Há poucas coisas tão simples e tão complicadas como o tempo que faz lá foranuma manhã como esta. É o inverno, e o inverno é assim. É feito de chuva, de neve, de vento forte e de mar bravo, de trovoadas e granizo e frio. Há escolas fechadas, estradas cortadas, acidentes de trânsito e pessoas a quem acontecem coisa más. Muito más. Mas olhamos pela janela como quem olha para o mundo. E aceitamos. Faz parte da vida.
O mais complicado é explicar porquê. Porque é que, de repente, desata a chover e a nevar e há alertas de todas as cores? Tem a ver com o posicionamento do anticiclone dos Açores? Em parte, sim. Está iminente o choque de uma massa de ar quente vinda do Atlântico com uma massa de ar frio vinda da Rússia? Também - e quanto maior a diferença entre as duas massas mais severas são as condições do tempo. Mas há algo mais.
Comece por este artigo e siga para o The Guardian, onde é possível ler este texto que ajuda a complicar a situação. "Apesar de a maioria das notícias nos últimos dias terem tratado o frio na Europa num tom descontraído, existe a preocupação de que estamos a assistir não ao regresso dos invernos normais, mas sim à deslocação de algo que deveria estar a acontecer mais a norte", escreve o jornal. (Guerras de bolas de neve no Vaticano sempre deram melhores imagens do que gente a morrer de frio.)
O estado do tempo que temos, e que aceitamos calmamente sem pensar duas vezes, é na verdade a consequência direta de um fenómeno sério que terá ocorrido novórtice polar, ao nível da estratosfera. Claro que, a seguir, será preciso explicar o que causou esse fenómeno e, provavelmente, o que causou a causa e por aí fora. E é aqui que, mesmo depois de ler o artigo, nos perdemos. A estratosfera é demasiado longe, o vórtice polar demasiado estranho e, convenhamos, há sempre coisas mais importantes.
A meteorologia ainda é uma ciência avessa aos extremos. Os meteorologistas são capazes de descrever o nascimento do elefante que está a chegar, podem prever o percurso que o paquiderme vai fazer e até se o dito vai ficar cansado pelo caminho. Avisam-nos que não é recomendável estar à frente do bicho e que, provavelmente, vai haver estragos. Mas há duas coisas que não conseguem garantir: quantos elefantes vão nascer e onde é que as suas enormes patas vão cair com mais força.
Essa incerteza – que nos leva a discutir se existe aquecimento global e a ficar em pânico com a seca e também com o excesso de chuva - é a derradeira certeza de que o ser humano ainda não sabe tudo. Mesmo que pense que sim.
Os homens conseguem meter um míssil numa janela do terceiro andar de um prédio numa rua na Síria, mas não conseguemadivinhar o local exato que vai ser arrasado por um tornado. São capazes de apontar uma arma carregada à cabeça de outro ser humano e de apertar o gatilho, com a certeza de que vão tirar uma vida, mas nada sabem sobre a próxima grande cheia. Sabem exatamente a quantidade de químicos que devem meter numa ogiva para desaparecer toda a vida num bairro, mas não lhes peçam para indicar qual árvore que vai ser destruída por um raio.
E depois olham incrédulos para o que resta de uma aldeia destruída por um deslizamento de terras, mas não perdem um minuto a olhar para uma cidade arrasada por bombas. A natureza é imprevisível, implacável e capaz de estragos que nos deixam desesperados com a nossa ignorância.
Estranho mundo este em que um dia de chuva nos preocupa como se fosse uma guerra e uma guerra nos parece tão banal como um dia de chuva. É ténue a linha que separa oinverno do inferno.
Olhamos pela janela, ainda chove. E nunca vai deixar de chover, porque estaremos sempre demasiado ocupados a tentar compreender absolutamente a natureza e sem tempo para nos confrontarmos, a sério, com a irracionalidadedos nossos próprios atos. |
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OUTRAS NOTÍCIAS
O mau tempo vai dominar a atualidade, mas não a vai esgotar. Eis um guia breve dos assuntos de que provavelmente vai ouvir falar durante o dia de hoje:
Às três da tarde há debate quinzenal na Assembleia da República, com a presença de António Costa. O PCP abre as 'hostilidades' com uma intervenção sobre os direitos dos trabalhadores, mas o grande ponto de interesse será Fernando Negrão.
O novo líder da bancada parlamentar do PSD, ainda em período de arrumar a casa, faz a estreia no combate com o primeiro-ministro- já se tinham cruzado na Câmara Municipal de Lisboa.
E Pedro Passos Coelho entra hoje naquilo a que em política se chama a 'travessia'.
Sobre a atual situação no PSD, e não só, nada como ouvir o mais recente episódio da Comissão Política do Expresso.
As jornadas parlamentares do Bloco de Esquerda terminaram ontem, mas a julgar pelas declarações de Pedro Filipe Soares é muito provável que a discussão prossiga hoje.
Há 24 horas discutia-se a possibilidade de alterações na estrutura acionista da Galp, com a Amorim Energia, o maior acionista da petrolífera, a ponderar reduzir a posição de 33,34% que detém. Ora, a Amorim Energia é detida a 55% pelo Grupo Amorim, estando os restantes 45% na mão da Esperaza Holding, que é detida maioritariamente pela empresa controlada até há pouco tempo por Isabel dos Santos, a filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos. Sim, essa empresa é a Sonangol e a esta hora em Luanda está a decorrer uma conferência de imprensa.
Três diretores de serviço do Hospital de Faro estão demissionários. Queixam-se de falta de condições de trabalho. É fácil pensar que coisas destas só acontecem por cá, mas não é verdade. Em França, o Le Monde tem a correr um inquérito aos leitores sobre o atendimento nos hospitais públicos. Urgências sobrelotadas, serviços encerrados, falta de médicos... Há dias, o ministro da Saúde francês prometeu voltar a colocar o doente no centro do sistema.
Março começa amanhã, o que significa que faltam duas semanas para as florestas portuguesas estarem limpas. O único problema do plano do Governo, dizem os municípios, é que é impossível de cumprir. O i resume a situação na primeira página: "autarcas em choque frontal com o Governo" e acrescenta que os "bombeiros já avisaram que não estão disponíveis para limpar florestas".
Ainda na banca, dos jornais, escreve o Público em manchete que o "Défice na dona do Montepio agrava-se para 300 milhões". Em 2015, acrescenta o diário, quando o auditor já pedia medidas à associação mutualista, esse défice era de 107 milhões de euros. Ontem a SIC avançou que está acertado o negócio que pode levar a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a ficar com parte do Montepio.
As restantes manchetes
DN: "Preço dos hotéis subiu 10% em 2017"
JN: "Proteção de Dados quer proibir drones de filmar crianças"
Correio da Manhã: "Descoberto cadáver em parede desde 1970"
Os tempos estão a mudar e nos Estados Unidos da América já nada é capaz de surpreender. Jared Kushner, o genro de Donald Trump que tem nas mãos a paz no Médio Oriente, foi banidoda lista de pessoas importantes que recebem informações classificadas dos serviços secretos americanos. Mas a vida continua e o The New York Times conta o regresso à escola de uma das vítimas do tiroteio num liceu na Florida.
Duas notícias rápidas sobre música:
a) Bjork cancelou o concerto em Paredes de Coura
b) Diogo Piçarra, envolvido num alegado caso de plágio de uma música religiosa da IURD, 'cancelou' a sua participação na final do Festival da Canção. No seu lugar estará a música "Mensageira"
E voltamos à estrada, para falar da decisão de um tribunal alemão que autoriza as cidades a proibirem a circulação de automóveis a gasóleo. A chanceler Merkel foi prudente e limitou-se a dizer que vai analisar a sentença. Leia uma reportagem em Estugarda onde, como diz o New York Times, existe um estádio chamado Mercedes...
O EL Pais tem um interessante artigo sobre as 'estradas' que os romanos deixaram na Península Ibérica - e como são parecidas com as atuais autoestradas portuguesas e espanholas, onde, se a moda alemã pega, em breve não haverá carros a diesel.
A Coreia do Norte pode ter vendido armas químicas à Síria. E no inferno não há tréguas.
A ex-presidente da Coreia do Sul, que nunca mais vai ser presidente da Coreia da Sul, arrisca uma pena de 30 anos de prisão por crimes de corrupção. Pode ler aqui (em inglês) ou em francês no Le Monde.
Nicolas Maduro, o ainda presidente da Venezuela, anunciou que quer ser o próximo presidente da Venezuela.
E Lula da Silva, o antigo presidente do Brasil que quer ser o futuro presidente do Brasil, assiste amanhã à discussão sobre o pedido de habeas corpus preventivo que visa impedir a sua entrada antecipada na cadeia, depois de ter sido condenado a 12 anos e um mês de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção. Ainda no Brasil, um dos assuntos do momento é a presença militar nas favelas do Rio de Janeiro, assunto sobre o qual pode ler no Globo.
Três polícias foram agredidos à martelada, ontem, em Olhão.
E mais três notícias rápidas
a) Três iphones a caminho este ano
B) Em França discute-se a possibilidade de os carteiros ajudarem a preencher as declarações de rendimentos online
C) Já pensou comprar uma aldeia?
Aves e Caldas jogam hoje, às 20h15, a primeira mão da segunda meia-final da Taça de Portugal.
Fechamos este bloco com uma notícia sobre um país da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa onde decorre o julgamento de 146 pessoas que pensam de forma diferente das pessoas que mandam no país. Um julgamento que, segundo outras pessoas que claramente também não pensam como as pessoas que mandam, pode acabar com os 146 condenados a 30 anos de prisão ou a pena de morte.
O QUE ANDO A LER
Dois artigos e um livro.
Há pouco tempo a revista Time dedicou uma edição inteira à crise dos opiáceos nos Estados Unidos da América. É um artigo marcante porque coloca diante dos nossos olhos os momentos, os problemas e as pessoas que, muitas vezes, escolhemos não ver. Por ano, há 64 mil mortes.
Este trabalho da Time é uma excelente atalho para voltar a ler um artigo de outubro do ano passado. Conta a história de uma das famílias mais ricas da América, gente riquíssima que se dedica à filantropia e a apoiar todo o tipo de causas nobres. O texto da New Yorker, aliás, começa assim. O problema é que as pessoas dessa família, presença frequente nos media, raramente falam da Purdue Pharmaceutics, a empresa que comercializou o Oxycontim - para muitos o medicamento que marcou o principio do fim.
Volto ao artigo da Time porque o Poynter Institute conta que tudo começou, há dois anos, com a fotografia de um homem e de uma mulher, ambos inconscientes e com uma overdose de heroína, sentados dentro de um carro. Ele tem uma camisola preta de manga curta, ela uma camisola de alças. No banco de trás, sentado na cadeirinha, está um menino louro e tem uma t-shirt cheia de dinossauros coloridos. É o neto da mulher. A fotografia foi tirada em setembro de 2016, num dia de sol, mas o miúdo olha-nos como se estivesse sozinho no meio da rua numa manhã de inverno.
Deixei para o fim uma frase do livro de ficção, baseado numa história real, que estou a ler:
"Embora faça um frio terrível e o campo esteja cheio de neve e de lama, Lale está de bom humor."
Chama-se "O Tatuador de Auschwitz", de Heather Morris.
Agasalhe-se. E tenha um bom dia de mau tempo. |
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