quinta-feira, 20 de agosto de 2020

OBSERVADOR - 20 DE AGOSTO DE 2020

 

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José Manuel Fernandes
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Quinta,20 Ago 2020
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Porquê importarmo-nos com um pequeno país encravado entre a Polónia, a Ucrânia e a Rússia de que quase nunca ouvimos falar? Minsk? Onde fica Minsk? Bielorrússia não quer dizer “Rússia Branca”? Isso não é mais ou menos a mesma coisa que Rússia? Por estas ou outras razões, Aleksander Lukashenko pode manter-se no poder 26 anos sem que ninguém levantasse grandes ondas, mesmo que aqui ou além incomodasse ter aqui mesmo ao lado o “ditador mais antigo da Europa”, até que, depois das eleições do passado dia 9 de Agosto, os bielorrussos, acharam que era demais. Voltar a proclamar-se vencedor com mais de 80% dos votos não só não era credível – era uma afronta. E a revolta explodiu nas ruas, pala surpresa do ditador e também da oposição. Apesar da repressão violenta dos primeiros dias, o povo não quebrou. E quando Lukashenko se virou para uma audiência que julgava ser de fiéis apoiantes, também aí ouviu vaias e gritos para que se demitisse.

Na quarta-feira, como informa o El Pais, em Lukashenko ordena sofocar las protestas en Bielorrusia y detener a sus líderes, o líder bielorruso ordenou aos serviços secretos que prendessem os organizadores dos protestos e reprimissem as manifestações, mas isso não impediu que nessa noite houvesse de novo concentrações em Minsk. No mesmo doa o Conselho Europeu reuniu-se por teleconferência para analisar a situação, uma iniciativa que, só por si e por ter lugar em Agosto, é significativa, mas de que apenas resultou, na leitura do Politico, que European leaders mix condemnation and caution on Belarus. Antes, segundo o bem informado El Pais, tinha havido contactos directos com Moscovo: “Este martes en vísperas de la reunión, hasta tres líderes europeos —Michel, Angela Merkel y Emmanuel Macron— se entrevistaron telefónicamente con el presidente ruso, Vladímir Putin”. Segundo o relato do jornal espanhol a conversa mais tensa foi a entre o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o Presidente russo.

Mas antes de vermos que alternativas têm Moscovo e Bruxelas, vale a pena tentar perceber o que se passou, e está a passar, na Bielorrússia. Que país é aquele e como se chegou a este ponto se saturação. De entre os textos que li há um que recomendo especialmente, até pelo seu lado muito pessoal. Trata-se de Retrospectiva sobre o meu país, Bielorússia, escrita no meu país, Portugal. Aleksei Chemisov, um analista sénior de negócios que nasceu na Bieolorrússia mas vive em Portugal desde os 6 anos, que passa férias no seu país todos os anos, conta num texto no Observador o que foi vendo e tenta explicar-nos porque “Nunca tal manifestação pública teve lugar na Bielorússia, muito menos de cariz político” e porque é que “Os bielorussos ganharam coragem e acreditam que este é o momento da mudança e da libertação”. Uma das chaves para perceber isso é perceber que o país está a mudar apesar de Lukashenko: “Minsk tem inúmeros centros de desenvolvimento tecnológico de multinacionais europeias e americanas, assim como empresas tecnológicas e de desenvolvimento de software que são líderes mundiais. Uma evolução que dotou o país de uma nova classe média, uma classe de programadores e engenheiros informáticos que trabalham na Bielorússia, mas recebem em standards europeus, rondando o salário médio, depois de impostos, os dois mil euros. A combinação do seu rendimento, da sua idade e o facto de, na maioria dos casos, trabalharem com colegas de outros países, trouxe também uma nova perspectiva, outros valores e ambições e uma nova noção de direitos e liberdades.”

Aliás as qualificações da população e a evolução recente da economia do país são também destacadas como um factor importante por Henry Foy, um comentador do Financial Times, em Belarus’s skilled population will be a boon if its economy opens up. Neste aartigo ele nota que “But by far the best advert for investing in Belarus is the High-Tech Park on the outskirts of Minsk, 10km round the city’s outer ring road from the Minsk Wheel Tractor Plant and the kind of place where Mr Lukashenko would not come expecting a warm welcome. Established in 2005, it was designed to tap the country’s unusually large population of skilled technical graduates — a legacy of the Soviet Union’s decision to base engineering and science industries in Belarus — and give them a reason not to leave for job opportunities in the west.

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Também para perceber o que se está a passar vale a pena ler o bom trabalho de João de Almeida Dias num especial do Observador, Cinco perguntas e respostas para entender o que se passa na Bielorrússia — e a razão do nervosismo de Lukashenko. Aí se destaca, por exemplo, como a gestão da crise da Covid funcionou quase como a gota de água que fez transbordar o copo da saturação com o ditador: “Aleksander Lukashenko destacou-se até a nível mundial com a sua abordagem à Covid-19, aconselhando o povo a curar a doença com vodka e idas regulares à sauna. A par da Nicarágua, a Bielorrússia foi o único país do mundo onde o campeonato de futebol continuou — e com os estádios de porta aberta aos espectadores que quisessem entrar. (…) A gestão da pandemia pode ter servido de catalisador para uma revolta que, de qualquer modo, já fervilhava na Bielorrússia desde tempos pré-pandémicos. A oposição tem, até aqui, permanecido refém da mesma dinâmica que lhe é imposta por Aleksander Lukashenko desde a segunda metade da década de 1990: enfraquecida e dividida, tem-lhe faltado um líder evidente.”

Relativamente aos protestos, apesar de não haver muitos jornalistas estrangeiros na Bielorrússia, há alguns bons relatos, conseguidos sobretudo pela recolha de testemunhos de que neles participou – e de quem sofreu a brutalidade da repressão. Um desses relatos é o do Financial Times, Europe’s ‘last dictator’ in a brutal fight for survival, escrito pelos correspondentes em Varsóvia e Moscovo. Eis um dos testemunhos que eles reproduzem e que dá bem uma ideia dos métodos do regime: “We asked the police why they were doing it, and they said, ‘an order is an order,’” says Alina Buskina, a 20-year-old journalism student who was beaten, arrested, strip-searched, and then left in a room with no food or toilet paper for 24 hours, after running into riot police on her way home from a party. “They’re just like dogs who will do whatever they are told,” Ms Buskina adds. According to Ms Buskina, the women were forced to drink unfiltered tap water and beg guards for food, then told to sign forced confessions that they had participated in “mass disturbances”. When one of Ms Buskina’s cellmates refused, she says a policeman threatened to rape her. “They said, ‘We’ll teach you bitches who to vote for,’” Ms Buskina adds. Women on their periods were told to wipe themselves with their shirts.”

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Foi por ler muitos testemunhos como estes, por ter vistos imagens como as das imensas alamedas cheias ou as das cargas policiais, ou ainda as que circularam nas redes sociais e mostravam urnas de voto a serem tiradas pelas janelas durante a contagem por agentes do governo, numa prova de que houve fraude eleitoral generalizada, que José Milhazes não resistiu a comentar aquilo que no Avante! Se tem escrito sobre a Bielorrússia. Fê-lo no Observador em Depois digam que a extrema-esquerda é civilizada, um texto que começa assim: “A Bielorrússia mereceu a atenção em três artigos do órgão oficial do Partido Comunista Português, mas em nenhum deles há uma palavra a condenar a violência policial do ditador Lukachenko. A culpa é toda da oposição e do Ocidente que ataca mais um regime “progressista”.Não deixem de ler o resto.

De facto, bem ao contrário do que se escreve no jornal do PCP, Belarusians are speaking as one: Alexander Lukashenko’s time is up, como defende David Kurkovskiy no The Guardian. O seu objectivo, mais do que eleger já esta oposição, é que a líder improvisada da oposição (Svetlana Tikhanovskaya era apenas a esposa de um candidato impedido de concorrer) possa convocar eleições realmente livres e justas. Isso mesmo disseram a este autor aqueles com quem falou em Minsk: “I asked Olga about the protesters’ goals: “Everyone is united for the first time ever: left-leaning Belarusians and the more traditionalist-oriented opposition of the past. They are fighting for basic human rights, rule of law and the constitution.” Indeed, the aims of the current protests are both modest and all-encompassing: end violence, topple dictatorship, demand real election statistics and have the true president-elect, Svetlana Tikhanovskaya, call for new, fair elections.

O que virá depois ninguém sabe, nem é hoje o mais importante. De certa forma todos interiorizaram que o lugar no mapa do país condicionará sempre o seu futuro, algo que nem é o pior dos males desde que haja liberdade, como defende Timothy Garton Ash em Belarus should remind us to believe in freedom’s power (texto ainda sem link): “In Minsk a few years ago, I heard the Belarussian foreign minister evoke the shimmering prospect of Belarus being a prosperous neutral country between the EU and Russia, ‘something like Switzerland’.Who wouldn’t settle for being Switzerland? Yet realistically, a messy, negotiated transition to another, less autocratic leadership, as in Armenia, is probably the best we can hope for in the near future – and with Lukashenko, things can definitely get worse before they eventually get better.”

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Este quadro limita tanto as opções europeias como as de Moscovo. Talvez mesmo mais as Putin, que não poderá ir em socorro de Lukashenko tão facilmente como alguns pensariam – ou como foi em ajuda dos seus aliados ucranianos. Isso é bem explicado neste artigo da Reuters – Belarus is a headache for Russia, not the world – mas sobretudo nesta análise de Jorge Almeida Fernandes no Público, As (más) opções de Vladimir Putin. Escreve ele que “A revolta é contra Lukashenko, por eleições livres e contra a repressão. Não houve, até agora, manifestações de sentimentos anti-russos. Um dos problemas que fará Putin pensar duas vezes é o risco de uma opinião pública que simpatiza com a Rússia se virar contra ela. Lukashenko nunca pisou a “linha vermelha” de Moscovo, mas sempre foi especialista em jogo duplo. Neste momento, sitiado pelos manifestantes e a ver derreter o que lhe resta de base apoio, pede socorro a Moscovo.

Na mesma linha se pronuncia Stephen Sestanovich do Counsel for Foreign Relations em Putin and Belarus: Five Reasons Not to Save Lukashenko, pois se “Vladimir Putin is no fan of democracy movements in Russia’s neighborhood, but trying to turn off the protests in Belarus will be risky.” Ficar parado também não é opção, pois “The longer Putin waits before giving up on Lukashenko, the greater the chance that the color revolution train will already have left the station.” Ora uma “revolução colorida” é por regra uma revolução anti-russa.

Relativamente à União Europeia os advogados de uma acção mais decidida, como Joerg Forbrig, senior fellow e director German Marshall Fund of the United States para a Europa Central e de Leste, as opções são várias. Em Belarusians have rejected Lukashenko. So should the EU, um artigo publicado no Politico, defende que a UE deve ter uma aproximação em pelo menos quatro pontos:

  • First, the EU should clearly state that Lukashenko is not the legitimate president of Belarus. He has long been and is, even more obviously now, a plain usurper. With this election, he has lost whatever legitimacy he may have had left. (…)
  • Second, the EU and its member countries should, through their envoys in Minsk, show a maximum presence and offer support. They should visibly roam the protests, engage with people and observe police behavior. (…)
  • Third, the EU and its member countries must ready humanitarian aid to all those who have suffered from the repression in the last days and weeks. Thousands have been arrested arbitrarily, mistreated in custody and severely injured. Many are now being tried and fined in court. (…)
  • Fourth, the EU should propose an international mission to mediate in the crisis. The standoff between a regime determined to cling to its illegitimate power and a society equally determined to assert its rights may not be overcome without an impulse from abroad.

Entre este plano ambicioso e o que acabou por sair da cimeira vai uma grande distância, pelo que o destino da Bielorrússia continua nas mãos do seu povo e a pesar sobre o povo da Bielorrússia. Não é seguro quem vencerá o braço de ferro. Hoje, no Conversas à Quinta, conversei sobre isso mesmo como Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto – O princípio do fim do último ditador da Europa? –, mas numa altura em que a liberdade recua em tantos pontos do mundo, é sempre recompensador ver quem lute e arrisque para ganhar a liberdade.

Sinal de esperança com que despeço de todos num dia de chuva e nevoeiro a meio de Agosto, sabendo que mais dias de sol e Verão ainda estão para vir. Boas leituras.

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