segunda-feira, 7 de maio de 2018

OBSERVADOR

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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!
 

Era a tempestade que parecia formar-se no horizonte mas nunca mais chegava. Agora chegou e quando ninguém o previa. A revelação, pelo Observador, de que um ministro de José Sócrates, Manuel Pinho, continuou receber dinheiro do grupo Espírito Santo depois de ter entrado para o Governo acabou por provocar uma sucessão de acontecimentos em cadeia que culminaram esta sexta-feira com a saída do PS do antigo primeiro-ministro. Vale a pena recapitular o essencial deste caso e, depois, chamar a atenção para algumas das análises e opiniões mais interessantes ou mais importantes.

Começando pelo princípio temos de recuar ao especial do Observador, da autoria de Luís Rosa, Caso EDP. Pinho recebeu meio milhão do GES quando era ministro. Ricardo Salgado vai ser arguido, texto onde se relativa que um offshore de Manuel Pinho recebera cerca de 1 milhão do saco azul do GES entre 2006 e 2012, sendo que uns 500 mil chegaram quando era ministro. Para o Ministério Público o objectivo era beneficiar BES e a EDP, pelo que Ricardo Salgado também foi constituído arguido no caso EDP.

A este primeiro texto seguiram-se, ainda no Observador, outros com mais informação, e referências a ainda mais dinheiro, nomeadamente Manuel Pinho deverá ter recebido mais 293 mil euros do ‘saco azul’ do GES enquanto foi ministro do Governo SócratesManuel Pinho teve uma terceira offshore: a MandalayA OP 100276 que tramou Manuel Pinho nos pagamentos que recebeu do ‘saco azul’ do GES. Este último dava conta de que o operacional suíço do 'saco azul' do GES descreveu na sua contabilidade secreta todas as transferências recebidas por Manuel Pinho entre 2002 e 2012, o que tornou possível seguir o rasto do dinheiro.

O outro órgão de informação que tem trazido mais informação sobre este caso é a Visão, sobretudo em artigos de Sílvia Caneco, de que destaco Manuel Pinho recebeu não 1, mas 2 milhões de euros do saco azul do GES. Pagamentos começaram em 2002Ministério Público descobriu quatro offshores de Manuel Pinho. A Visão também deu conta de um outro desenvolvimento polémico de um outro caso envolvendo o ex-ministro, ao revelar que Manuel Pinho vendeu a casa de Campo de Ourique que já foi de Garrett.

A par com estes textos sobre as operações de Manuel Pinho saíram alguns que exploraram as suas possíveis ligações a investimentos privados com tratamentos de favor. Um deles, de Miguel Prado no Expresso, recordou-nos que Seis projetos apoiados pelo GES foram acelerados sob tutela de Pinho– “Entre 2005 e 2009 houve investimentos de €2,14 mil milhões ligados ao BES que tiveram a “via verde” do selo PIN.”. Outro, porventura o mais completo que foi publicado sobre o tema, foi editado no Público por Ana Brito: Manuel Pinho e os contratos que deram 2500 milhões à EDP em dez anos. Nele se fala do “papel do antigo Ministro da Economia socialista no processo de entrada em vigor dos contratos que garantiram pagamentos de 2500 milhões de euros à EDP desde 2007 vai ser escrutinado no Parlamento, mas já está na mira do Ministério Público em várias frentes.” É desse trabalho a infografia que enquadra uma cronologia bastante completa de tudo o que de mais relevante se passou em torno dos contratos que geraram as famosas “rendas” da elétrica. É essa infografia que reproduzo abaixo (mesmo sabendo que não tem leitura nas dimensões desta newsletter):



Ainda estávamos neste ponto, com as notícias a saírem e as reacções políticas a serem muito contidas – com a notável excepção de Ana Gomes – quando o PSD veio pedir para ouvir Pinho no Parlamento, logo de seguindo o Bloco a querer criar uma comissão de inquérito. Nessa altura Pedro Rainho sintetizou no Observador as principais dúvidas que se queriam ver esclarecidas em As cinco perguntas a que Pinho tem de responder: “Os investigadores do caso EDP querem fazer perguntas a Manuel Pinho. Os deputados querem fazer perguntas a Manuel Pinho. E os jornalistas querem fazer perguntas a Manuel Pinho. Há cinco essenciais.”

 Refira-se ainda que, depois de um primeiro post no Facebook onde defendia que o OS tinha de debater internamente como dera guarida aos protagonistas destes casos, Ana Gomes, em entrevista ao Expresso – “​​PS deve demarcar-se de quem esteve no Governo para se servir”– tem várias declarações interessantes e duras, nomeadamente sobre como nunca se contou entre as entusiastas de Manuel Pinho: “Não o conhecia e comecei a vê-lo rondar o PS, ainda Ferro Rodrigues era o secretário-geral e eu fazia parte da sua direção, bem como José Sócrates e António Costa. Via-o muito solícito, a apresentar-se como economista e a aparecer em todo o lado. Mais tarde, quando foi para o Governo pela mão de José Sócrates, lembro-me de me terem comentado algo como “é um homem do Espírito Santo”. Ou seja, recorda que ela, ao contrário de quase todos os outros, teve desconfortos no tempo em que só havia entusiasmos.



Finalmente, e antes de ir à prometida selecção de opinião, é necessário recordar o carrocel de declarações de dirigentes socialistas que, ao fim de tantos anos, mudaram de abordagem ao caso Sócrates, o que pode ser feito no trabalho de Rita Tavares no Observador As 42 horas que fizeram Sócrates deixar o PS. Foi esse carrocel de “envergonhados” – e em especial um deles, Carlos César – que serviu a José Sócrates para bater com estrondo, num artigo de opinião no Jornal de Notícias, a porta de saída do PS. O artigo em causa intitulava-se A clarificação devida, sendo que Miguel Santos Carrapatoso tratou de esmiuçá-lo no Observador em O “embaraço” de Sócrates com o PS. O texto do “animal feroz” nas entrelinhas. Nessa análise parágrafo a parágrafo nota-se como “José Sócrates, que sempre alimentou a tese de que esta investigação não era mais do que uma campanha da "direita política" para travar as suas aspirações, abandonou o partido e fê-lo com estrondo: a direção do PS, escreveu, juntou-se à mesma direita que tirou o poder aos socialistas, em 2011, traindo os interesses e a herança do próprio partido. Para Sócrates, todo o processo é e será sempre político, pelo que a existência de uma acusação formal e de indícios amplamente conhecidos são e serão sempre uma fabricação política. Sendo a traição uma traição política, o “embaraço” sentido pelos representantes do PS que falaram sobre o caso é “mútuo”, reagiu José Sócrates.”

Por fim, aqui ficam as referências dos textos de opinião que considerei mais interessantes e que abarcam diferentes vertentes deste debate, desde o papel de Pinho e Sócrates até à forma como o PS se foi pronunciando, organizando esses textos por órgão de informação:

Do Observador: 
  • Não chega ter vergonha, de Rui Ramos no Observador: “Não há casos semelhantes ao de Sócrates. Os dirigentes socialistas precisam de provar que é possível confiar no PS outra vez. Era isso que deviam estar a discutir. Ter vergonha não chega.”
  • A ponta do iceberg, de Luís Aguiar-Conraria: “Não há fatalidade na corrupção e sabemos que os regimes mais limpos são os mais democráticos. Mas enquanto formos tão dóceis não se conseguirá impor a limpeza que o sistema político-económico precisa.”
  • Ricardo Salgado, o homem-bomba da nossa democracia, de Miguel Pinheiro: “Porque é que nos EUA e no Brasil há homens-bomba que decidem contar tudo o que sabem, mas em Portugal não? Porque o sistema judicial deles é uma colónia penal, enquanto o nosso é uma colónia de férias.”
  • Obrigado, José Sócrates, de Luís Reis: “Obrigado por demonstrar que não há mal nenhum em viver com dinheiro emprestado e por nos recordar o valor da amizade, tão antiquado e caído em desuso. Amigos como os seus não há por aí aos pontapés.”
  • Das rendas da energia a Manuel Pinho, de Helena Garrido: “Os alertas de Marcelo no 25 de Abril começam a ser percebidos uma semana depois. Misturar as rendas da energia com os comportamentos políticos e éticos de Sócrates e Pinho é danoso para a democracia.
  • César pôs lama na ventoinha, de Filomena Martins: “Quando tentou tornar o independente Manuel Pinho no cordeiro a sacrificar para não agitar os pecados do último Governo socialista, despertou todos os fantasmas desse passado vergonhoso da democracia.
  • O embuste dos campeões nacionais, de João Cândido da Silva: “A defesa dos centros de decisão nacional sustentou muita destruição de valor. E abriu portas aos abusos sem paralelo protagonizados por José Sócrates e Manuel Pinho.”
  • E ainda um pequeno vídeo que eu próprio gravei hoje, O PS e Sócrates: porque é que foram cúmplices?onde criticoOs que se calaram e exigiram silêncio a jornalistas e magistrados também são responsáveis por termos chegado aqui” e me interrogo sobre se, “Além de vergonha, não sentem peso na consciência?”

Do Expresso: 
  • 44, de Clara Ferreira Alves: “O legado de Soares ficou irremediavelmente comprometido por Sócrates. Sócrates comprometeu tudo aquilo em que tocou, como ácido sulfúrico. Sócrates é o agente corrosivo do Partido Socialista. E do país.”
  • Vergonha é terem demorado dez anos, de Henrique Raposo: “Vergonha tenho eu: vivo num país cujo partido dominante demorou dez anos a fazer este mea culpa sobre Sócrates. É uma década de amoralidade ou imoralidade. Vergonha tenho eu: vivo num país que só ataca quem já está morto.

Do Público: 
  • Está aberta a época de tiro ao Pinho, de João Miguel Tavares: “Não sei como o PS consegue separar José Sócrates de Manuel Pinho, como se um fosse a febra e o outro a gordura.
  • Corrupção: silêncio, barulho e ruído, Paulo Rangel, onde se faz uma defesa inteligente da estratégia de Rui Rio centrada no facto de ter sido o primeiro a romper o silêncio. 
  • Envergonhados de ocasião, do segurista António Galamba, que começa por perguntar: “Quem não se lembra que uma das mais ferozes críticas à Direção do PS era a da ausência de defesa do legado de José Sócrates?” Mais adiante sublinha: “O desenlace do divórcio de anos de convergência política entre José Sócrates e António Costa parece resolvido com a demissão do ex-primeiro ministro do partido, mas, para os cidadãos e para Portugal, fica por resolver a persistência dos protagonistas do passado e do presente e de uma certa forma de fazer política que pautou os interesses convergentes durante mais de uma década. Será como as manchas de bolor, pode-se limpar, mas amiúde reaparecem”.

Do Correio da Manhã: 
  • A grande lavagem, de João Pereira Coutinho: “Pinho foi a melhor coisa que aconteceu ao partido: à boleia do ex-ministro, foi possível atirar pela janela o ex-primeiro-ministro. Claro que, nestas manobras suínas, o estômago de um cristão fica virado do avesso. (...) Mas o PS sabe que, daqui a uns dias, a sujidade do exercício já corre para o ralo.

Da Sábado: 
  • O “Abominável Galamba” e José Sócrates, de Fernando Esteves: “Ao contribuir, com as suas palavras, para a decisão de abandono de Sócrates, Galamba limitou-se a ser Galamba: um homem que conhece ‘O Príncipe’, de Maquiavel, de fio a pavio, mas que de lealdade e gratidão pouco ou nada parece entender”. 

Não sei se falhei algum outro texto igualmente relevante, mas nestes julgo que os leitores do Macroscópio encontrarão suficiente “food for thought” num fim-de-semana que, espero, não seja só de dérbi lisboeta. De resto, com um pedido de desculpas pela hora tardia, despeço-me desejando-vos bom descanso e, se estiverem por Portugal, que tenham oportunidade para um raiozinho de Sol já capaz de nos aquecer a alma.

 
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