No final de 2016, o ano em que os britânicos votarem pelo Brexit, o Financial Times escrevia, num artigo intitulado How David Cameron lost his battle for Britain, que “Lord Mandelson says Mr Cameron relied far too much on Angela Merkel to deliver a better deal on limiting the free movement of people; in the end the German chancellor refused to grant Britain an “emergency brake” to suspend EU migration — a policy that might have changed the course of the referêndum”. A reunião em que Merkel não permitiu que Cameron regressasse ao Reino Unido com um melhor acordo foi também aquela em que os restantes membros do Conselho Europeu recusaram devolver poderes ao Reino Unido, outro ponto decisivo para a mobilização dos brexiters. Nessa cimeira de Fevereiro de 2016 os parceiros europeus não perceberam o que estava em jogo – é muito provável que na cimeira da passada semana em Salzburgo, em que humilharam a primeira-ministra Theresa May, tenham voltado a cometer o mesmo erro.
Wolfgang Münchaué, seguramente, um dos mais convictos europeístas que escrevem no Financial Times, mas depois do que aconteceu no final da semana passada na cimeira dos chefes de Estado e de Governo de União Europeia não tem dúvidas: No-deal Brexit is the likely outcome of Salzburg. Ou seja, a hipótese de o Reino Unido sair da União daqui por 190 dias sem qualquer acordo é agora extremamente elevada: “UK voters, having voted for Brexit, may be prepared to pay an economic price to leave. Continental voters and companies are not similarly primed to make a sacrifice and many EU jobs are at stake. Germany and the Netherlands have massive bilateral trade surpluses with the UK. Economists persist in pointing out that a no-deal would be worse for the UK than the EU. This is trivially true but fails to recognise a more important point: the EU has a much lower political pain threshold for a hard Brexit. The best negotiating tactic for the British prime minister is the one she signalled in her televised address on Friday: do nothing until the EU moves.”
Münchau não é o primeiro a alertar para os riscos da arrogância europeia. Em anterior Macroscópio já referi o apelo de Timothy Garton Ash, expresso no artigo que escreveu em Julho passado no Guardian, A humiliating Brexit deal risks a descent into Weimar Britain. Agora todos os diários britânicos, sejam eles europeístas ou eurocépticos, trabalhistas ou conservadores, falham de uma “humilhação” de Theresa May às mãos dos outros líderes europeus, com Emmanuel Macron a encabeçar o pelotão de fuzilamento. Em Julho Timothy Garton Ash previa que, no caso de um fracasso negocial, “Britain’s rabid tabloids would certainly blame the chaos on the bloody Europeans – especially the French – and demand we immediately stop paying any more money to the EU. (...) Angry Brits will go on to ask: why should our troops be protecting faraway Europeans when the Europeans are screwing us? And then: why not go back to the traditional British policy of trying to divide and rule on the continent?” Pois bem ainda não chegámos a esse ponto mas os tabloides britânicos já não poupam nos seus títulos, basta ler o editorial do The Sun, que vende milhões: EU DIRTY RATS The Sun Says we can’t wait to free ourselves of the two-bit mobsters who run the European Union. Vejamos um pouco da sua argumentação: “Like all good gangsters, they’re trying to rule by fear. That’s the only weapon in their arsenal on the Continent, where more and more voters are turning against an outfit that increasingly looks more at home in Sicily than Strasbourg.”
Mas se a imprensa popular não poupa nos termos, a imprensa lida pelas elites também não perdoa o registo adoptado por Macron, que durante a cimeira foi ao ponto de chamar “mentirosos” aos que fizeram campanha pelo Brexit. Na conservadora Spectator o presidente francês surge-nos numa cruel imagem de imperador que caminha nu (imagem acima), ilustrando o artigo de Jonathan Miller What is motivating Macron’s self-destructive Brexit position? Depois de nos explicar por que motivos Macron quer uma Europa cada vez mais integrada, mesmo que os eleitorados se oponham a esse projecto, boa parte do artigo é dedicado a explicar que o Reino Unido tem muitas formas de retaliar, antes de concluir: “There is no telling where this ends This is all a tragedy in which one party to a negotiation, the European Commission, instead of working for a solution beneficial to all concerned, did the opposite, engaging in ridicule, character assassination and mendacity. Supported, it has to be noted, by many British people. Everything is now unpredictable except to note that once more, the European Union, meant to bring nations together, has succeeded only in driving them apart. Ceux sont les journées des miracles et des merveilles.”
Claro que há quem, fora do Reino Unido, compreenda os riscos desta escalada, mesmo sendo difícil encontrar por estes dias reflexões sérias na imprensa europeia, quase toda ela concentrada em assuntos domésticos e pouco atenta à tempestade que pode estar a formar-se no horizonte. Mas há excepções. Na Der Spiegel, por exemplo, sublinha-se que No Deal Might Be the Worst Deal of All. Num texto escrito ainda antes do debacle de Salzburgo, a revista alemã referia, por exemplo, que “Recently, the head of the government in the Flanders region of Belgium described a possible failure of the Brexit negotiations as a "recipe for disaster." He says 28,000 jobs in the region could be immediately threatened by Britain's departure from the EU without a deal. It's Britain's immediate neighbors in particular -- led by Ireland, but also the Netherlands, Denmark and the coastal regions of France -- that would experience considerable problems at the beginning. In all those places, there is a lack of storage capacity, open space for trucks, customs officers and other personnel. Later on, it would also hit countries like Hungary or the Czech Republic with full force. The think tank Oxford Economics estimates no deal would lead to a loss in economic output for the remaining 27 EU member states of 112 billion euros through the year 2020.”
Há mais cenários dantescos descritos neste artigo, pelo que custa a crer que, entre os líderes europeus não se compreenda que não basta convencer Theresa May numa cimeira em que esta seja fechada numa sala com outros líderes e pressionada até ceder, como já sucedeu noutras ocasiões – no Reino Unido nada tem validade se não for aprovado pelo Parlamento, e Theresa May já dificilmente tem maioria no actual Parlamento. Em Westminster os deputados não obedecem aos líderes partidários como sucede noutros parlamentos, antes respondem directamente a quem os elege.
Por isso mesmo faz sentido a pergunta de Teresa de Sousa no Público: Encostar Theresa May à parede servirá de alguma coisa?De facto “Os Conservadores britânicos têm nas mãos, como tantas vezes tiveram desde o pós-guerra, uma bomba ao retardador. Nada os divide mais do que a Europa. Mas a reacção da generalidade da imprensa britânica, mesmo a pró-europeia, como o Financial Times ou o Guardian, não é animadora quanto ao futuro. A palavra mais repetida é “humilhação”. May foi “humilhada” em Salzburgo. Houve uma “emboscada”. Ninguém gosta de ver um primeiro-ministro humilhado.”
E agora? Agora o Reino Unido continua dividido – o Labour está reunido em Congresso e não é claro o que dele sairá, sendo possível saia uma proposta de referendo de um possível acordo; Theresa May procura manter o seu governo unido e estuda cenários de eleições antecipadas; e os brexiters apresentaram o seu próprio plano, através do Institute of Economic Affairs, que pode ser lido aqui: Plan A+: Creating a prosperous post-Brexit U.K – e a União Europeia aparentemente imóvel. E o tempo a passar sem que aparente ninguém se recorde de como ao fechar a porta a Cameron se abriram as portas ao Brexit.
E por hoje é tudo. Tenham bom descanso e boas leituras, apesar do avançado da hora.
Siga-me em no Facebook, no Twittere no Instagram (@jmf1957)
Mais pessoas vão gostar da Macroscópio. P
Sem comentários:
Enviar um comentário