segunda-feira, 9 de novembro de 2015

OBSERVADOR - 9 DE NOVEMBRO DE 2015

Macroscópio – Amanhã ficamos sem governo. Mas ainda não será amanhã que veremos “o papel”

Para: antoniofonseca1940@hotmail.com

Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
Hoje começou a discussão do Programa do Governo PSD/PP, um governo que deverá ser o mais curto da história da nossa democracia, pois anuncia-se para amanhã o chumbo desse mesmo programa. Durante o fim-de-semana os partidos da esquerda acabaram por fechar o seu acordo – ou acordos, pois não subscreverão um documento único. Tal como não subscreveram uma só moção de rejeição, apenas permitiram que fosse a do PS a primeira a ser votada. À hora a que escrevo já todos sabemos que este Governo cairá – porém, ao contrário do que foi anunciado, antes não conheceremos antes da votação o teor dos acordos que o PS assinará com o Bloco, os Verdes e o PCP. Só sabemos que não incluirão a garantia de que esses partidos aprovem os quatro orçamentos desta legislatura. Esta crise continuou, sem surpresa, a suscitar muitos comentários e análises durante o fim-de-semana, que vou tentar recuperar neste Macroscópio, centrando-me nos seus argumentos mais importantes.
 
Antes porém de ir aos textos mais analíticos, cabe-me referir três entrevistas que me parecem relevantes:
  • Porfírio Silva, um dos dirigentes do PS mais próximo de António Costa, falou ao Observador: “Ninguém espera que desenhemos agora quatro orçamentos”. Há uma passagem que me pareceu bastante significativa da forma de pensar da actual liderança socialista: “O que o secretário-geral do PCP disse tem muita racionalidade. ‘Porque o que ele disse foi: porque é que é 3% e não é 4%?’ O que ele quer dizer: quando se definiram as regras, devia haver um racional para essa definição e isso podia ser discutido e a opção poderia ter sido outra. E é verdade. Podia ter sido outra. O que o secretário-geral do PCP disse é racional. As regras podiam ter sido outras, o desenho podia ter sido outro, nós próprios dizemos que continuaremos a participar no seio da UE e no quadro da Zona Euro em todas as discussões que se vão tendo acerca de como se podem melhorar as regras.” Ou seja: será que as convergências entre o actual PS e o PCP ainda são maiores do que pensávamos?
  • Álvaro Beleza, uma das vozes socialistas que se levantou contra o acordo da “maioria de esquerda”, falou ao Público:“Esta direcção do PS é uma deriva esquerdista”. Eis a passagem em que sustenta a sua preferência por uma outra estratégia: “Quanto mais forte é a posição do PS, mais fraca é a posição negocial dos partidos à nossa esquerda. E a posição do PS hoje é mais fraca porque há uma parte do eleitorado do PS que foi surpreendida por este processo. O PS, assim, aliena o centro. Em contrapartida, se a coligação continuasse com más políticas, com políticas impopulares, de destruição do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, o PS tinha mais argumentos e credibilidade pública para impor um acordo ao PCP e BE. Hoje, o PS está numa posição frágil nestas negociações porque esses dois partidos acham que o PS quer o poder de qualquer maneira. Eu prefiro um Governo da direita refém do PS, do que um Governo PS refém da esquerda radical.”
  • Daniel Bessa, actual presidente da COTEC e antigo ministro de um governo socialista, num debate n Rádio Renascença:“Costa vai ter de subir impostos”. Eis como fundamenta esta convicção: “Achei interessante que António Costa tenha dito: ‘o compromisso com os meus parceiros é este’. Ou seja, eu comprometo-me com os meus parceiros a aumentar despesas e reduzir receitas e depois, fica do meu lado a obrigação de garantir a consistência destes números. Sinceramente não sei como vai ser feito. Suponho que, em parte, vá sobrar para mim: virão por aí uns aumentos de impostos e não sei bem se chegará”.
 
Passemos agora a uma selecção de alguns dos artigos de opinião mais relevantes. E vou começar por um que talvez tenha surpreendido muita gente, por vir de quem vem – Clara Ferreira Alves – e mostrar o tom de opróbrio a que o debate chegou. Saiu no Expresso deste sábado: Anticomunista, obrigada! É um texto onde se descreve, com abundância de pormenores, a forma como actua, e sempre actuou, o Partido Comunista, citando exemplos que vão de greves estudantis na Faculdade de Direito à forma como hegemonizaram e controlaram o mundo da cultura, para acabar concluindo: “O Partido Socialista meteu-se nesta querela sem ter trunfos na manga. Perdeu as eleições, e isso faz toda a diferença na potestade. O PS não tem sobre o PCP e o BE um direito potestativo. São eles que o têm, e exigirão a submissão. Não sei como sairá disto. Sei que das duas uma. Ou António Costa é um génio político e submete os parceiros à sua imponderável vontade ou caminhamos para a mais grave crise de regime depois do 25 de Abril. E, talvez, para o fim do regime saído do 25 de Abril. Quanto a mim, sou o que sempre fui. Portuguesa e anticomunista, obrigada. Nisso, não mudei.”
 
A entrevista de António Costa à SIC na passada sexta-feira foi ponto de partida para Rui Ramos, aqui no Observador e em Isto não é normal, nem na Noruega, ironizar sobre o que nos está a ser oferecido pelos partidos da esquerda: “Pediram um acordo? Pois António Costa não traz um acordo, mas três, porque o PCP teve o requinte de se desmultiplicar e exigir dois (um com ele próprio e outro com o seu heterónimo Verdes). Há três acordos, mas pelo menos dois deles, segundo Costa explicou na SIC-Notícias, não são “políticos”, apenas “programáticos”, isto é, uma troca de “medidas simpáticas” (expressão do próprio Costa). Entre os quatro partidos, segundo ele, há “diferenças profundas em matérias importantes”. Um governo de Costa ocupar-se-á assim só de matérias que não são importantes?”
 
No site da Rádio Renascença, José Luís Ramos Pinheiro sintetiza bem o que eram as opções de António Costa em Primeiro-ministro fraco? Ou forte líder da oposição? Retoma alguns dos argumentos da oposição interna do PS, mas dá bons exemplos do que serão as consequências do tipo de acordos a que Costa chegou. Por exemplo, sobre o Bloco: “Aquilo que é aparentemente bom ou simpático, Catarina reivindicará como seu (já o fez durante as conversações, condicionando Costa e irritando o PC); e o que for negativo será endossado ao PS, cujo enfraquecimento eleitoral em favor do Bloco é condição necessária para cumprimento do sonho de um Syriza à portuguesa”. Mais adiante, sobre o PCP: “O líder do PCP quer viabilizar um Governo PS sem se comprometer com muita coisa. Se ficasse demasiado preso a um Governo socialista, como poderia o PC continuar a mobilizar a rua? O PCP está habituado a comandar protestos anti-governamentais. Um PCP fardado de governo protestaria contra quem? Contra a oposição de direita?”
 
No mesmo site da Renascença, Francisco Sarsfield Cabral, em A prova real, chama a atenção para um dos problemas que mais preocupam os que seguem a evolução dos mercados da dívida: “O que fará esse governo se a agência canadiana de rating colocar a nossa dívida pública no “lixo” (como fizeram as outras três grandes agências), dificultando o acesso aos mercados e o apoio do BCE? Ninguém sabe.” Num dia em que as notícias vindas dos mercados não foram boas: a Bolsa de Lisboa caiu muito e os juros da dívida subiram como há muito não sucedia.
 
Outros textos (são a maioria) onde se manifesta cepticismo e preocupação com o evoluir da situação:
  • Ganhou a convenção, de André Macedo, no Diário de Notícias: “Este acordo a quatro vozes não muda de forma dramática as ideias iniciais de Costa e não atira o PS para o radicalismo à sua esquerda, mas há neste documento alterações suficientes para que o liberalismo de Mário Centeno e a energia que poderia ajudar a libertar no país fiquem em grande parte na gaveta. O que é lamentável.”
  • O tremendismo no País das Maravilhas, de Paulo Almeida Sande, no Observador: “O realismo mágico do país das Maravilhas não é compatível com a realidade. António Costa e o PS sabem que o bater de asas de uma coligação de esquerda em Portugal pode desencadear um tsunami internacional que impeça o país de voar. Que fazer?”
  • Contrariando o terceiro-mundismo, de João Carlos Espada, no Público: “Sem centro-esquerda com autonomia, a democracia portuguesa poderia ser arrastada para um clima terceiro-mundista da “esquerda contra a direita” e dos “pobres contra os ricos.” Basta olhar para a América Latina (para não ir mais longe) para ver os tristes resultados que essa visão do mundo produziu — e de que, a custo, o continente sul-americano tenta libertar-se. Esse não é seguramente o mundo a que os eleitores do PS, PSD e CDS desejam pertencer.”
  • O próximo governo do Mississipi, de Viriato Soromenho Marques, no Diário de Notícias: “O acordo das esquerdas, liderado por António Costa, concentra-se no imediato, em vez de exigir aos aliados ocasionais uma lealdade inabalável no mais importante: uma estratégia nacional de renovação europeia que mobilize o país e suscite apoios nos nossos parceiros, sem desafiar inimigos que não estamos ainda em condições de combater. Um governo forjado num compromisso que cala o essencial para a sua perenidade nas lutas que se avizinham arrisca-se a uma existência efémera.”
  • Temos todo o tempo do mundo, de Miguel Sousa Tavares, no Expresso (link para assinantes): “Discutem aumentos de salários na função pública com diminuição de horários, aumento das pensões, cancelamento de taxas moderadoras nos hospitais públicos, devolução da sobretaxa do IRS, restabelecimento de subsídios sociais, baixas do IVA, etc. (…). Mas será isso um programa de governo? Aqueles três partidos de tão generosas almas não têm nada a propor sobre a reforma do Estado, sobre a Justiça, sobre a Educação, sobre a sustentabilidade financeira da Segurança Social, sobre a política externa, sobre o Ambiente e o Ordenamento do Território (…)? Será que estão apenas a discutir o poder e o caderno mínimo de benfeitorias para cada um o vender aos seus militantes?
 
E por aqui me fico por hoje. O que se passará nas próximas horas é conhecido: o XX Governo Constitucional verá o seu programa rejeitado. Depois, só depois (quarta-feira?), veremos os textos dos três acordos firmados pelo PS. E a seguir o centro das atenções muda-se para o Palácio de Belém, pois a última palavra caberá ao Presidente da República. Os dias vão pois continuar intensos, sem dúvida interessantes, mas também perigosos. Não deixaremos de estar atentos.
 
Bom descanso, boas leituras e durmam bem: isso é mesmo importante para a vossa saúde.
 
Até amanhã. 

 
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