Desta vez não resisti. A imagem de mais este Macroscópio vinha hoje no Telegraph. A ilustrar o texto de um dos mais iconoclastas cronistas de economia:
Ambrose Evans-Pritchard. Os seus textos são quase sempre polémicos, às vezes torrenciais, capazes de suscitar sentimentos contraditórios, mas capazes de nos porem a pensar. O de hoje, apesar de vir ilustrado com uma imagem do Titanic, era sobre a relativa boa notícia de a zona Euro ter evitado a recessão. Chamava-se “
Eurozone dodges recession but submerges in 'lost decade'”. A inspiração para o Titanic veio de uma citação do anterior ministro das Finanças de Itália, Stefano Fassina, para quem
““Titanic Europe” is heading for a shipwreck without a radical change of course.” Adversário do euro, Evans-Pritchard conclui o seu artigo de forma muito sombria:
The data for the eurozone are awful,” said Simon Tilford from the Centre for European Reform. “It is a sign of just how bad things have become that Europe’s leaders will jump on any glimmer of hope to justify policies that they still cling to doggedly. But the fact is that output is still several percent short of where it was in 2008, and massively short of where it should be. Moreover, we have probably passed the cyclical peak already,” he said. “The electorates in Italy and Spain have been stoical so far, but this is predicated on the belief that things will get better. There is a false sense of complacency about what will happen if this depression goes on for year after year,” he said. Procurei este colunista quando lia as reacções aos dados económicos que foram ontem divulgados. Em Portugal, soube-se que a
economia cresceu 0,2% no terceiro trimestre. Na
zona euro o crescimento foi fraco, sendo que a
Alemanha e França voltaram a crescer, mas pouco, enquanto a
Itália entrou novamente em recessão. Deverão estas estatísticas justificar algum optimismo ou reforçar o nosso pessimismo? As opiniões não coincidem.
Richard Barley, no Wall Street Journal, num texto intitulado “
Eurozone Growth Should Stay ECB’s Hand”, defendeu a ideia de que “
unexpected Acceleration Should Damp Expectations of More Central-Bank Stimulus”. Partindo da ideia de que “
the summer’s fears of a renewed eurozone economic collapse appear to have been greatly exaggerated”, Barley está moderadamente optimista:
Eurozone credit conditions are easing. And the fall in the euro, particularly if it continues, should help exporters. Some of these effects will take time to feed through to the real economy—but should make their presence felt in 2015. Structural reform remains vital, however, to boost long-term growth. Já Philipp Hildebrand, no Financial Times, preferiu olhar para o copo meio vazio: “
While third quarter GDP data in France surprised somewhat on the upside, Germany narrowly avoided sliding into a recession. From there things could easily get worse as debt overhangs keep growing, the global environment becomes less forgiving and radical political forces gain ground within the EU.” Pede por isso mais estímulos à economia, titulando: “
Leaders must urge Juncker to steer Europe back on the road to recovery”. Mas como hoje é sexta-feira, e vamos para fim-de-semana, não quero ficar pela economia. Na verdade, não fosse a imagem com que ilustro este Macroscópio, e talvez nem tivesse começado pela economia. Passemos por isso a outros temas, com outras sugestões de leitura mais substanciais.
Começo, como gosto sempre fazer, pelo Observador e por um dos vários especiais desta semana, um texto que suscitou muitos comentários e atraiu muitos leitores. Trata-se de um especial que já aqui referi e que assinala a passagem do quinto aniversário da morte do antigo guarda-redes do Benfica Robert Enke: “
O guardião que tinha medo de falhar e ‘se culpava muito’”. Não é uma história de futebol, apesar de também se falar de futebol – é sobretudo a história de um homem em luta com as suas depressões.
Mudo radicalmente de tema e de ares para indicar uma entrevista com o mais famoso e mais controverso dos secretários de Estado dos EUA nas últimas décadas, Henry Kissinger. Publicada na Spiegel -
'Do We Achieve World Order Through Chaos or Insight?'–, a entrevista explora o mais recente livro daquele político que é, também, um académico, “A Ordem Mundial”. Trata-se, de resto, de um livro que chegará terça-feira às livrarias portuguesas e do qual o Observador editará um extrato, em pré-publicação, na próxima segunda-feira (esteja, portanto, atento ao nosso site). Quanto à entrevista à revista alemã, reparem nesta passagem, de puro “kissinguismo”:
SPIEGEL: In your book you argue that America has to make its decisions about war on the basis of what achieves the "best combination of security and morality." Can you explain what you mean by that?Kissinger: No. It depends on the situation. What is our precise interest in Syria? Is it humanitarian alone? Is it strategic? Of course, you would always want to achieve the most moral possible outcome, but in the middle of a civil war you cannot avoid looking at the realities, and then you have to make the judgments.SPIEGEL: Meaning that for a certain amount of time, for realistic reasons, we could be on the side of Bashar Assad fighting Islamic State?Kissinger: Well, no. We could never fight with Assad. That would be a denial of years of what we have done and asserted. But frankly, I think we should have had a dialogue with Russia and asked what outcome we want in Syria, and formulate a strategy together. Termino por hoje com uma sugestão bem diferente sobre um tema que me é especialmente caro, a liberdade de expressão. Faço-o para chamar a atenção para um texto de John O’Sullivan, um jornalista que conheço bem e por quem tenho grande estima e que escreveu no Wall Street Journal sobre “
The New Threats to Free Speech”. Preocupado com algumas evoluções recentes, eis como descreve a situação:
Before the 1960s, arguments for censorship tended to focus on sexual morality, pornography and obscenity. The censors themselves were usually depicted as benighted moral conservatives—priggish maiden aunts. Freedom of political speech, however, was regarded as sacrosanct by all. As legal restraints on obscenity fell away, however, freedom of political speech began to come under attack from a different kind of censor—college administrators, ethnic-grievance groups, gay and feminist advocates. The new censors advanced such arguments as that “free speech can never be an excuse for racism.” These arguments are essentially exercises both in begging the question and in confusing it. While the principle of free speech cannot justify racism any more than it can disprove racism, it is the only principle that can allow us to judge whether or not particular speech is racist. Thus the censor’s argument should be reversed: “Accusations of racism can never be an excuse for prohibiting free speech.” E por hoje tudo, ou quase, pois quero ainda chamar a atenção de todos aqueles que seguiram a polémica suscitada pelo texto do
Avante sobre os 25 anos da queda do Muro de Berlim para duas peças jornalísticas bem interessantes:
a conversa semanal, aqui no Observador, entre Jaime Nogueira Pinto e Jaime Gama, onde esta quinta-feira se falou, com surpresa, de algumas falhas dessa leitura mais ortodoxa; e
a coluna de Francisco Assis no Público de ontem.
Só me resta desejar-vos um bom fim-de-semana, com muitas leituras.