Eleições 2015. Com a detenção de Sócrates voltou tudo à estaca zero
Pela lógica política, o PS iria ganhar as próximas eleições. Quatro anos de exaustão, de cortes de rendimentos, desemprego e arrogância da coligação PSD-CDS deveriam levar o PS tranquilamente ao poder, pela ordem natural da coisa política. Havia um problema no PS que se revelou na vitória mínima nas eleições europeias e foi resolvido: António José Seguro, cuja falta de eficácia na oposição ao governo era notória, tinha sido substituído na liderança. António Costa, um dos políticos mais experientes e carismáticos do PS, galvanizara militantes e simpatizantes e tinha sido alcandorado a candidato a primeiro-ministro ou mesmo, entre alguns sectores reflectidos nas sondagens, a salvador da pátria.De repente, tudo mudou. Há já algum tempo que Passos Coelho tinha abjurado o seu anterior mantra “que se lixem as eleições” e iniciado a subida da montanha. Ao contrário da lógica, Passos tinha-se convencido e tinha tomado em mãos a tarefa de convencer os sociais-democratas de que era possível ganhar as eleições ou perdê-las com o mínimo de danos possível.Com a eleição de António Costa, a coligação governamental arranjou um argumento novo que não podia utilizar com Seguro: Sócrates, a herança Sócrates, o governo Sócrates que, três anos depois, se mantém com baixa popularidade junto da opinião pública. Com a eleição de Costa nas primárias do PS regressaram à primeira linha do combate político muitos socialistas que tiveram grandes responsabilidades no consulado de Sócrates e que Seguro tinha afastado. No congresso da próxima semana, esse regresso deveria ficar expresso na eleição para os órgãos nacionais do partido.Se o amor a Sócrates é evidente em alguns sectores socialistas, o ódio a Sócrates atravessa amplamente a opinião pública e essa evidência está expressa nas sondagens. Conhecedor deste dado, António Costa não quis a presença de José Sócrates na campanha interna. Mais: procurou distanciar-se do antigo primeiro-ministro socialista nas matérias mais “hardcore” – da forma como lidou com os professores e as obras públicas até ao facto de ter estado no centro do processo Face Oculta, um processo morto à nascença pelo procurador-geral da República da altura, Pinto Monteiro, e pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça Noronha do Nascimento. Costa fez questão de dizer aos portugueses, no meio da campanha interna, num debate da Quadratura do Círculo: “Não podemos confundir é o alinhamento estratégico [do Estado] com a promiscuidade de interesses. Isso é que é inaceitável. E é inaceitável quer a motivação por parte de um governo para determinado grupo económico comprar ou vender aquele órgão de comunicação social, para determinar a sua linha editorial como é gravíssima a situação existente, e duradouramente existente, do domínio, por exemplo, da imprensa económica pelos grupos económicos”. Pacheco Pereira interrompeu Costa, dizendo: “Está a falar do engenheiro Sócrates, foi o que ele tentou fazer.” E Costa não pestanejou.Agora, ficou tudo muito mais difícil para o PS. Já não se trata de conseguir distanciar politicamente o novo PS da figura de Sócrates: o problema é que já não está em causa o governante polémico e o ex-primeiro-ministro sobre o qual impendiam suspeitas de ordem variada. Agora existe um fantasma da nova direcção socialista que sairá hoje do campus de Justiça com uma medida de coacção que pode ser a prisão preventiva.Se António Costa conseguiu, até ontem, afastar do discurso oficial do PS o caso, a realidade é que será difícil impedir os dirigentes mais próximos de Sócrates e muitos comentadores próximos do PS de reeditarem a teoria da cabala. Dez anos depois do processo Casa Pia, Costa sabe que qualquer discurso que envolva os socialistas a “marimbarem-se” para a separação de poderes será mortal para as aspirações eleitorais do PS. Mas não vai conseguir controlar todos os que não têm a frieza de raciocínio do secretário-geral.O PSD e o CDS obtiveram aqui uma benesse eleitoral inesperada. Se a estratégia de associar Costa a Sócrates já estava em curso, a coisa passou agora a antibiótico de largo espectro. Não foi inocentemente que ontem Passos Coelho proclamou numa sessão partidária que “os políticos não são todos iguais”.A verdade é que o Bloco de Esquerda confirmou ontem estar em frangalhos, o PCP aumenta ligeiramente dentro dos seus limites, o partido Livre é uma incógnita e até agora tem apenas como programa aliar-se ao PS. Existe Marinho e Pinto e uma coligação que depois da tempestade sonha com alguns indicadores económicos de bonança em 2015 e sonha agora mais do que nunca que nem tudo está perdido.
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ANTÓNIO FONSECA