Agosto, como já referimos no Macroscópio, foi em câmara lenta. Quem foi de férias e agora regressa não terá perdido muito da campanha eleitoral ou de debate de ideias e propostas. Mas agora que estamos a entrar na reta final e as sondagens ainda estão muito indefinidas, é tempo de irmos dedicando mais atenção a um despique que, no nosso país, deverá a ser muito centrado nos grandes partidos de sempre: o PSD, que vai coligado com o CDS, e o PS. Por isso seleccionei um conjunto de trabalhos jornalísticos e de textos de opinião que me pareceram mais relevantes de todos quantos saíram nos últimos dias.
O meu primeiro destaque vai para dois levantamentos jornalísticos mais interessantes e mais profundos: um trabalho de Edgar Caetano no Observador sobre o nosso futuro no euro, É possível Portugal ser competitivo no euro?, e um de Sérgio Aníbal no Público sobre a reforma do sistema de pensões na Suécia, Um piloto automático que não evita corte nas pensões.
O trabalho do Observador é o primeiro de uma série de 14 Especiais que abordarão em profundidade alguns dos temas da campanha eleitoral, procurando dizer onde estamos e para onde os partidos querem que vamos. No caso deste sobre Portugal e o euro, procurou-se responder, falando com especialistas (como João Ferreira do Amaral e Ricardo Reis) e olhando para os números, se “A economia portuguesa precisa da "muleta" da desvalorização cambial para conseguir ser bem sucedida no comércio internacional? Ou será que a competitividade "é, em grande parte, uma escolha"?” Independentemente do debate técnico e político, deixar o euro é hipótese que nenhum dos grandes partidos coloque, e que só o PCP defende abertamente. Ou seja, mesmo sendo um tema importante, é pouco provável que seja muito discutido durante a próxima campanha.
Já o trabalho do Público surge enquadrado numa série que chamaram “12 ideias para Portugal”. Sendo uma reportagem na Suécia, é um texto que descreve bem a enorme revolução no sistema de pensões, uma revolução feita por consenso entre as principais forças políticas e sociais. A escolha da Suécia justificou-se pois este país tem um dos sistemas financeiramente mais sustentáveis, ao passo que “Em Portugal, o envelhecimento da população e a crise económica colocam em risco o financiamento das futuras pensões. As previsões não são animadoras: em 2025, a pensão corresponderá a menos de 45% do salário. Em 2060 a pouco mais de 30%.” Não se pense contudo que a sustentabilidade do sistema sueco não implicou cortes passados, presentes e futuros. Ou seja, na Suécia “O sistema resiste, mas a descida das pensões provocada pela crise é um teste difícil de superar.”
Não vamos pois escapar ao tema da reforma do nosso sistema de pensões, mas é pouco provável que possamos discutir seriamente essa reforma durante esta campanha eleitoral, onde a troca de acusações de parte a parte tem dominado as intervenções públicas. Mas para que não se fique com a ideia que este é um tema “inventado” pelos políticos, recupero uma peça de meio de agosto do correspondente do Financial Times em Lisboa, Peter Wise, que diz com clareza aquilo que por temos dificuldade em ouvir: Portugal faces ‘perfect demographic storm’. Quem conhece o tema não ficará muito surpreendido, quem quiser ter uma boa síntese deve ler. Afinal, é simples e duro: “Portugal is the EU country hit hardest by a Europe-wide demographic problem as falling fertility rates and ageing populations threaten economic growth and the provision of pension, public health and elderly care services.”
Passo agora, em parte pela curiosidade da coincidência, muito pela pertinência do que é dito, a duas entrevistas dadas este fim-de-semana por António Barreto (ao Sol) e Maria Filomena Mónica (ao jornal i). Na primeira, de que só está disponível online uma pequeníssima parte, Barreto defende que ‘O PS não teria feito muito diferente do Governo’. É um título retirado da seguinte passagem: “Do que até agora o PS produziu eu já vi sinais de que havia alternativas, mas são alternativas muito pontuais. Pelo que eu sei, não creio que o PS tivesse feito muito diferente.”
Já a conversa de Filomena Mónica com o jornal i surge-nos dividida em três partes (1, 2 e 3). Do primeiro desses textos, ”Ninguém me consegue amarrar”, deixo apenas uma passagem que muitos podem achar provocatória, mas é também de uma grandes sinceridade:
Vota em branco há vários anos.
Votei sempre socialista desde 1975, mas agora voto em branco porque estou farta de votar em quem os secretários-gerais escolhem. Portanto chego lá [à urna] e risco aquilo, mas (…) custa-me não ir votar num país onde não pude votar durante tantos anos.
Vai voltar a votar branco em Outubro?
Vou. De resto não me entusiasma nem o Passos Coelho, nem o António Costa. Também a campanha tem sido tão desinteressante de ideias… Não é que ache que as ideias são muito importantes, não leio os programas, mas a personalidade misturada com as ideias é importante e nenhum deles tem uma personalidade forte.
Os líderes, naturalmente, não querem que esta seja a regra, e uma das inovações desta campanha foram as “cartas aos indecisos” que António Costa decidiu escrever sobre alguns dos temas mais fortes da sua campanha. Têm vindo a ser publicadas no site do Acção Socialista, com excepção da que dedicou à Europa, que foi editada, em exclusivo, pelo Observador: Novo impulso à convergência com a Europa. Nesse texto argumenta que, apesar do que considera serem algumas evoluções positivas nestes anos de crise quase permanente do euro, não nos devemos iludir: “A questão de fundo está por resolver: as uniões monetárias não aceleram a convergência, antes acentuam as assimetrias, entre as várias economias. É preciso um novo caminho, de impulso à convergência.”
Mas, no Observador, os indecisos não foram apenas tema para o líder socialista. Rui Ramos também escreveu Carta de um indeciso aos seus semelhantes. Na verdade é um texto onde critica as contradições do PS que estarão a contribuir para a necessidade do seu secretário-geral se dirigir directamente aos indecisos. Por exemplo: “O PS tenta ser tudo e dizer tudo. Umas vezes entoa as canções do PREC com Sampaio da Nóvoa, outras vezes examina folhas de Excel com Mário Centeno. Na sua carta, António Costa chega a recuperar os velhos lugares comuns da retórica imperial em vigor antes de 1974: “Há 600 anos, partimos à descoberta. É altura de descobrir e valorizar as Índias e os Brasis que temos em nós”… Esta confusão ideológica é parte de um caos de facções que, em Julho de 2013, impediu o PS de tomar o poder quando lhe foi oferecido. Desde então, mudaram as caras, mas os problemas são os mesmos.”
O tema das difíceis relações do PS com a pressão que constitui, à sua esquerda, um radicalismo a que a crise deu muito protagonismo, foi, de resto, objecto de mais alguns textos no Observador, nomeadamente destes dois:
- Radicalização do PS: entre Câncio e Ascenso Simões, de André Azevedo Alves: “Apesar de não ocupar qualquer posição partidária formal, Câncio e a tendência de pensamento sectário e radical em que se insere são relevantes no panorama político português e em especial no PS.”
- As divisões do PS e das esquerdas, de João Marques de Almeida: “O centro teme aventuras e quer segurança. A extrema-esquerda redescobriu o fervor ideológico e não quer compromissos, vistos como traições. É quase impossível Costa convencer ambos a votarem no PS.”
Mas há duas coisas que, a cinco semanas das eleições, parecem certas: as dificuldades não terminarão com a escolha dos eleitores a 4 de Outubro. Se quisermos ter uma ideia dos problemas que Portugal continuará a ter pela frente, então recomendo a leitura da entrevista ao Diário Económico de Albert Jaeger, um austríaco que poucos portugueses conhecerão mas que foi quem dirigiu o escritório do FMI em Lisboa nos últimos anos e agora está de partida. Em “Muitas empresas endividadas e pouco produtivas vão ter de fechar” ele sublinha que “Há empresas com baixa produtividade e elevado endividamento. Não produzem muito, representam quase 20% do emprego total, têm dívida elevada e muitas vão ter de fechar. Depois, há empresas com elevado endividamento, mas com produtividade aceitável ou elevada. São uma fatia grande da economia, quase metade do valor acrescentado e do investimento, mas também mais de metade da dívida. Não estão no seu potencial máximo. Uma empresa altamente endividada foca-se em sobreviver, não em produzir e vender, e está limitada no investimento. São empresas viáveis, mas têm de reduzir o endividamento.”
Bruno Faria Lopes, no mesmo Diário Económico, traduziu o significado de termos de 20% do emprego estar em empresas que, no fundo, são inviáveis: Portugal e os próximos 900 mil desempregados. Leu bem, caro leitor: 900 mil desempregados pois há 900 mil empregos em empresas inviáveis. Pelo que:
A dimensão deste desafio - ligada à baixa qualificação dos nossos gestores e trabalhadores, aos incentivos errados para o endividamento e à gestão negligente da banca comercial - é suficiente para nos deixar de pés bem assentes na terra. Os caminhos são curtos. Por um lado, a base exportadora continua a ser demasiado escassa para absorver tanto emprego - em 2010 compreendia 13% das empresas e o crescimento das exportações desde então não resulta tanto do aparecimento de novas empresas, mas de um esforço das já existentes (…). Por outro, o actual equilíbrio das contas externas é frágil (…) o que desaconselha um estímulo centrado sobretudo no consumo privado e no investimento para ele dirigido.
Não estamos pois na botica dos milagres. Até porque os actuais cenários eleitorais indicam que, na noite de 4 de outubro, o vencedor terá pela frente uma difícil questão: O que fazer com uma vitória? A pergunta é de Ricardo Costa no Expresso deste fim-de-semana e é pertinente. Escreve ele: “Na noite das eleições vai haver um derrotado à beira da demissão. Mas, em simultâneo, o vencedor vai ter de interromper a festa para se olhar ao espelho e perguntar: o que fazer com esta vitória? É essa provável vitória sem maioria absoluta, seja de que campo for, que vai marcar o novo ciclo político. Como Cavaco Silva voltou a lembrar esta semana, o que estará em cima da mesa não é o programa do partido A ou do partido B mas o que sair de uma negociação, possivelmente longa.”
Como vêm, apesar de tudo as coisas já se estão a animar, e nem tudo se resume a saber o que quis ou não dizer Paulo Rangel quando se interrogou sobre "Se PS fosse governo haveria um PM investigado". Nesta campanha, conte com o Macroscópio para lhe ir indicando o que, na nossa imprensa, mais útil possa ser para um voto esclarecido. Também por aqui não queremos indecisos – mesmo se a sua decisão for ir até à cabine de voto apenas para votar em branco.
Despeço-me por hoje, despeço-me também de Agosto, espero que tenham podido apreciar a super-Lua deste fim-de-semana e que, retemperados, combinem bom descanso com boas leituras. Até amanhã.
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ANTÓNIO FONSECa
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