Terá o susto do Brexit influenciado a decisão dos eleitores espanhóis?
Ninguém pode responder de ciência certa, mas a verdade é que domingo as
sondagens voltaram a enganar-se e umas eleições de que poderia ter
resultado um bloqueio ainda maior do que aquele que levara Espanha pela
segunda vez às urnas no espaço de seis meses
acabaram por proporcionar alguma clarificação.
Primeiro, porque o PP saiu delas ainda mais primeiro, com mais votos e
mais deputados. Depois, porque os grandes derrotados foram os dirigentes
do Podemos Unidos, que em conjunto perderam quase um milhão de votos.
Por fim, o PSOE sobreviveu, conseguindo manter-se como segundo partido
mesmo com o seu pior resultado de sempre. Comecemos por isso o
Macroscópio de hoje pelo que se passou aqui ao lado, mesmo sendo
inevitável que o terminemos com mais algumas referências às ondas de
choque do Brexit.
Na imprensa portuguesa praticamente só o Observador ofereceu já aos seus
leitores algumas leituras sobre o que se passou em Espanha. Fizemo-lo
em
5 opiniões para ler os resultados das eleições espanholas:
- Rui Ramos: A brincadeira começa a chegar ao fim? (“Com
o Brexit, viu-se pela primeira vez que algo podia acontecer. Talvez a
sanidade não tenha voltado ao continente. Mas a partir da semana
passada, a loucura passou a ter um preço.”)
- José Manuel Fernandes: Os extremismos não são uma fatalidade (“Em
Espanha não ficou tudo igual porque o vento mudou de direcção. A
derrota dos radicais do Podemos e a vitória do PP mostram que a Europa
não está condenada a sucumbir aos cantos de sereia populistas.”)
- Helena Matos: Adeus à coleta. Viva a velha política (“A
desproporção entre o que parece mediaticamente ser o apoio da sociedade
espanhola aos radicais de esquerda e aquilo em que esse apoio se traduz
em votos é um caso a merecer sério estudo.”)
- Filomena Martins: Bloqueio de personalidades (“Seis
meses depois voltou a ficar quase tudo na mesma. Se antes não houve
acordos, será possível fazê-los agora, quando os líderes já trocaram as
piores ofensas? Vem aí uma belgicalização espanhola?”)
- Nuno Garoupa: Podemos jogou e perdeu quase tudo, o bloqueio institucional segue dentro de momentos (“Temos
praticamente o mesmo Parlamento espanhol de há seis meses, com um
ligeiro avanço do PP e perda de todas as outras forças. Com este novo
Congresso o bloqueio institucional não foi solucionado.”)
Das reacções na imprensa espanhola, o meu primeiro destaque vai para um texto do El Confidencial com título sugestivo:
Europa celebra en España la primera derrota del populismo tras el Brexit. Nele Ignacio Varela defende que “
España
fue uno de los primeros países en los que se manifestó el nuevo
populismo como un fenómeno político emergente asociado a la ira social
frente a la crisis; y desde ayer es también el primero en el que esa
marea populista, aparentemente incontenible, ha sido frenada. Y se ha
hecho de la mejor forma posible: votando en unas elecciones
parlamentarias, aunque hayan sido tan extrañas como estas.”
No que diz respeito às soluções defendidas para a formação do próximo
Governo, a imprensa coincide em considerar que essa tarefa deve
pertencer ao vencedor das eleições, o PP, e que se este deve dialogar,
os outros partidos não devem bloquear uma solução, prolongando a agonia
dos últimos seis meses. Mas nem todos defendem a mesma solução. No El
Pais, no editorial
Formar Gobierno, prefere-se que o segundo partido, o PSOE, fique fora do Governo, mas permita governar: “
Desde
la prioridad absoluta de facilitar la gobernabilidad, el PSOE debe
escuchar el mandato de los electores de que permanezca en la oposición y
permita con su abstención que gobierne aquel que tenga los votos
necesarios para hacerlo.” Já no “El Rugido del Léon” do El Español,
Vuelta a empezar: aprendamos de los errores defende-se uma coligação tripartida, com PP, PSOE e Ciudadanos: “
Un
pacto a tres (…) daría la estabilidad necesaria. Además facilitaría la
incorporación del PSOE, que ya fue capaz de llegar a acuerdos con
Ciudadanos. Entre ellos suman 254 escaños. Esa alianza debería
sustentarse en una agenda de reforma política ambiciosa que incluyera
cambios en la Constitución. Son los tres partidos que pueden garantizar
regeneración y unidad. Ni España ni los españoles merecemos (…) vivir
permanentemente el día de la marmota.” Finalmente Márius Carol, director do La Vanguardia de Barcelona defende, em
Una foto retocada, que “
No
será fácil conseguir un acuerdo de legislatura, pero nadie quiere unas
terceras elecciones, que no arreglarían nada y debilitarían la
democracia. El PSOE tendrá muchas presiones para conseguir que se
abstenga en una segunda votación para elegir presidente.”
Facto maior destas eleições foi a derrota da coligação imaginada pelo
Podemos, uma derrota inesperada e pesada, pois não apenas não conseguiu
“el sorpasso” do PSOE, como se traduziu numa enorme sangria de
eleitores. Haverá nos próximos mais análises sobre o que se passou com a
formação dirigida por Pablo Iglesias, que tão acarinhada foi pelos
órgãos de informação e tão pouco logrou. Deixo contudo duas reflexões
publicadas ainda antes das eleições e que me parecem interessantes. A
primeira é do filósofo Fernando Savater que, numa entrevista ao
Huffington Post espanhol, defendeu que
"Pablo Iglesias es el símbolo de lo que no necesita España". Eis o que diz sobre ele:
Podemos ha entrado a devorar el espacio de izquierdas. IU era el
embrión del que salió Podemos. En el fondo, Iglesias y etcétera es gente
que no encontró el espacio de su ambición en Izquierda Unida, se
salieron fuera y ahora se han fagocitado aprovechando que Alberto
Garzón es un buen chico pero muchas luces no tiene. Entonces, se lo han
llevado al huerto con bastante facilidad. Iglesias es un líder
populista, de origen comunista. Es el símbolo de lo que no necesitamos
en este momento ni en España ni en Europa.
Ainda sobre Iglésias, vale a pena citar uma nota do historiador e sociólogo Santos Juliá que mantém uma coluna no El Pais,
A Rad de Historia. Em
¿Qué hay de lo nuestro? escreve que
“por vez primera, un partido que en su estructura central es poco más
que un coro —dirección coral lo llaman— en torno a una figura-referente y
diz que carismática, y con una organización territorial a base de
pequeños grupos de amigos, opta con probabilidades de éxito a
convertirse en determinante para la formación de Gobierno. El motivo
principal, aparte del manejo de la televisión como instrumento para la
consolidación de un público adicto, es que su irrupción ha coincidido,
no por casualidad, con una atomización extrema del sistema político
debida a la presencia de formaciones políticas que solo aspiran a ocupar
un ámbito local o regional: mareas, ahoras, en comunes, compromís…”
Sobre Espanha fico-me hoje por aqui, pois desejo ainda referir algumas
leituras sobre o Brexit. A primeira é uma longa reflexão de Timothy
Garton Ash, que aqui apresento na sua tradução para espanhol:
‘Brexit’: reflexiones sobre una gran derrota.
Não é possível sintetizar toda a riqueza e interesse desta reflexão em
poucas linhas, pelo que vos deixo apenas um aperitivo sobre a forma como
o historiador se sente também co-responsável pelo que aconteceu: “
Mírense
en el espejo y repitan conmigo: la culpa también es nuestra. ¿Cómo es
posible que los educadores hayamos dejado pasar un relato tan simplista
sin refutarlo con algunos de los sólidos argumentos de historia y
ciencias sociales que se enseñan en el colegio y la universidad? ¿Cómo
es posible que los periodistas hayamos permitido a la prensa
euroescéptica que dijera lo que le daba la gana y marcara el programa
informativo diario de la radio y la televisión? ¿Cómo es posible que los
europeístas hayamos subestimado hasta tal punto el doloroso sentimiento
de pérdida por la europeización que me he encontrado al ir de puerta en
puerta pidiendo el voto por la permanencia, y que ahora grita en las
papeletas de la otra mitad de Inglaterra?”
Uma das novidades dos dois últimos dias é o aparecimento de vozes a
defender que ainda é possível evitar a saída do Reino Unido da União
Europeia, porventura até repetindo o referendo, mesmo sendo esse
um cenário já descartado
por David Cameron. Como poderia isso acontecer? Para ter uma ideia vale
a pena ler Gideon Rachman, comentador de assuntos internacionais do
Financial Times, que é sincero:
I do not believe that Brexit will happen.
A sua tese é que a Europa pode ceder a algumas das reivindicações do
Reino Unido por forma a criar condições para convocar um segundo
referendo, à semelhança do que já sucedeu noutros países, mesmo que mais
pequenos e de forma menos dramática. Eis o seu ponto: “
Of course,
there would be howls of anger on both sides of the Channel if any such
deal is struck. The diehard Leavers in Britain would cry betrayal, while
the diehard federalists in the European Parliament — who want to punish
the UK and press on with “political union” in Europe — will also resist
any new offer. But there is no reason to let the extremists on both
sides of the debate dictate how this story has to end. There is a
moderate middle in both Britain and Europe that should be capable of
finding a deal that keeps the UK inside the EU.”
A tese de que é possível uma qualquer espécie de compromisso não é
defendida entre adeptos do “remain”, mas também por jornalistas que
defenderam o “leave”, como foi o caso de Ambrose Evans-Pritchard do
Telegraph. Em
Parliament must decide what Brexit means in the interests of the whole Kingdom defende a ideia de uma espécie de Brexit aligeirado: “
Boris
Johnson, Dan Hannan, and others in the sovereignty camp are signalling
that they could live with a Brexit compromise that accepts EU migrant
flows, but going back to pre-Maastricht rules that guaranteed only the
right to work, before the concept of EU citizenship. This would be a
modified variant of the Norwegian Model, or European Economic Area
(EEA). A "soft-Brexit" would be accepted by the vast majority of
Parliament, which has a duty in these unique circumstances to act on
behalf of citizens who voted for Remain and as well as for Leave. This
is not an event where the winner takes all.”
Como vêem o debate prossegue, seguindo por caminhos talvez inesperados
mas que indicam que a passagem dos dias parece estar a acalmar os
espíritos. Despeço-me pois com esta nota de algum optimismo,
desejando-vos bom descanso e boas leituras.