ataque e foi demolidor para com Monsieur Barroso.
Numa entrevista à TF1 considerou a sua opção “moralmente
inaceitável”.Já outros membros do governo francês tinham sido bem duros
para com o ex-presidente da Comissão Europeia, que, sem honra, nem
glória, fizera na passada segunda-feira a capa do Libération. O título:
“Sans foi ni Loi”. Por cá, PSD e CDS têm manifestado a maior das compreensões por esta transferência para uma poderosa instituição financeira. Ricardo Costa tenta, no Expresso Diário, enquadrar o assunto. Num primeiro tempo desqualifica as críticas que têm sido feitas a Barroso, mas acaba a dizer que o seu maior erro foi contribuir de forma definitiva para todas as conspirações que existem sobre política e finança . Nunca lhe perguntei,
aliás, creio nunca na vida lhe ter perguntado coisa alguma, mas
suspeito ser aquela máxima de Barroso, por estes dias, o pensamento
dominante de António Costa. O Primeiro Ministro tem nos braços um governo emparedado, tão
acutilante parece ser a ameaça das sanções da Comunidade Europeia,
assunto que, curiosamente, não é assunto para a comunicação social
espanhola. Costa quer evitar as sanções, mas por outro lado pouco terá
feito para as evitar, acusam PSD eCDS. Lá está, preso por ter cão, preso por não ter. Em entrevista ao DN, Passos Coelho diz que a decisão de Bruxelas de castigar Lisboa por não cumprir o défice "é incompreensível", mas responsabiliza o governo, que terá deixado que esse castigo acontecesse "por passividade". Zeinal Bava e Henrique Ganadeiro
voltaram a ocupar o centro das notícias. A SIC anunciava ontem à noite
que as suas casas tinham sido alvo de buscas. Mais tarde, a
Procuradoria-Geral da República confirmava as buscas no âmbito da
“Operação Marquês”. Em causa estão eventuais ligações entre circuitos
financeiros investigados naquele inquérito e os grupos PT e Espírito
Santo. Os próximos dias serão de muito calor, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera. A temperatura máxima irá registar valores superiores a 30ºC
em praticamente todo o território. As instituições de saúde têm vindo a
divulgar algumas recomendações, às quais devem dar particular atenção
os mais idosos. Assim, é importante manter o corpo hidratado e fresco; proteger-se do calor; utilizar protetor solar com fator igual ou superior a 30; manter as casas frescas. Pode encontrar aqui todas as recomendações proporcionadas pelo Serviço Nacional de Saúde. Os tribunais, diz o Público, estão a recusar o acesso das famílias a planos de recuperação financeira.
Pela primeira vez, a adesão ao mecanismo alternativo á insolvência está
em queda e os juízes consideram que só as empresas podem recorrer a
estes processos. Através do Negócios ficamos a saber que o IRS discrimina divorciados. As regras impedem a divisão dos filhos na declaração de rendimentos e, na prática, um dos progenitores fica a perder para o outro. No DN dá-se conta de uma realidade preocupante quando se noticia que os hospitais públicos estão cada vez mais dependentes de tarefeiros. Nos primeiros cinco meses deste ano, os serviços já gastaram mais cinco milhões de euros do que em período homólogo do ano passado. Beyoncé, Alicia Keys, Rihanna, Bono, ou Pharrell Williams são alguns dos artistas que num vídeo emocionado e emocionante falam sobre a morte de negros alvejados pela polícia norte-americana. É uma ação inserida na campanha #23Ways, pensada para denunciar as injustiças raciais nos Estados Unidos da América.
O objetivo é conseguir juntar €140 milhões – o exato custo do envio
para o espaço da nave Apollo – para investir aquele dinheiro em
programas destinados a zonas desfavorecidas. Vão ter críticas. Se não
falam, é porque não falam. Se falam… Lá está o problema do cão. FRASES “Cada
vez tenho menos dúvidas que com a prossecução desta política europeia e
com este pacto, muito dificilmente a Europa virará a sua trajetória
económica e encontrará um caminho robusto de crescimento económico”. António Costa, Pirmeiro Minsitro “Portugal fez um esforço estrutural muito maior do que a França”. Pedro Passos Coelho em entrevista ao DN “Juridicamente é possível (ida de Barroso para a Goldman Sachs), mas moralmente é inaceitável”. François Hollande, presidente da república francesa “A
decisão de Durão Barroso demonstra a enorme promiscuidade que existe
hoje entre as instituições da EU e o grande capital financeiro”. João Ferreira, eurodeputado do PCP na SIC Notícias O QUE ANDO A LER E A OUVIR Já se percebeu que ando a tentar entender a dimensão filosófica da frase “É-se criticado por ter cão e por não ter”.
Já passei os olhos por Aristóteles, Heidegger, Marx, ou Deleuze, Nem
assim chego lá. Creio, até, que vou por fim decidir-me a fazer a
assinatura da Philosophie Magazine. Entendamo-nos, a frase não é dita pelo motorista do autocarro em altercação com um passageiro apressado. Sai da sibilina boca do ex-presidente da Comissão Europeia. Tem de significar algo de sublime. Temos de entender. Para isso lemos. Por exemplo, Manuel Jorge Marmelo, vencedor do prémio do Festival Correntes d’Escritas com o livro “Uma mentira mil vezes repetida”. Sai-se agora com “Macaco Infinito”, todo ele passado num bordel onde impera Paulo Piconegro, o patrão paralítico,
sentado numa cadeira de rodas, que tudo controla e a quem todas as
putas (é o termo escolhido pelo autor) veneram, algumas desejam, e outras seguem com olhar servil. Deliciosa metáfora sobre a Europa que temos e o tempo que nos coube viver, o romance parte de uma ideia genial:
se sentarmos um macaco a uma máquina de escrever por tempo
indeterminado e sem limite, o animal acabará por conseguir escrever uma
obra-prima ao nível de um Shakespeare ou de um Cervantes. Wakaso, o
criado negro, está lá, ao serviço de Piconegro, para demonstrar a
eficácia do teorema do Macaco Infinito. Leitura quase terminada é o muito bom – não obstante o título, não obstante a capa – “Doce Carícia”, de William Boyd. Fez-me lembrar a monumental biografia do desconhecido poeta novecentista Tiago Veiga, escrita por Mário Cláudio. Também aqui, o premiado Boyd inventa umj biografia, a da fotógrafa Amory Clay e aproveita para contar três histórias: a da fotografia, a do século XX e a de Amory. Nascida com os alvores da I Grande Guerra, atravessa o século de máquina em punho. Vive as consequências do escândalo provocado por uma sua primeira exposição com fotos de mulheres nuas num bordel de Berlim, fotografa festas sociais, é agredida numa manifestação fascista em Londres, faz reportagem de guerra, e, enquanto viaja ao passado, transporta-nos para as deambulações do seu presente. Amory é uma poderosa voz feminina, mesmo se em dada altura se classifica a si própria como uma relíquia do passado. Amanhã o Expresso começa a publicar uma seleção de obras de Camilo Castelo Branco. Arranca com “Amor de Perdição”, que deu um dos grandes filmes de Manoel de Oliveira. Escrito em apenas 15 dias, quando Camilo esteve preso na Cadeia da Relação do Porto devido aos amores adúlteros com Ana Plácido, com quem compartilhou cadeia, mas em celas diferentes, o romance retrata a tragédia amorosa entre Teresa Albuquerque e Simão Botelho, figura inspirada, outros diriam decalcada, de um tio de Camilo.
Era visto como um permanente causador de problemas e acabou enviado
para o degredo, não por qualquer crime passional, como Simão Botelho,
mas por crimes bem mais graves. Na cadeia, Ana Plácido dispunha de criada e tinha um piano ao seu dispor. Conta-se que quem por ali passava conseguia por vezes ouvir a lânguida voz de Ana a tocar e cantar árias da Traviata. Uma boa forma de entrar nos bastidores desta criação camiliana é pegar no indispensável “Camilo Broca”,
de Mário Cláudio, até para se ficar a saber que “Brocas” era um dos
apelidos da família de Camilo. Já agora, aproveite para visitar a Cadeia
transformada em Centro Português de Fotografia e visite a cela onde o
escritor esteve preso. Está servido o seu Expresso Curto. Ao
longo do dia terá toda a informação no Expresso On line e no Expresso
Diário. Ao longo dos próximos dias experimente ouvir os artistas que preenchem o cartaz do Festival Músicas do Mundo, que decorre em Sines de 22 a 30 de julho. É, no género, um dos melhores da Europa e traz-nos as músicas que escapam às formatadas listas da generalidade das rádios.
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