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PEDRO CORDEIRO
EDITOR DA SECÇÃO INTERNACIONAL
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Tempo de obra ou dor para Obrador
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Buenos días!
À terceira foi de vez. Com promessas de combater a corrupção e levantar os pobres da miséria, Andrés Manuel López Obrador ganhou as presidenciais de ontem no México somando 53% dos votos, segundo dados provisórios do Instituto Nacional Eleitoral (conseguira 35% em 2006 e 31% em 2012, desta vez deixa o rival mais próximo a 30 pontos percentuais de distância). É preciso recuar 36 anos para encontrar triunfo tão retumbante em eleições naquele país. E só recuando 90 anos (em tempos pré-democráticos) se encontra um chefe de Estado mexicano que não venha de uma das duas formações políticas que dominaram as últimas décadas: o Partido Revolucionário Institucional (que governou entre 1929 e 2000 e de 2012 a esta parte e cujo nome sempre me pareceu delicioso oxímoro) e o Partido de Ação Nacional (conservador, no poder entre 2000 e 2012).
Não houve surpresa na vitória de Obrador, conhecido no seu país pelo acrónimo AMLO. É o primeiro esquerdista assumido a ganhar eleições em tempos modernos, num movimento inverso ao do pêndulo político da América Latina de anos recentes, em que conservadores como Sebastián Piñera (Chile), Mauricio Macri (Argentina), Iván Duque (Colômbia), Michel Tmeer (Brasil) ou Pedro Pablo Kuczynski (Peru, entretanto substituído por Martín Vizcarra) substituíram dirigentes mais à esquerda.
AMLO fez o movimento contrário. Deixou o Partido da Revolução Democrática, sob cuja sigla concorrera a anteriores atos eleitorais e que desta feita se aliou ao PAN, e fundou o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), de ideologia mais diluída e retórica antissistema, até no nome. Para ampliar a base, aliou-se aos trabalhistas (esquerda) e ao Partido do Encontro Social, criado por um pastor neo-pentecostal e socialmente conservador. Esta tríplice entente adotou o lema “Juntos faremos História”. Escreve o espanhol “El País” que, se em 2000, quando pela primeira vez voltou costas ao PRI, o México queria alternância, desta vez o que pede é mudança de regime. Para o correspondente do Expresso em Caracas, Daniel Lozano, AMLO representa uma “esquerda atípica”.
Tal bastou para seduzir uma opinião pública mexicana agastada com “os do costume” ou, nas palavras do novo Presidente, “a máfia do poder”; a violência no país, mormente associada ao narcotráfico (vale a pena ler esta reportagempublicada na edição semanal do Expresso), atinge picos (só na campanha para as eleições de ontem, que também foram legislativas e estaduais, houve 130 candidatos assassinados); e para norte perfila-se a sombra de Donald Trump, que será o principal desafio de AMLO no plano internacional. O almejado muro na fronteira (ou a sua conclusão, já que foi iniciado no século passado por Bill Clinton) e o discurso xenófobo do Presidente dos EUA (que insinuou em campanha que os mexicanos eram “violadores”) permitem antecipar tensões. Mas conta “La Jornada”, importante diário mexicano, que Trump estará ansioso por encontrar-se com AMLO.
Ainda assim, existem semelhanças entre AMLO e Trump: ambos foram impelidos por ondas populistas em países fartos do sistema; ambos adotam certa retórica nacionalista; ambos torcem o nariz ao Acordo Norte-Americano de Comércio Livre (NAFTA), embora o mexicano prometa deixá-lo intocado e o estado-unidense nem tanto. A economia foi, aliás, um dos focos de ataque dos adversários de AMLO, que alvitraram que este fará do México uma Venezuela, criando uma economia estatizada e subsidiodependente, e que os choques com Washington (muito embora todos os aspirantes à presidência criticassem Trump) não serão benéficos para o país.
Amanhã AMLO reúne com o Presidente cessante, Enrique Peña Nieto (PRI), para iniciar um semestre de transição. Para já, promete unidade, escreve “The Washington Post”, e apela à reconciliação, segundo o relato de outro grande jornal mexicano, “El Universal”. Depois virá a prova dos nove para qualquer líder contestatário: tornar-se ele mesmo a situação, enfiar as mãos na massa e governar. No caso, a crer no escrutínio preliminar, sem maioria absoluta no Senado e na Câmara dos Deputados. Hoje, além de celebrar o êxito nas urnas, é de crer que assista interessado ao Brasil-México, partida dos oitavos-de-final do Mundial de Futebol, a disputar às 15h (hora portuguesa). Com dois ex-campeões mundiais já eliminados (Argentina e Espanha), poderá a seleção mexicana dar uma alegria ao país, mandando para casa a “canarinha”? |
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OUTRAS NOTÍCIAS
Tensão na “geringonça”. Aquele que se tornou leitmotiv deste e de outros jornais está para durar, como explica a Rosa Pedroso Lima a propósito de declarações de Jerónimo de Sousa. Até às eleições de 2019, prevejo, ou mais além se a fórmula de governo for reeditada. Aproveite-se para recordar, via “público”, a figura de José Manuel Tengarrinha (1932-2018), uma das pessoas que há mais tempo a desejava.
Spannung in der Großen Koalition. O título é o mesmo do parágrafo anterior, mas refere-se à Alemanha e à Grande Coligação entre sociais-democratas e democratas-cristãos que governa o maior país da UE. O ministro do Interior, Horst Seehofer, tenciona demitir-se, informa “The Guardian”. Mais conservador do que Angela Merkel e, sobretudo, mais duro do que a chanceler na política migratória, o também líder da CSU (União Social-Cristã, aliada bávara da CDU de Merkel) não terá ficado satisfeito com o entendimento alcançado no Conselho Europeu da semana passada, que as minhas camaradas Cristina Peres e a Susana Frexes consideraram ter sido “só para italiano ver”. O italiano é o primeiro-ministro Giuseppe Conte, cuja prestação em Bruxelas mereceu críticas a António Costa. Ou talvez seja, por interposto Conte, o ministro do Interior transalpino, Matteo Salvini, líder da xenófoba Liga, que domina o seu país e quer expandir os tentáculos até ao nosso. O certo é que a reunião de quinta e sexta-feira, convocada para aliviar Merkel das divergências no seu Executivo, de pouco serviu. O comunicado final é genérico, nada do que se decidiu obriga qualquer Estado-membro a acolher migrantes e refugiados e já há quem desminta que tenha havido, sequer, acordo. O assunto é escaldante para a UE. É menos certa a sua sobrevivência (e a do Governo de Merkel, que se arrisca a acompanhar o destino da Mannschaft na Rússia) como a conhecemos do que a previsão de que os barcos não vão parar de chegar.
Já não há quartos para Portugal. Na frente desportiva, o país vive a ressaca da eliminação pelo Uruguai (2-1), sábado à noite. A seleção nacional já regressou a Portugal e o treinador diz-se triste, mas quem hoje vos escreve gostou desta sugestão do “Diário de Notícias”. É um misto de ter idade para recordar décadas (80, 90) em que a qualificação lusa para um grande torneio de futebol era a exceção e não a regra e de querer continuar a vibrar, até dia 15, com o espetáculo do Mundial. Hoje, além do sobredito Brasil-México (SportTV), há o Bélgica-Japão (RTP1, 19h), que opõe um dos onzes mais estimulantes desta edição do campenonato ao potencialmente mais fraco dos participantes nos oitavos-de-final. Amanhã esta fase conclui com o Suécia-Suíça (RTP1, 15h) e o Colômbia-Inglaterra (SportTV, 19h), antes de o Mundial parar por dois dias. Ontem caíram Espanha e Dinamarca, ambas antigas campeãs europeias, a primeira também campeã mundial.
She’s a Material Girl. Afinal Madonna vai pagar 720 euros por mês para usar o terreno que a Câmara Municipal lhe cedeu para estacional os seus 15 automóveis. Esta história, contada em primeira mão pelo Expresso e que envolveu um primeiro pedido da cantora ao Museu de Arte Antiga, causou perplexidade à oposição autárquica, que exigiu esclarecimentos.
한반도 긴장. Que é como quem diz, tensão na Península. A coreana, entenda-se. Há nos Estados Unidos quem desconfie das boas intenções de Kim Jong-un na sequência do encontro com Trump. O regime norte-coreano estará a ocultar aspetos importantes do programa nuclear (o tal que, diz o americano, já não é problema) e, diz a NBC, a aumentar a produção nas suas instalações. Tudo o que o homem-forte da Casa Branca não desejaria, três semanas após tão amistoso encontro com Kim e a duas de se reunir com Vladimir Putin em Helsínquia. Para já, Trump desvaloriza e fala de “boa química” entre Washington e Pyongyang.
Supremo assunto. A jubilação do veterano e moderado Anthony Kennedy do Supremo Tribunal dos EUA abre caminho à nomeação de um juiz mais consentâneo com os postulados de Trump. A “New Yorker” analisa.
Aux armes, cityoenne. Simone Veil repousa desde ontem no Panteão francês. A Rosa Pedroso Lima evoca esta heroína francesa, homenageada também pelo Presidente francês e com direito ao hino nacional cantado pela soprano Barbara Hendricks. Vale a pena espreitar a fotogaleria de “Le Monde” e refletir sobre o muito que esta mulher deu ao mundo na luta pela igualdade e o muitíssimo por fazer na senda do seu exemplo. |
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MANCHETES DE HOJE
Jornal de Notícias: “Despesa com medicamentos sempre a subir desde a saída da troika” (ou o fim da austeridade, parte ‘n’)
Correio da Manhã: “Crédito da casa só com 10% na mão” (convém conhecer as novas regras)
Público: “Há 54 presidentes de associações juvenis que têm mais de 60 anos” (60 is the new 18)
i: “Medina obrigado a mostrar contrato com Madonna” (só gostava que tudo se passasse numa cidade como Modena, para termos mais uma aliteração e para esta trapalhada não acontecer naquela onde vivo)
Negócios: “Caixa larga dependência do BCE” (mas não a das injeções de capital do contribuinte)
O Jornal Económico: “Bruxelas ameaça vinho português” (isso é que não!)
A Bola: “José Peseiro: ‘Não tenho medo’” (depois de Cintra, mais um regresso ao Sporting pós-exorcismo)
Record: “Bruno Fernandes: ‘A intenção é ficarmos bem’” (com o clube de Alvalade, claro)
O Jogo: “Hulk: ‘Gostava de ser convidado a voltar’” (vá lá, este refere-se ao Porto) |
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O QUE ANDO A LER
A edição impressa de ontem do “Diário de Notícias”, por interesse genuíno — é uma referência da nossa imprensa e é inegável o marco que representa a sua passagem a semanário (publicado aos domingos), mantendo presença online — e por dever profissional — tão sincero é o voto de êxito que faço ao vetusto periódico (154 anos é de respeitar) quanto a intenção de fazer mais e melhor por aqui, agora que passamos a ser concorrentes mais diretos. Quanto mais tempo teremos jornais em papel? Talvez mais do que julgam alguns.
O QUE ANDO A OUVIR
Os concertos do Rock in Rio, que anteontem encerrou a sua oitava edição lisboeta. Estive na Bela Vista no passado domingo, a assistir a Agir (competente), Anitta (agradável surpresa, conquanto não seja o meu género de música, num concerto que teve dois aspetos marcantes: o corpo de baile contagiante, de grande diversidade étnica e combatendo preconceitos sobre corpos idealizados; e a interpretação do famoso “Show das poderosas”, única canção que conhecia desta artista cujo nome ignorava, com samples do “Your Latest Trick” dos Dire Straits), Demi Lovato (não de todo a minha praia), Bruno Mars (eletrizante) e, em palcos secundários, surpresas como Lingua Franca (Capicua, Emicida, Valete e Rael, que convidaram Sara Tavares) e enigmas como os YouTubers Windoh ou Sea3po (claro efeito de ter ido ao festival com a primogénita de 9 anos). Os outros dias também tiveram os seus atrativos, e felizmente as transmissões na SIC Radical estão quase todas disponíveis na íntegra. Vou percorrendo a galeria, aguardando pela edição 2020!
NADA MAIS HAVENDO A TRATAR...
...despeço-me com amizade, incitando os que iniciam férias a acreditar que o sol (hoje ausente) acabará por vir. E desejando que os alunos deste país possam em breve saber as notas que o seu trabalho de nove meses valeu e que poderão definir o seu futuro próximo. Aos que ainda tenham exames, boa sorte. A todos os leitores, felicidades. O Expresso estará a informar-vos ao longo de todo o dia e logo à tarde, pelas 18h, há Diário. O Expresso Curto regressa amanhã. Até já! |
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