Os leitores mais antigos do Macroscópio – os que já o liam em 3 de Junho do ano passado, pouco depois do lançamento do Observador – talvez ainda se recordem que, na altura, dediquei a newsletter desse dia a “O Capital no Século XXI”, a obra de Thomas Piketty que então estava a incendiar controvérsias um pouco por todo o lado. Agora foi a vez de ele vir Lisboa, numa visita em que fez uma
conferência na Gulbenkian e teve encontros políticos – uns mais breves com
António Costa e com
Sampaio da Nóvoa, outro que incluiu almoço com Rui Tavares. O maior ou menor envolvimento político de académicos, mesmo quando mais estridente – Piketty
recusou este ano receber a Legião de Honra que o governo francês lhe queria entregar – não implica que não se considere e debata a sua obra. Keynes, por exemplo, sempre se envolveu na política, apoiando o Partido Liberal (e, ao contrário do que hoje se poderia pensar, criticando duramente os socialistas).
Comecemos pois por recordar apenas alguns dos artigos já referidos em anteriores edições do Macroscópio. E fazemo-lo pelo Observador, pois já publicámos dois longos especiais:
O Capital segundo Piketty, uma apresentação mais técnica da obra e que foi escrita pelo antigo ministro das Finanças Vítor Gaspar – “
Gostei e continuo a ler Piketty – recomendo-o. Sendo assim é claro que tenho imensas opiniões sobre o livro. Demasiadas para o propósito desta recensão. Pelo que me concentrarei em dois aspetos que me parecem fundamentais.” –; e
Falemos de desigualdade, uma crítica Carlos Guimarães Pinto ao seu conteúdo e que incidiu já na tradução portuguesa - "C
ontradizendo a teoria do livro, nos EUA apenas um décimo das 400 maiores fortunas da década de 1982 se mantinham nessa lista em 2012. As grandes fortunas, principalmente as herdadas, tendem a diminuir". Na imprensa portuguesa, destaque ainda para um texto do Público, mais descritivo, de Sérgio Aníbal, “
Anda por aí um novo Marx”.
Outos textos referidos na altura:
- Martin Wolf, no Financial Times, considerou que “Piketty makes bold and obviously “unrealistic” policy recommendations”;
- Paul Krugman, escreveu uma longa recensão na New York Review of Books, isto depois de ter considerado estarmos porventura perante o “livro da década” no New York Times;
- Chris Giles fez uma crítica muito dura no Financial Times, onde escreveu: “I discovered that his estimates of wealth inequality – the centrepiece of Capital in the 21st Century – are undercut by a series of problems and errors. Some issues concern sourcing and definitional problems. Some numbers appear simply to be constructed out of thin air.”
- Robert J. Samuelson escreveu Not your grandpa’s inequality, no Washington Post;
- A Economist fez uma recensão, All men are created unequal, e ainda uma longa série de artigos, Reading "Capital", em que expõe de forma detalhada o conteúdo da obra;
- O Wall Street Journal preparou um perfil, Thomas Piketty, a Not-So-Radical French Thinker, mas depois foi mais crítico na recensão - Thomas Piketty Revives Marx for the 21st Century:
- Matin Feldstein, no mesmo Wall Street Journal, foi mais ácido em Piketty's Numbers Don't Add Up;
- Philip Booth fez uma crítica a partir da perspectiva da escola austríaca em Unpicking Piketty on pensions.
Feito este breve recordatório do que de mais importante foi passando pelo Macroscópio sobre o livro de Piketty, juntemos mais alguns textos a merecerem serem conhecidos, até porque entretanto ocorreram várias polémicas, a mais recente das quais desencadeada por um jovem estudante de doutoramento do MIT (
Massachusetts Institute of Technology), Matt Rognlie, que fez três críticas importantes a algumas das conclusões do economista francês. A Bloomberg fez uma boa síntese:
Piketty's Three Big Mistakes. Eis uma das suas observações:
Piketty doesn’t take depreciation into account. As capitalists accumulate more and more machines, buildings and other hard assets they have to pay more and more to maintain that physical capital. Trucks need new tires. Offices need renovation. What Rognlie notices is that this upkeep cost has been increasing over time. Nowadays, more than in the past capital goods are often in the form of computers, software and other high-tech products that go obsolete very quickly. That means that capitalists have to spend more money replacing these things. A lot of what looks like more money going into owners’ pockets is really just an increased cost of doing business. O tema também mereceu a atenção da Economist -
NIMBYs in the twenty-first century –, aí se escrevendo, por exemplo, que “
Mr Rognlie finds that the growing share of national income deriving from capital income has not been distributed equally across all sectors. The return on non-housing wealth, in fact, has been remarkably stable since 1970 (see chart). Instead, surging house prices are almost entirely responsible for growing returns on capital.” Uma nota ainda para Jake Meyer, um outro estudante de doutoramento, que fez também um bom apanhado dessas críticas no blogue Quora:
What is the crucial point of the critique that Matthew Rognlie has delivered to Thomas Piketty? Uma crítica com mais peso veio também do mesmo Massachusetts, num
papper de dois professores consagrados: o economista Daron Acemoglu, do MIT, e o cientista político James Robinson, de Harvard. Fizeram-no em
The Rise and Decline of General Laws of Capitalism, de que podemos encontrar também o resumo feito por Angela Chen para o Wall Street Journal,
Thomas Piketty’s Focus on the 1% Is a Flawed Measure of Inequality, Paper Says. Pequeno extracto:
Acemoglu (…) says a focus on the top 1% is a flawed way to measure inequality, as can be found in the historical example of South Africa. Since apartheid was designed to keep political and economic power in the hands of the 20% white population of South Africa, it was by definition a very unequal place during this time. Measures such as black versus white wages or the Gini coefficient, which looks at an overall measure of inequality in society, reflect this, and show that inequality increases when apartheid was strong. But the top 1% share metric tells the opposite story. (…) He argues that political changes are often responsible for these shifts, and such changes can be measured well by wage comparisons or the Gini coefficient, but are generally ignored by Piketty. A fechar, mais algumas referências alguns textos de fundo. Começo por um da conservadora Heritage Foundation,
Understanding Thomas Piketty and His Critics. Eis a apresentação desse estudo de Curtis S. Dubay e Salim Furth:
Thomas Piketty’s Capital in the Twenty-First Century is a treatise on how wealth inequality evolves in capitalistic economies. Piketty uses data stretching back to the 18th century to describe the historical evolution of wealth and inequality, proposes a model that matches the data, and uses that model to predict rising wealth inequality in the 21st century. He recommends punitive taxes on high incomes and wealth to prevent the scenario that he predicts. However, the best critiques of Piketty have shown that most of the links in his argument are broken. Piketty’s model does not match his data as well as he claims. His prediction of permanently rising wealth inequality rests on two implausible modeling assumptions. And his recommendation of punitive taxes is based on the glib assumption that capital accumulation is unimportant for wage growth, an assumption at odds with the data and even with his own model. As a result, almost nothing in Capital in the Twenty-First Century can be applied usefully to policymaking. É possível encontrar um resumo deste longo ensaio em The Federalist:
Six Demonstrably False Claims In Thomas Piketty’s Theory Of Wealth.
Numa perspectiva diferente, mais simpática para as teses de Piketty mas também com algumas reservas, chamo a atenção para a posição de Lawrence H. Summers, que foi secretário do Tesouro na administração Clinton. Saiu no
Democracy – A Journal of Ideas e chama-se
The Inequality Puzzle, e nele se conclui que “
Thomas Piketty’s tour de force analysis doesn’t get everything right, but it’s certainly gotten us pondering the right questions.”Isto porque “
Books that represent the last word on a topic are important. Books that represent one of the first words are even more important. By focusing attention on what has happened to a fortunate few among us, and by opening up for debate issues around the long-run functioning of our market system, Capital in the Twenty-First Century
has made a profoundly important contribution.” Deixei propositadamente para o fim a crítica de alguém que podemos considerar parte interessada: Bill Gates. O antigo patrão da Microsoft e um dos homens mais ricos do mundo, mas também criador de uma fundação benemérita a que doou uma boa parte da sua fortuna, escolheu para título do seu texto um título que pode surpreender:
Why Inequality Matters. Ou seja, não discorda das críticas à desigualdade, mas diverge das soluções propostas, nomeadamente a forma como Piketty gostaria de taxar o capital: “
But rather than move to a progressive tax on capital, as Piketty would like, I think we’d be best off with a progressive tax on consumption. Think about the three wealthy people I described earlier: One investing in companies, one in philanthropy, and one in a lavish lifestyle. There’s nothing wrong with the last guy, but I think he should pay more taxes than the others.” E por aqui me fico por hoje, com um Macroscópio que, desta vez, foi completamente monotemático. Mas se, ao discutirmos Piketty, debatermos o problema das desigualdades, alguma coisa se ficará a ganhar. Mesmo discordando das suas teses ou do seu envolvimento mais político.
Bom descanso, boas leituras, e até amanhã.