Macroscópio – Começar a trocar ideias sobre o futuro do país
Macroscópio – Começar a trocar ideias sobre o futuro do país
O PS já aprovou o seu programa eleitoral, a coligação PSD/CDS apresentou apenas um compromisso ainda muito pouco detalhado. Mesmo assim a discussão já começou e promete continuar. O Macroscópio vai hoje tentar reunir alguns textos dos últimos dias que possam ajudar à necessária reflexão dos cidadãos.
Vou começar por um dos mais recentes, uma análise de Rui Ramos publicada aqui no Observador onde se p rocura questionar o discurso sobre o medo que tem estado tão presente no debate público. Em Medo de quê?, o nosso colunista explica assim a sua questão: “O governo mete-nos medo com a “bancarrota” do PS; o PS mete-nos medo com a “austeridade” do governo. De facto, talvez devêssemos ter ainda mais medo do que esta disputa dá a entender.” E que, em síntese, é o seguinte:
Não estou a dizer que os partidos de governo são iguais e que apenas as circunstâncias os separam. Aceito que uns andem sinceramente mais entusiasmados com o poder do Estado, e que outros confiem mais na sociedade civil. Mas nem por isso PS e PSD deixaram de partilhar, durante décadas, a mesma mitologia do progresso, que os fez=C sempre que puderam, construir auto-estradas, facilitar o crédito à habitação, aumentar pensões, ou promover licenciaturas e mestrados. Da mesma maneira, quando se encontraram sob pressão europeia, ambos cortaram as larguezas anteriores, ansiosos por manter o país na zona Euro. E de uma maneira ou de outra, corresponderam ao que os portugueses pretendiam ou consideravam urgente em cada momento.
Antes pois de passar adiante, vou já baralhar um pouco todos os raciocínios, recordando que dessa “mitologia do progresso” que nos foi sendo oferecida fez sempre parte uma “aposta na Educação”. É uma espécie de axioma que ninguém contesta e que deverá gerar, lá mais para diante, muita discussão entre os partidos. Por isso, aqui vai um balde de água fria: um texto de Ricardo Hausmann , professor em Harvard, no qual, citando vários estudos, nos fala sobre The Education Myth. É mesmo um daqueles textos que faz pensar, até pelos exemplos que dá, ao comparar ritmos de crescimento económico com volume de investimento na Educação. Não é possível resumi-lo em poucas linhas, pelo que vos deixo como aperitivo uma observação tão certeira como sempre omitida: “Make no mistake: education presumably does raise productivity. But to say that education is your growth strategy means that you are giving up on everyone who has already gone through the school system – most people over 18, and almost all over 25. It is a strategy that ignores the potential that is in 100% of today’s labor force, 98% of next year&rs quo;s, and a huge number of people who will be around for the next half-century. An education-only strategy is bound to make all of them regret having been born too soon.”
Deixei-vos este texto por uma outra razão: no Macroscópio procurarei sempre enriquecer com contribuições internacionais que venham a propósito aquilo que, em Portugal, tende a ser sempre um debate muito virado para dentro. Mas antes de nova saltada além-fronteiras, regressemos a Portugal.
No Jornal de Negócios de hoje, a directora Helena Garrido, em Como acelerar a retoma, depois de recordar o papel essencial da confiança para que os agentes económicos possam investir, deixa algumas notas muito oportunas sobre erros que não devemos voltar a cometer, pre cisamente para não andarmos sempre aos solavancos. Por exemplo: “Se o consumo já está a subir num país em que ir às compras representa 66% do PIB, adoptar medidas para dinamizar ainda mais esta componente da despesa significa atear uma fogueira que se pode transformar em incêndio. O bom senso recomenda que se evitem medidas que incentivem o consumo. Por muito populares que sejam em tempos de campanha eleitoral, espera-se que o novo governo esqueça essa promessa.”
Estimular ou não o consumo será, não duvidemos, um dos temas deste ano eleitoral. Por isso é útil ver o que Inês Domingos escreveu na sua coluna “O Economista à Paisana”, aqui no Observado r. E também é curioso, pois o texto arranca com duas citações de dois textos publicados em outubro no jornal inglês “The Times” e que se aplicam como uma luva aos debates dos dias que correm. O que surpreende é que esse Outubro foi o de 1932, não o de 2014. E que a troca de argumentos não era entre Robert Skidelsky e Niall Ferguson (já lá iremos), mas entre grupos de economistas liderados, respectivamente, por John Maynard Keynes e Friedrich von Hayek (os dois gigantes do pensamento económico retratados acima). Em Que futuro para Portugal ajuda a recentrar os temas em debate, mas sublinha os limites de qualquer alternativa: “Infelizmente as nossas escolhas estão limitadíssimas pela restrição da dívi da pública. E esta questão é fundamental porque transcende o debate económico habitual. A dívida do Estado Português é tão elevada que limita não só o nosso bolso, como a nossa liberdade e possibilidade de fazer escolhas”.
E não é só a dívida pública que tira margem de manobra aos partidos. Teresa de Sousa, num texto do Público em que apresenta o essencial dos programas europeus da coligação e do PS, escolheu um título significativo:São mais as semelhanças do que as diferenças. Que acaba por justificar assim:
O documento do Governo apenas fala da governação do euro. O programa do PS faz uma abordagem global dos desafios europeus, inclui ndo os seus desafios externos. Defende um país que seja capaz de tirar partido da globalização e não hesita em defender a rápida conclusão do TTIP (Parceria Transatlântica para o Comércio e o Investimento), o que deixará muitos socialistas descontentes. Não é difícil concluir que São mais as semelhanças do que as diferenças na política europeia dos dois principais partidos portugueses. Por uma razão simples: a Europa condiciona os programas do PS e da coligação da primeira à última página. É este património que é preciso preservar.
Neste nosso pingue-pongue entre textos mais analíticos e textos mais ideológicos, entre textos portugueses e internacionais, dou agora um salto até à última crónica de José Manuel Moreira no Di&aacut e;rio Económico, até porque este, em vez de aproximar, distingue: A parábola dos cegos. Ou seja, critica frontalmente o discurso keynesiano dominante. Argumenta, por exemplo, que existe uma espécie de cegueira muito comum que corresponde à “ideia de que a austeridade leva os países a uma maior depressão. E nem mesmo o crescimento, contra todas as "certezas", de países como a Irlanda e o Reino Unido ou Portugal e Espanha - até a Grécia já crescia antes do Syriza - demove os keynesianos de todos os partidos das suas falácias. Argumentando que cortes nas pensões, nos gastos com a função pública e nas grandes obras públicas significam menos dinheiro na economia, levando, por isso, ao agudi zar da crise. Como se a saída da crise não passasse pela busca de equilíbrio orçamental e redução da despesa pública. Ao invés de um crescimento económico assente em políticas de gastança incentivadas artificialmente por oligarquias que parasitam o Estado de mentira.”
É por isso boa altura para regressar a uma polémica a que já me referi no Macroscópio, a entre Robert Skidelsky e Niall Ferguson via Project Syndicate. Agora foi a vez deste último responder, com um texto intituladoMore Keynesian than Keynes, um texto que mesmo sendo centrado na política orçamental do Reino Unido tem muita ressonância no nosso debate, até porque Pedro Passos Coelho olha muito, no que toca às reformas que gostaria de fazer em Portugal, para o actual primeiro-ministro britânico, David Cameron. Quem não segue a controvérsia desde o início pode encontrá-la aqui, mas deixo-vos já uma passagem deste seu mais recente desenvolvimento:
Given the way Keynesianism came to be associated with inflationary fiscal and monetary policies in the 1970s, it is easy to forget what a hawk Keynes was in his final years. The whole point of his 1940 pamphlet How to Pay for the War was that higher taxes were needed to avoid the kind of inflation Britain had experienced during World War I. Toward the end of World War II, he fretted about the high level of military spending, and was depressed by the loss of power that came with Britain’s large external debts. How d o I know all this? Because I read it in the third volume of Skidelsky’s masterful biography of Keynes. Perhaps, before firing any more salvos at a fellow historian, its author should re-read his own book. It might make him a bit less Keynesian.
A fechar regresso ao Observador e ao Público, para referir três textos mais analíticos:
- David Dinis escreveu um comentário no final da Convenção do PS, A Bíblia de Centeno chegou para o PS. Falta o resto, onde notou que “A convenção mostrou que Costa ganhou uma batalha: convenceu a ala esquerda e a do centro que é possível ter uma alternativa sem ruturas. Agora é preciso convencer o país, o que é mais difícil.”
- Ped ro Pita Barros inicia uma série de textos mais analíticos sobre o conteúdo do programa socialista, naturalmente na sua área de especialidade – Saúde: análise crítica de 5 propostas do PS. Destaque: “O programa do PS toca em muitos aspectos da prestação de cuidados de saúde, e tem propostas que merecem ser discutidas. Nota-se porém a ausência de uma ideia clara sobre as fontes de fundos para o SNS”.
- Ana Rita Ferreira prosseguiu a sua análise do documento Centeno (anterior, portanto, ao programa aprovado este fim de semana) em O documento dos doze economistas: pontos positivos, omiss&ot ilde;es e dúvidas II. A sua tese é que esse “relatório contém aspectos ideologicamente híbridos e é possível que o PS tenha de tomar a decisão política de alterar algumas das suas propostas, de modo a ter um programa eleitoral mais próximo do socialismo democrático”. Ficamos a ver o que dirá agora do texto com as propostas eleitorais finais dos socialistas.
E por aqui se fica o Macroscópio por hoje. Amanhã, como é feriado nacional, farei novo intervalo, pelo que estarei de regresso quinta-feira. Até lá, tenham um bom descanso e boas leituras.
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ANTÓNIO FONSECA
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