quinta-feira, 11 de junho de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 11 DE JUNHO DE 2015

Macroscópio – Um mundo de pernas para o ar. Ou será só um mapa invertido?‏

Macroscópio – Um mundo de pernas para o ar. Ou será só um mapa invertido?

Para: antoniofonseca40@sapo.pt



Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
 
Este mapa acabou por desfazer com as minhas hesitações sobre o tema do Macroscópio de hoje. Foi publicado no Washington Post com uma intenção abertamente provocatória: imaginar como seriam as fronteiras de África se esse continente nunca tivesse sido colonizado. O diário da capital dos Estados Unidos ilustrava assim um artigo onde se discutia a tese de um conhecido jornalista e investigador, Robert Kaplan, de que só será possível resolver a crise sem fim no Médio Oriente, uma crise que a emergência do Estado Islâmico agudizou, promovendo políticas de tipo imperial - mesmo que ele não as defenda. Ou seja, um tema explosivo e uma abordagem original. 
 
Vamos então aos argumentos, começando pelos de Kaplan. O seu artigo, The Ruins of Empire in the Middle East, saiu na Foreign Policy e defende um argumento que desafia o consenso actual: “Imperialism may have fallen out of fashion, but history shows that the only other option is the kind of chaos we see today”. O seu ponto de partida é fácil de entender: “The meltdown we see in the Arab world today, with chaos in parts of North Africa, the Arabian Peninsula, and the Levant, is really about the final end of imperialism. The Islamic State’s capture of Palmyra (…) only punctuates this point. Palmyra represents how the region historically has been determined by trade routes rather than fixed borders. Its seizure by the barbarians only manifests how the world is returning to that fluid reality.” O seu ponto de chegada é que é controverso: “A new American president in 2017 may seek to reinstate Western imperial influence — calling it by another name, of course. But he or she will be constrained by the very collapse of central authority across the Middle East (…). Chaos is not only a security and humanitarian problem, but a severe impediment to American power projection. (…)Imperialism bestowed order, however retrograde it may have been. The challenge now is less to establish democracy than to reestablish order. For without order, there is no freedom for anyone.”
 
(Uma leitura complementar importante, para compreender os argumentos de Kaplan, é do seu artigo no número de Junho da The Atlantic, The Art of Avoiding War, no qual defende uma aproximação prudente dos Estados Unidos às diferentes crises do Médio Oriente: “While the Middle East implodes through years of low-intensity conflict among groups of Scythians, let Turkey, Egypt, Israel, Saudi Arabia, and Iran jostle toward an uneasy balance of power, and the U.S. remain a half step removed—caution, after all, is not the same as capitulation.”)
 
O texto do Washington Post, é um dos muitos que atacaram os artigos de Kaplan. Em This is not the Middle Eastern order you are looking for, Benjamin Denison and Andrew Lebovich argumentam que as soluções imperiais nunca são boas, centrando-se no problema das fronteiras e da sua artificialidade. Pequeno extracto: “Complaints about artificial states imply that borders can ever be natural. While nationalist elites may like to portray borders as natural to their kin groups, around the world, states were formed through social processes involving conflict and negotiation to create the borders we see today. That’s true whether those borders have expanded, contracted, or been drawn by outsiders or insiders, but in all cases they are socially constructed and no more artificial than any other borders. To hold up some imperial divisions (like Ottoman borders) as “natural” while calling more recent colonial borders “artificial” greatly confuses the extent to which all borders are drawn through social processes, politics and violence.”
 
Numa altura em que a administração Obama voltou a manifestar a sua intenção de não alterar a sua política para a região, este é um debate a seguir. Para este Macroscópio, contudo, é apenas a introdução, ou a reintrodução, a um tema sobre o qual temos falado muitas vezes. Aproveito-o como pretexto para sugerir mais algumas leituras interessantes sobre o que se passa na região.
 
Começo por um trabalho de investigação do Guardian (que o Observador já citou e resumiu aqui), How Isis crippled al-Qaida: The inside story of the coup that has brought the world’s most feared terrorist network to the brink of collapse. Aí se conta como sem dinheiro, homens e poder, a al-Qaeda está a ser derrotada pelo antigo braço-armado. Pequena passagem de uma leitura que é muito longa, mas merecedora de atenção: “Al-Qaida has long maintained that while the establishment of the caliphate is the ultimate goal, conditions are not yet right: ordinary Muslims need to be educated about “true Islam” for many more years before it can return. But it has now been a year since Baghdadi declared his own caliphate – and the longer that Isis can hold its territory and broadcast its military successes to the world, the more credibility it will steal from al-Qaida.”
 
Do Wall Street Journal seleccionei um ensaio, The Plight of the Middle East’s Christians (texto só para assinantes), escrito por um dos grandes especialistas americanos em política externa, Walter Russel Mead. Partindo de uma preocupação e de uma interrogação – “Ancient communities in Syria and Iraq are in mortal peril. Can the West find a way to preserve the Christian presence in the Middle East—and stave off a ‘clash of civilizations’?” –, aquele académico conclui defendendo que há que escolher entre três alternativas possíveis de sobrevivência: “We can help the region’s minorities “fort up,” as the Israelis, Kurds and Maronites have done. We can help them to escape and work with friends and allies around the world to help them find new homes and start new lives. Or we can do what history suggests, alas, as our most probable course: We can wring our hands and weep piously as the ancient Christian communities in Syria and Iraq are murdered, raped and starved into oblivion, one by one.” 
Digamos que não é a mais feliz das perspectivas.
 
Um outro ensaio longo, este de cariz mais histórico, é o que George Friedman escreveu para a Statffor – Global Inteligence e foi reproduzido no site Real Clear World: Assessing the Fragmentation of the Middle East. Pequeno destaque: “It is interesting to note that the fall of the Soviet Union set in motion the events we are seeing here. It is also interesting to note that the apparent defeat of al Qaeda opened the door for its logical successor, the Islamic State. The question at hand, then, is whether the four regional powers can and want to control the Islamic State. And at the heart of that question is the mystery of what Turkey has in mind, particularly as Turkish President Recep Tayyip Erdogan's power appears to be declining.”
 
Fico-me hoje por aqui, como menos sugestões do que o costume, mas com várias que exigem muito tempo de leitura e, por certo, proporcionarão uma reflexão mais profunda. Não digo que coloquem o mundo de pernas para o ar, como o surpreendente mapa de África que ilustra este Macroscópio, mas permitem pensar nos enormes desafios do Médio Oriente de forma muito mais informada.
 
Bom descanso, boas leituras, e eu por aqui estarei de regresso amanhã.
 
 
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