Processo Revolucionário em Curso
11/12 de Março de 1975 - (39 anos)
Cartaz de propaganda de 1975, de João Abel Manta.
O Processo Revolucionário em Curso – por vezes referido como "Período Revolucionário em Curso" ou, com mais frequência, apenas pela sigla PREC – designa, em sentido lato, o período de actividades revolucionárias, marcante na História de Portugal, decorrido durante aRevolução dos Cravos, iniciada com o golpe militar de 25 de Abril de 1974 e concluída com a aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 19761 . O termo, no entanto, é frequentemente usado para aludir ao período crítico do Verão Quente de 1975, com o seu antes e o seu depois, que culmina com o Golpe Militar de 25 de Novembro2 3 4 .
Num sentido mais restrito, designa a acção dos partidos, quadros militares e grupos de esquerda que, por entre efervescente agitação popular e alguma desordem5 , conduziam o processo político do pós 25 de Abril «rumo ao socialismo». No processo estavam envolvidos militantes de uma vasta franja do espectro partidário de esquerda, desde o Partido Socialista(PS) aos mais radicais, como o barulhento e maoista MRPP. Entre eles, apesar da contenda ideológica, havia coesão cerrada em torno dos ideais de Abril e a convicção de que uma verdadeira justiça social seria instalada em Portugal.
A par das ocupações de terras6 e casas abandonadas, da Reforma Agrária7 8 , de melhorias importantes como o estabelecimento do salário mínimo, o processo levaria ao desmantelamento de grupos económicos ligados ao regime deposto, entre os quais a CUF, à nacionalização de empresas consideradas de interesse público, na banca, seguros, transportes, comunicações, siderurgia, cimento, indústrias químicas, celulose. Fizeram-se «saneamentos» no aparelho do Estado e nos meios de comunicação, com vista a afastar elementos indesejáveis do velho regime, substituindo-os por elementos afectos às forças políticas dominantes. Houve-os de vários quadrantes, sendo voz corrente que o Partido Comunista Português (PCP) beneficiou em número (era um partido bem organizado), o que não se lhes pode censurar se tivermos em conta os números depois alcançados em cargos desses por outros partidos do poder.
O Caso República9 (que culmina com a edição do jornal República de 19 de maio e com o seu encerramento até 18 de Julho) dará que falar10 11 12 13 : não será só pretexto para acusar o PCP de manipular a comissão de trabalhadores que ocupou as instalações do jornal República e expulsou o seu director, osocialista Raul Rêgo, como também será um excelente motivo para que os órgãos de informação internacionais se debruçassem de novo sobre a situação em Portugal14 . Uma grande manifestação em frente da sede do jornal, em que participam os notáveis do PS, é organizada para dar voz ao caso. As instalações seriam depois recuperadas e usadas para o lançamento de um novo diário, A Luta 15 , que durante alguns anos se tornaria voz do Partido. É a partir deste caso que se eleva por seu lado a voz de Mário Soares que, em tons dramáticos, acusa o PCP, em suma os «comunistas» portugueses, de serem responsáveis pelo estado do país. O tema e o tom manter-se-iam por muito tempo em inúmeros discursos feitos por toda a parte. A esquerda portuguesa sairia profundamente debilitada deste controverso caso16 .
No centro e norte do país, no Verão Quente, somavam-se entretanto os atentados bombistas17 de grupos extremistas de direita (Exército de Libertação de Portugal [ELP], Movimento Democrático de Libertação de Portugal [MDLP],18Grupo Maria da Fonte) contra as sedes de partidos de esquerda. Assassinatos políticos seriam perpetrados com o envolvimento de elementos conservadores do clero19 20 21 .
Os partidos não marxistas recentemente fundados, como o Centro Democrático Social (CDS) e o Partido Popular Democrático (PPD), fazem-se então ouvir por vozes mediáticas, secundadas na província pela Igreja Católica. Mais que nunca, é decididamente o Poder22que está em causa, estando por isso em causa também o papel de Portugal na Europa.23 À esquerda, mais que nunca, paira o espectro do Chile de Pinochet. Ao centro e à direita receia-se uma ditadura bolchevique. Os EUA estão atentos:24 o futuro de Portugal joga-se em três continentes e os interesses estratégicos americanos estão lá metidos25 .
Já tinham dado um sinal do que poderia acontecer, fundeando no Tejo, em frente do Palácio de Belém, inícios de 1975, o porta-aviõesUSS Saratoga, durante a operação Locked Gate-75.26 da NATO. É Henry Kissinger, cumprindo os desígnios de Nixon27 , quem superintende nesse tipo de manobras28 . Secretário de Estado norte-americano, teve um papel determinante no golpe militar que derrubou o Presidente Salvador Allende a 11 de Setembro de 197329 , dando todo o apoio a Augusto Pinochet, frustrando violentamente o projecto de estabelecimento de um regime socialista democrático no Chile30 31 .
Estava agora de olho vivo em Portugal. Receava que a Revolução dos Cravos conduzisse o país a um perigo idêntico e fazia os seus cálculos. Tinha já travado conhecimento com Mário Soares (encontro em Washington com Costa Gomes e Mário Soares a 18 de outubro de 1974), de quem desconfia e em quem julga ver o Kerenski da Europa.32 Menos desconfiado é Frank Carlucci, o embaixador em Lisboa, futuro vice-director da CIA33 no seu regresso aos EU, que sabe bem que Soares, the only game in town34 é de confiança, um liberal astuto e alguém com grande ambição pelo poder.35 As estratégias de interferência dos EU em Portugal são delineadas desde os primeiros momentos da revolução. Kissinger cedo estabelece «planos de emergência, ou contingência, para o caso de Portugal cair nas mãos dos comunistas». Esses planos passam pela ocupação militar dos Açores, com vista à manutenção da Base das Lages, considerada bastião norte-americano inalienável, hipótese essa deixada em aberto, para qualquer eventualidade, numa reunião que tem em Janeiro de 1975 com o secretário da Defesa James Schlesinger.36
A Fonte Luminosa, em Lisboa, é o primeiro local onde Soares consegue reunir uma imensa multidão37 . O comício do PS na Praça Humberto Delgado no Porto, a 14 de agosto de 1975, em que Mário Soares e Salgado Zenha erguem clamores contra o perigo comunista (versão “tripeira” do comício “alfacinha” da Fonte Luminosa38 de 19 de julho de 1975), é notícia mediática nos EU (CBS). Nas imagens vê-se um mar de gente na Praça Humberto Delgado. Ali mesmo ao lado e à mesma hora, numa praça contígua à Rua Sá da Bandeira, é atacada por manifestantes, a tiros de pistola e cocktails molotov, a sede do partido de esquerda União Democrática Popular (UDP). Imagens dos assaltos ao Consulado de Espanha da Rua do Salitre, na noite de 26 de setembro e, a 27, à embaixada da Praça de Espanha39 durante uma manifestação da UDP, à mistura com outros manifestantes, em protesto pela execução de activistas bascos, é a primeira notícia a ir para o ar nos EU, na noite de 29 de Setembro. Coincide o que é dado a ver num caso e noutro, daí se concluindo que em Portugal há um perigo vermelho que se pode alastrar a Espanha, debilitada por uma economia ainda frágil e pelo estertor do regime franquista.40
A saída das forças militares do Regimento de Comandos da Amadora chefiadas por Jaime Neves41 no dia 25 de Novembro de 1975 travará o processo42 . O carismático líder da Revolução dos Cravos Otelo Saraiva de Carvalho, comandante do COPCON, que não deseja confrontos, cede. O PCP, que bem conhece os limites do seu poder, decide não intervir. Isolados, os outros partidos da esquerda manifestam-se, mas por pouco tempo. Cai o V Governo Provisório liderado por Vasco Gonçalves 43 . Instalam-se os moderados do Grupo dos Nove 44 45 . Mudam-se os tempos e as vontades46 : o PS e o PPD (PSD) passarão a governar ao centro e em alternância, durante décadas. Esvai-se a revolução, só ficam os ideais. Do PREC, é tudo o que se mantém vivo47 .
Vasco Gonçalves em 1982.
Mural da Liga Comunista Internacionalista (Portugal) (LCI).
Em fevereiro de 1975 surgem notícias da fundação de uma organização de extrema direita baseada em Espanha, ligada ao general Spínola, que teria como objectivo levar a cabo uma contra-revolução em Portugal. Vários jornais aludem a um golpe de estado planeado para Março78 . Começa a circular o boato de uma suposta Matança da Páscoa. Todos os oficiais «conotados com a reacção» (i.e., com António de Spínola) seriam eliminados por sectores ligados ao PCP.
Dando crédito a este boato, militares spinolistas pegam em armas e tentam, a 11 de março de 1975, fazer um golpe de Estado. Spínola assume o comando do golpe mas este falha79 . A «intentona reaccionária» (segundo a terminologia da época) é pretexto para que Vasco Gonçalves radicalize o Processo Revolucionário, apoiando-se no COPCON de Otelo Saraiva de Carvalho. Logo após este golpe falhado, os bancos são nacionalizados, bem como as seguradoras e, por arrasto, a “companhia dos tabacos”, a CUF, a Lisnave e outras grandes empresas80 .
Em Março-Abril é negociado pelo Conselho da Revolução81 e partidos políticos o Pacto MFA-Partidos. O pacto consagra «a continuação da revolução política, económica e social iniciada a 25 de abril de 1974, dentro do Pluralismo Político e da via socializante». Em grande medida imposto aos partidos, reserva para o Conselho da Revolução o papel central de direcção do país durante o período que se segue 82 .
A 25 de Abril de 1975 têm lugar eleições para a Assembleia Constituinte 83 . A esmagadora maioria da população portuguesa vota no PS – que se tinha tornado progressivamente mais liberal nas suas posições ou, como se diria anos mais tarde, tinha «enfiado o socialismo na gaveta» – e no PPD, actual PSD. O Partido Comunista Português vê-se assim com uma modesta representação na Assembleia Constituinte. Os diversos grupos marxistas surgidos com o 25 de abril (União Democrática Popular (UDP), Movimento de Esquerda Socialista (MES), Frente Socialista Popular (FSP), Liga Comunista Internacionalista (LCI), etc.) têm apenas votações residuais. OMRPP (Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses) é proibido de participar nas eleições
Mural de 1975 alusivo ao 25 de Abril.
Mural do PRP (1975).
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Para terminar, uma pergunta inocente ?
Porque não foi “decretado” Feriado Nacional – um destes dias (ou até os dois), a exemplo do que se fez com o 25 de Abril?
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ANTÓNIO FONSECA