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Por Filipe Santos Costa
Jornalista da secção Política
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12 de Dezembro de 2016 |
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Dia de São Tony
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Bom dia.
É hoje!
António Manuel de Oliveira Guterres, engenheiro de formação, político por vocação, secretário-geral da ONU por unanimidade e aclamação, é esta tarde beatificado, perdão, empossado nas novas funções na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, o altar, perdão, o umbigo do mundo. Às 10 horas da manhã nova-iorquina, três da tarde deste lado do Atlântico, Guterres fará o juramento da praxe, testemunhado, não por meio mundo, mas por representantes do mundo inteiro. E também por Marcelo Rebelo de Sousa, seu siamês político, António Costa, seu afilhado partidário, e o padre Vítor Milícias, seu confessor e especialista em assuntos de santidade, que não me deixa mentir.
Por cá, é de prever que se continuem a cantar hosanas ao homem, à obra e ao percurso. Quem se lembra do país execrar Guterres como execrou os seus piores não deixará de apreciar a ironia desta unanimidade liquedefeita perante o homem a quem João Miguel Tavares chamou, com propriedade, “Santo António de Nova Iorque”.
O colunista do Público só não acertou em cheio porque o nosso muito português António foi adotado pelo mundo como o “Tony” (que pena já não ter aquele bigode dos anos 80…), conforme se percebe nesta reportagem do Ricardo Lourenço, que falou com quem o conhece e com quem sabe o que o espera nos próximos anos. Os trabalhos que Tony Guterres tem pela frente vão exigir-lhe nada menos que paciência de santo, visão de profeta e mãos de milagreiro. Porque o mundo, como diria Vasco Pulido Valente, está perigoso. Eis alguns exemplos das últimas horas:
A Síria ameaça tornar-se uma guerra sem fim. O genocídio de Aleppo continua e, apesar do apoio russo e de ataques aéreos massivos, a histórica cidade de Palmira voltou a ser disputada, palmo a palmo, entre as tropas governamentais e os combatentes do auto-proclamado Estado Islâmico.
Na Turquia, como se não bastasse o terror de Estado ordenado pelo Presidente Erdogan, um grupo radical curdo reivindicou o atentado à bomba que no sábado à noite provocou 38 mortos junto ao estádio do Besiktas.
Na Somália, um ataque com um camião armadilhado matou pelo menos 29 pessoas num atentado em Mogadiscio.
No Egito, continua a onda de violência: um atentado contra a catedral copta do Cairo fez 25 mortos, sobretudo mulheres e crianças. O apoio dos católicos copta ao Presidente Sisi transformou-os em alvo declarado da Irmandade Muçulmana, conforme se pode ler aqui.
Nas Filipinas, amontoam-se os cadáveres, conforme prossegue a sangrenta guerra do Presidente Rodrigo Duterte ao tráfico de droga. Eis um bom exemplo do mundo ao contrário: Duterte, que chegou à presidência com um currículo que o aconselhava para tudo menos para chefiar um Estado de Direito, está a superar os seus pergaminhos com um banho de sangue que arrasta criminosos, suspeitos sem culpa formada e inocentes sem sombra de culpa. O New York Times publicou uma foto-reportagem brutal sobre o que se passa no país. Aviso: não é material para almas sensíveis.
No Iraque... Bom, no Iraque... Leia esta reportagem de Bernard Henri-Levy, acabado de regressar de Mosul. É esclarecedora.
Nos EUA, Trump faz questão de ser Trump. (Parêntesis: viu que a Time o elegeu, obviamente, como figura do ano? E viu a extraordinária capa desse número da revista? Olhe outra vez, lendo este texto. É a análise minuciosa da composição da capa, e vai bastante além do pormenor da letra M, de Time, formar um par de corninhos sobre a cabeça do futuro presidente. Fim de parêntesis)
Por um lado, o presidente-eleito continua a montar o que poderá ser a administração mais heterodoxa da democracia americana. Depois de ter escolhido um testa de ferro dos combustíveis fósseis para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (e de voltar a mostrar dúvidas sobre as alterações climáticas e os Acordos de Paris), tudo indica que Trump poderá indicar o CEO da Exxon Mobile, Rex Tillerson, como secretário de Estado - ou seja, o delicadíssimo posto de chefe da diplomacia mais poderosa do mundo poderá ficar nas mãos de um homem sem qualquer experiência governamental. Única razão que parece indicá-lo para a função? A carreira nos negócios fez dele um amigo da Rússia e de Vladimir Puttin.
Sim, já não há como esconder, há mesmo um affair de Trump com a Rússia, e torna-se cada vez mais suspeito. Basta ver a forma como ontem, numa entrevista à Fox News, o presidente-eleito descartou como "ridículas" as conclusões da CIA de que houve mesmo mão russa nas eleições norte-americanas.
O caso é sério e pode ter sido determinante no resultado das eleições - os provas recolhidas pela CIA não só confirmam responsabilidade russa no ciberataque para roubar os emails do Partido Republicano, como uma estratégia deliberada para prejudicar Hillary Clinton e beneficiar Trump. Há figuras de topo de ambos os partidos, republicanos e democratas, a pedir uma investigação aprofundada ao que se passou. Mas Trump tomou a atitude inédita de desconsiderar os relatórios dos seus agentes de segurança nacional - já sabe que é tudo ridículo e não quer ouvir falar mais no assunto. Pudera...
Em Itália, Matteo Renzi despediu-se da chefia do governo com um "até breve" e partiu para uma viagem pelo país. No seu lugar ficou um fiel, Paolo Gentiloni, ex-ministro dosNegócios Estrangeiros, que governará até às eleições (O El País tira-lhe um bom retrato). Tudo isto enquanto as sondagens continuam a dar vantagem ao Movimento 5 Estrelas, do populista Beppe Grilo (No DN, Wolfgang Münchau explica bem explicadinho porque é que a Itália é uma dor de cabeça). |
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OUTRAS NOTÍCIAS
Ontem foi dia de dérbi e o Benfica reforçou a liderança do campeonato ao vencer o Sporting por 2-1. Rui Vitória apostou em Rafa como titular e este foi eleito melhor em campo. Jorge Jesus voltou a justificar um mau resultado com a equipa de arbitragem. Mas isto é resumo de quem sabe pouco de bola - leia na Tribuna a análise séria e aprofundada dos especialistas sobre o desempenho do Benfica e do Sporting. No balanço da jornada, o FC Porto recuperou o segundo lugar, ultrapassando o Sporting. E convém estar atento aos desenvolvimentos do cartolina-gate, que promete.
Ainda sem tirar os olhos da bola, não páram as revelações do Football Leaks. Este fim de semana o Expresso fez a radiografia dos negócios de Alexandre Pinto da Costa com o clube dirigido pelo seu pai, uma história com conflitos de interesses e comissões à margem da lei.
E vale a pena perceber também como no recrutamento de jovens talentos do futebol impera a lei da selva. O negócio do FCP com Chidera Ezeh, um jovem nigeriano de 16 anos, é um caso exemplar.
Curiosamente, apesar da gravidade dos factos que vêm sendo revelados pelo consórcio de investigação ligado ao Football Leaks, o impacto destas notícias é bastante menor do que seria expectável. Para os jornais desportivos o caso praticamente não existe. E parece que ninguém quer realmente conhecer os negócios escondidos dos deuses da bola, a começar por Cristiano Ronaldo (que hoje recebe mais um troféu). Ou então os portugueses acham "quase normal" que os futebolistas fujam aos impostos, como diz Marques Mendes.
Mas, se por cá é assim, em Espanha é ainda pior. Leia esta entrevista ao diretor do El Mundo, o único grande jornal espanhol que está a denunciar este caso, e perceberá até que ponto pode ir a disposição de não ver, não ouvir e não dizer - mesmo entre jornalistas.
Noutro campeonato, as coisas não estão fáceis para Pedro Passos Coelho. E não nos referimos apenas ao facto de meio PSD já ter a cabeça virada para o pós-Passos. O Correio da Manhã conta que o brevíssimo segundo governo da coligação PSD-CDS vendeu "à pressa" à Empresa Nacional de Diamantes de Angola a participação que o Estado Português detinha em três minas de diamantes naquele país. O CM diz que Portugal "terá perdido 30 milhões de euros com o negócio", feito quatro dias antes do programa do Governo ser chumbado no Parlamento.
O Público faz outra revelação sobre os últimos tempos de governação de Passos Coelho: dois pareceres da Inspeção-Geral de Finanças que davam conta de agravamento das imparidades na Caixa Geral de Depósitos ficaram durante seis meses fechados numa gaveta do Ministério das Finanças. Só a 15 dias das eleições os documentos viram a luz do dia, com despacho do secretário de Estado das Finanças, Manuel Rodrigues.
Ontem, Passos Coelho voltou a ser criticado por Marques Mendes, no comentário da SIC, e esta manhã, no i, Guilherme Silva, ex-presidente do grupo parlamentar do PSD, passa uma espécie de guia de marcha ao líder do PSD: "Se for necessário mudar de líder, lá terá de acontecer." O PSD agita-se, resta saber se pula e avança.
Ana Gomes quer reabrir uma investigação. Isso, já adivinhou, os submarinos voltam a emergir no discurso da eurodeputada do PS. Depois de anos de investigações, dezenas de inquirições, centenas de documentos, uma comissão parlamentar de inquérito e um arquivamento judicial, Ana Gomes diz agora que há novas pistas nos Panamá Papers.
Um caso de copo meio-cheio e copo meio-vazio. O Jornal de Negócios conta que "um terço das câmaras baixa IMI em 2017" - nada como a proximidade de eleições autárquicas para estimular a generosidade dos autarcas. Por outro lado, o Jornal de Notícias revela que "menos câmaras aplicam IMI familiar em 2017", ou seja, o desconto no imposto para agregados com três ou mais filhos. Conclusão: não se pode ter tudo (nem em ano eleitoral).
Segundo a manchete do Diário de Notícias, as empresas públicas ainda têm mais de 2500 milhões de euros aplicados em produtos de risco. É muito dinheiro e muito risco. "Perdas potenciais, só no Metropolitano de Lisboa e no Metro do Porto, ultrapassam os mil milhões", escreve o jornal.
O QUE ANDO A LER
Livro. O João Gobern sabe sobre muita coisa muito mais do que muita gente. Tem um olhar atento, tem uma memória prodigiosa, mantém a curiosidade ao fim de uma carreira jornalística que já leva décadas. O João já fez de tudo nas muitas redações por onde passou - foi jornalista, reporter, fazedor de opinião, editor, diretor -, mas tudo começou com a televisão, escrevendo resumos dos episódios da telenovela no tempo em que a telenovela fazia parar o país. E o Telejornal, e os programas do Carlos Cruz, e do Fialho Gouveia, e do Raul Solnado, e o Festival da Canção, e os Jogos Sem Fronteiras, e o Dallas, e, e, e… É sobre esses programas e esse tempo, “Quando a TV Parava o País”, que João Gobern escreve no seu livro mais recente. É um exercício de memória, despretencioso, bem sustentado, bem escrito e bem humorado, carregadinho de histórias mas livre de saudosismos. Do tempo em que quem queria ver um programa tinha de ver ao mesmo tempo que os outros, e quem não via não tinha assunto para o dia seguinte.
Listas. Se há boa tradição do final de ano são as listas com os melhores de tudo e mais alguma coisa. Este fim de semana foi divulgada mais uma lista dos melhores discos do ano, agora da Newsweek. Não é exatamente uma publicação que dê cartas a fazer opinião sobre música, mas serve para validar as grandes tendências deste final de 2016: estão lá os álbuns de David Bowie e Nick Cave, de Radiohead e de Beyoncé, que não faltam em praticamente nenhum top 10. Conforme pode confirmar noutras listas, como esta, esta ou esta.
Reportagem. Se não leu no fim-de-semana, ainda vai a tempo: o Expresso passou três meses dentro do 127º Curso de Comandos - esse mesmo, em que morreram dois militares. A reportagem do João Santos Duarte e do Tiago Miranda foi o tema de capa da revista E.
Amanhã o Expresso Curto sai pela mão do Pedro Santos Guerreiro.
Até lá, terá muito para ler ao longo do dia por aqui, no Expresso online e no Expresso Diário, às 18h00.
Boa segunda-feira. |
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