Os britânicos vão amanhã escolher o seu Parlamento - aquele mesmo Parlamento de que se orgulham, com razão, por ser o mais antigo do mundo. Mas dessa eleição pode sair um impasse, pois as sondagens dão os dois principais partidos quase empatados e longe de uma maioria absoluta. Não é algo que seja habitual suceder naquela câmara para onde os deputados são eleitos círculo a círculo, por maioria simples, mas desta vez é o mais provável. Vai ser um longo dia e, sobretudo, uma longa noite eleitoral, e ninguém sabe quem estará sexta-feira no nº 10 de Downing Street.
Há várias questões em causa neste escrutínio, e talvez a mais importante seja a relativa à futura relação do Reino Unido com a Europa, como hoje lhe explicávamos num especial do Observador,
Reino Unido. Sair ou não sair da UE? Eis a questão.
Este também era um dos temas seleccionados pelo Wall Street Journal neste trabalho de síntese sobre o que está em jogo:
5 Policy Areas&nb sp;That Could Shape the U.K. Election. São elas, para além da Europa, as diferentes propostas para a economia, o sistema fiscal, o sistema de saúde e a política de imigração. Uma das áreas onde a clivagem é maior é no sistema fiscal, onde os conservadores querem descer os impostos e os trabalhistas querem subi-los. Vejamos como:
Conservative: Increase the rate at which workers start paying income tax to £12,500 a year and raise the higher rate threshold to £50,000.Labour: Raise the top rate of income tax to 50% from 45% for those earning over £150,000 a year and introduce a levy on homes worth more than £2 million.É caso para dizer: pelo aqui há clareza nos propósitos.
Quanto ao que pode acontecer depois das eleições de amanh ã, um bom guia para perceber o sistema eleitoral britânico e as hipóteses em aberto é o publicado pelo El Pais,
10 preguntas y respuestas sobre las elecciones británicas más reñidas. Exemplo de uma dessas questões:
4. Entonces, ¿podría gobernar un partido que obtenga menos escaños que su adversario?Técnicamente, sí. El Manual del Gobierno, algo así como la guía de la legislación constitucional británica, no dice en ninguna de sus 107 páginas que el partido con más escaños deba ser el que forme Gobierno. Lo hará e l partido que tenga una mayoría de escaños, pero si ninguno la tiene –como parece que será el caso este jueves- , el Gobierno lo formará “quienquiera que sea más capaz de hacerse acreedor de la confianza de la Cámara de los Comunes”. El primer intento corresponde al primer ministro. Sin embargo, habría que remontarse al Ejecutivo laborista de Ramsay Macdonald en 1924 para encontrar un caso de un Gobierno formado por un partido que no hubiera obtenido el mayor número de escaños. Mas talvez mais excitante do que conhecer as propostas dos partidos e os meandros do sistema eleitoral, seja conhecer algumas análises críticas sobre o que está em disputa. Começo pela de Douglas Murray, na Spectator,
This election cam paign has shown a democracy in a horrible state of disrepair. O autor entra a matar: “
It is often said that we get the politicians we deserve. But throughout this election I have kept wondering, ‘Are we really as bad as all this?’ The answer must be ‘yes’. This bland and empty ‘campaign’ has not only been the fault of the main parties competing to govern the UK – it has also been a reflection of what they believe we, the general public, now expect from our politics.” No Telegraph, Charles Moore considerou que
Mr Cameron is at his best at one minute to midnight. É um texto onde explica o que considera ser realmente importante nestas eleições: “
To be precise, this election is about two things – the economy and the fut ure of the United Kingdom. The first is linked to the second because of electoral arithmetic. If Mr Miliband is to become prime minister, he probably will not be able to sustain it without Scottish National Party votes. Those votes will be cast in favour of extreme socialist measures and anything which will help break this country apart. These are not new thoughts but, as sometimes happens in campaigns, they are belatedly becoming real to people. These games about minority governments are more migraine-inducing for Labour than for the Conservatives.” O tema dos governos minoritários também preocupou David Marquand, do Guardian, que de alguma forma procurou desdramatizar a hipótese de formação de um governo minoritário (o único que os trabalhistas poderão estar em condições de formar). Em
Britain hasn’t just survived minority governments – it has thrived under them considerou que “
To question the ‘legitimacy’ of a Labour-SNP government is bizarre and self-interested. Such arrangements were not uncommon in the 20th century”. Uma parte dos governos minoritários que recorda ocorreram contudo no início do século XX, numa época de reconfiguração do sistema político inglês, quando os Trabalhistas tomaram gradualmente o lugar dos Liberais como grande partido rival dos Conservadores. Será que estamos de novo a viver um tempo desses, de reconfiguração da paisagem política? Não sabemos ainda, mas sabemos que sexta-feira haverá, pelo menos, um Parlamento britânico bem mais fragmentado do que o habitual.
Referência ainda para um texto muito crítico – e muito crítico de todos os partidos –, o de Martin Wolf no Financial Times:
Why neither main UK party is competent. Neste caso a análise é mais económica e o conhecido comentador defende que “
The time has come to shift the focus from fiscal deficits and debt”. Eis como fecha a sua análise: “
The UK faces really big economic challenges. It confronts equally huge questions about its place in the world and in Europe, as well as its own constitutional future. Neither main party offers convincing responses to these challenges. Have no illusion: real competence is not on offer, either in economics or, in truth, much else.” Antes de deixar o Reino Unido para vos chamar rapidamente a atenção para outras temas – temas que são também sombras que pairam sobre a Europa –, deixem-me apenas lembrar um outro especial do Observador –
O destino do Reino Unido nas mãos dos escoceses? – onde se explica muito bem como poderão os nacionalistas escoceses, derrotados no referendo do ano passado, conseguir quase todos os lugares em disputa, desalojando os trabalhistas, há muito o partido mais representativo na Escócia.
Mas se no Reino Unido aquilo que enfrentamos são os dilemas da formação de uma maioria de governo num país onde isso não costuma ser problema, na Europa continental assistimos, nos últimos dias, a dois desenvolvimentos que não nos devem deixar tranquilos pois levantam muitas interrogações
O primeiro foi a mudança da lei eleitoral em Itália. Na Stratfor é possível ler uma análise bastante completa do que se passou - How Electoral Reform Will Affect Italian Politics – e perceber que esta nova mudança do sistema eleitoral, apresentada como tendo por objectivo uma maior governabilidade, pode acabar por distorcer alguns dos princípios da sã representação democrática. Promovida por um primeiro-ministro de esquerda, Renzi, convém recordar que esta lei que entrega automaticamente a maioria dos deputados ao partido que tiver mais de 40% dos votos pode conhecer uma versão espanhola, aqui ao lado promovida por um partido de direita, o PP de Rajoy. É Uma evolução a seguir com atenção.< br>
Noutra frente, igualmente relacionada com democracia, liberdades e garantias, testemunhámos ontem a aprovação pelo Parlamento francês (de novo com uma maioria de esquerda) de uma lei que dá poderes excepcionais às agências de espionagem em nome do combate ao terrorismo. Para vermos o que mudou, socorro-me da análise do New York Times -France’s Push to Expand Surveillance Is Predictable but Possibly Futile – e da descrição que faz dessas medidas:
What Would the Law Allow?
The intelligence services could analyze vast quantities of digital data pertaining to a large swath of French society.
Some of the provisions:
The authorities could install recording and filming d evices in people's homes or cars or private space. They could also bug their computers, cell phones and other digital devices.
Associates of people under surveillance could also have their communications monitored, regardless of whether they are implicated in potentially illegal acts.
The right of surveillance would also apply to people in France communicating with someone outside the country.
Em síntese, como se escrevia no Wall Street Journal, Lawmakers rally behind legislation that expands the government’s ability to spy on communications.
De novo, não se fica demasiado tranquilo. Mas por hoje o Macroscópio fica por aqui, desejando-vos, como sempre, bom descanso e boas leituras.