O tempo passa e a Grécia não sai do topo da actualidade. Esta semana Atenas terá de fazer dois pagamentos ao FMI – o primeiro, agendado para hoje, de 580 milhões de euros, o outro na sexta-feira, de mais 350 milhões – e tem ainda 1,6 mil milhões em bilhetes do tesouro que também vencem esta semana. Isto quando o dinheiro está a desaparecer rapidamente dos cofres públicos e não há sinais de que as negocições com a União Europeia cheguem rapidamente a bom porto. Apesar de o ministro das Finanças considerar que a
Grécia tem apenas um "pequeno" problema de tesouraria, a verdade é que não há dia em que a tensão não aumente. Depois do episódio de um erro de tradução de uma frase do ministro das Finanças alemão que levou a
um pedido de desculpas precipitado por parte do Governo grego, o caso mais recente roda em torno da divulgação de uma vídeo onde, numa conferência em Zagreb há dois anos,
Varoufakis faz um pirete à Alemanha no meio de um discurso bastante agressivo. Regressemos por isso a este tema, pois não falta material de leitura.
Comecemos por um primeira polémica, a das eventuais reparações que a Alemanha teria de pagar à Grécia por causa das devastações causadas pelos nazis durante a II Guerre Mundial. Trata-se de um tema que aprofundámos aqui no Observador, através de um Especial de Nuno Martins:
Grécia, Alemanha e as reparações. Uma guerra complicada. Nesse texto, além de se recordarem casos que já passaram por tribunais na Grécia e em Itália, assim como as reivindicações actuais do governo de Atenas, o texto conclui: “
A Grécia pode seguir nos próximos meses para os tribunais internacionais, mas as decisões mais recentes não inspiram grande confiança para os lados das pretensões gregas.” A revista alemã Spiegel também abordou este tema, entrevistando um jurista, Frank Schorkopf, professor de Direito Internacional na Universidade de Göttingen. Bem sei que o texto em causa –
'Strong Moralizing': A Legal Look at Greek Reparations Demands– saiu numa revista alemã e as opiniões são as de um jurista alemão, mas interessa conhecer os argumentos. Depois de recordar os processos jurídicos anteriores em que a Grécia poderia ter pedido mais reparações, Schorkopf tem uma interpretação para esta nunca o ter feito antes desses acordos terem sidoo fechados:
In the past decades, Germany has provided enormous transfer payments, to Greece as well -- not as reparations, but as a part of European integration. We are talking about a figure in the high double-digit billions, a sum that easily reached the level of possible reparations payments. Greece could always count on support. When the country was accepted as a member of the European Community in 1981, it was a tottering candidate. In in 2001, when Greece was admitted into the economic and currency union, people didn't look very closely when the Greeks falsified their accounts. (…) In unspoken terms, these associated transfers of wealth were the implicit way in which Germany sought to do justice to its responsibility for World War II. Outro tema: a conferência que Varoufakis deu este fiim-de-semana num hotel de luxo, o
Villa D’Este, localizado numa selecta região de Itália, o Lago Como, uma conferência onde, como noticiava ontem o Financial Times,
Varoufakis spreads gospel of radical reform to Italy’s capitalists. Também a noticiámos aqui no Observador –
Varoufakis propõe "Plano Merkel" para crescimento– mas vale a pena ler o documento na íntegra, no blog do próprio,
http://yanisvaroufakis.eu/:
Presenting an agenda for Europe at Ambrosetti (Lake Como, 14th March 2015). Pequeno extracto:
Something else is needed. Allow me to foreshadow what that ‘something’ might be. I call it a process of Decentralised Europeanisation. The long and the short of it is simple: We need to simulate a federal euro governance without federation, without further loss of national sovereignty, and under the existing Treaties. O activismo mediático das autoridades gregas nos últimos dias não se ficou por aqui. Recordemos que o próprio Varoufakis
admitiu congelar promessas eleitorais, ao mesmo tempo que o ministro da Defesa anunciava que
queria introduzir um capítulo sobre reparações de guerra alemãs nos livros escolares. Mas o que mais deu que falar foi, naturalmente, a sessão fotográfica do ministro das Finanças para a revista francesa Paris Match, com vários episódios:
A mulher, o piano e o vinho branco de Varoufakis; depois
As reações ao vinho branco de Varoufakis; e, por fim, a notícia de que
Varoufakis acabou por se arrepender da sessão fotográfica.
Este caso foi ponto de partida para uma reflexão de Rui Ramos, aqui no Observador:
O piano de Varoufakis e as cozinhas de Milliband. Ao associar o episódio grego a uma controvérsia britânica – a decisão do líder trabalhista de se fazer fotografar na acanhada cozinha pequena de sua casa, e não na espaçosa cozinha principal – desenvolve a seguinte ideia:
A revelação dos luxos de esquerda proporciona quase sempre pequenos exercícios de censura moral, do género “eis como vivem os supostos defensores dos pobres”. É uma rotina antiga, de que as primeiras vítimas foram os padres católicos, regularmente repreendidos por viverem acima do desprendimento evangélico. (…) Mas talvez o melhor seja tentar perceber se este tipo de lapso de luxo pode servir a causa da esquerda radical. Este episódio deixou uma parte da imprensa grega furiosa. O Times of Change, TheTOC, em
Varoufakis inexplicably poses for Paris Match, escreve o seguinte:
If one needed any additional evidence that in its negotiations with the Greece's lenders, the SYRIZA-led government lacks seriousness and any cohesive strategy – at least at the public relations level – it can be found between the covers of the March 18th edition of the Paris Match magazine. (…) Perhaps at another time and place such a photo-shoot would be more understandable, perhaps even charming. For the moment however, it just appears insane. Or perhaps, to borrow a phrase that has been in the news recently, foolishly naïve. Deixemos agora estes episódios, por mais significativos que sejam, para passar em revista alguns artigos que ajudam a recordar e interpretar não só o que se passou nestes primeiros 50 dias de governo Syrisa em aliança com a direita nacionalista, como a tentar perceber o que aí vem.
Começando pelo balanço, chamo a atenção para o preparado por Edgar Caetano para o Observador,
50 dias de Syriza. Das promessas ao mundo real. Deixo-vos um extracto: “
A sondagem que mostra a descida do apoio ao governo Syriza “sugere que a euforia inicial de que o governo Syriza poderia assegurar uma renegociação fantástica com os parceiros europeus deu lugar a um choque com o mundo real“, diz Kevin Featherstone. Tal como o grego Thanos Veremis, Kevin Featherstone, considera que os primeiros 50 dias de Syriza têm sido “tempos de improvisação eaprendizagem rápida“. “A abordagem do Syriza tem sido depopulismo progressivo e, nessa base, tem conseguido criar um apoio social alargado. Mas, por definição, esta abordagem dá aos críticos oportunidade para identificar a falta de realismo, as alterações de rumo e contradições entre retórica e substância, o que cria um risco de perda de fé na política“. No site da Open Democracy também encontrei um texto muito interessante, de Manos Matsaganis, um professor de Economia que se assume como um homem de esquerda que sempre esteve contra a austeridade. Mesmo assim, em
The trouble with Syriza, faz um retrato muito perturbante da política daquele partido-coligação e dos seus aliadas da direita nacionalista:
The party flourished because it adopted a deliberately nationalist-populist strategy: one enemy (the Troika of foreign creditors and their domestic servants), one solution (end austerity by repealing the bailout agreement with a single act of parliament on day one). This simple message has enabled the party to tap into a vast reservoir of wounded pride. (…) Exploiting ‘the politics of resentment’ turned out to be a resounding success for Syriza. But it was achieved at a price. The social coalition assembled at grassroots level blended left-wing anti-imperialists with right-wing nationalists. The two groups suddenly discovered they were fighting on the same side, against the same enemies. (…) Given the above, it should hardly come as a surprise that, on closer inspection, Greece’s ‘first Left government’ of young charismatic Alexis Tsipras is actually replete with reactionary/unsavoury personalities holding key cabinet portfolios. Quanto ao futuro, chamo-vos a atenção para a coluna de Simon Nixon no Wall Street Journal,
Greek Crisis Tests ECB’s Credibility. O interesse deste texto é que expõe de forma muito clara a forma como a falta de liquidez da Grécia, e dos bancos gregos, está a colocar enorme pressão sobre o Banco Central Europeu, que é neste momento o único fio que ainda impede um colapso imediato do país de Tsipras e Varoufakis. Só que o BCE caminha sobre brasas, pois não pode financiar directamente governos e as linhas que abriu para apoiar os bancos gregos assemelham-se cada vez mais a vias por onde o dinheiro escorre quase directamente para os depauperados cofres públicos. Eis como esse dilema é explicado:
Officials acknowledge that at a time of such acute stress, banks should ideally be cutting their exposures to illiquid government securities. Yet they also know that ordering banks to do so would have dire consequences for financial stability. For the moment, the ECB is allowing banks to roll over T-bill exposures. But some officials say that the longer this continues, the greater the risk to the ECB’s credibility as a bank supervisor. Termino com um texto mais político, uma reportagem da Spiegel sobre a crescente tensão entre o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claud Juncker, e a chanceler alemã, Angela Merkel:
Endgame: Power Struggle in Brussels and Berlin over Fate of Greece. O interesse do texto é mostrar como a unidade formal de Bruxelas é capaz de ser mais formal do que real. É que a questão é muito como a sintetiza a Spiegel:
“European Commission President Juncker wants to keep Greece in the euro zone, no matter what the price. Member states, though, are beginning to lose their patience. Who will ultimately have the final say?” Por hoje é tudo. Bom descanso e boas leituras.