segunda-feira, 20 de abril de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 20 DE ABRIL DE 2015

Macroscópio – Um drama sem fim. E que talvez nunca tenha fim‏

Macroscópio – Um drama sem fim. E que talvez nunca tenha fim

Para: antoniofonseca40@sapo.pt



Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
 
Os naufrágios deste fim-de-semana no Mediterrâneo voltaram a colocar o problema da imigração para a Europa no centro da agenda política. De tal forma que foi convocado um Conselho Europeu extraordinário para a próxima quinta-feira. E não é caso para menos: de acordo com as contas do Le Monde, morre em média um imigrante a cada duas horas a tentar atravessar aquele a que o Império Romano chamou Mare Nostrum. Numa semana que se prevê cheia de notícias – vamos finalmente conhecer alguma coisa do que poderá vir a ser o programa de governo do PS e temos uma reunião do Eurogrupo onde muito do futura da Grécia se decidirá, ou não – o Macroscópio não podia ignorar o drama sem fim que se passa às portas da nossa Europa.
 
De certa forma antecipando aquilo a que assistiríamos este fim-de-semana, Rui Ramos reflectiu aqui no Observador sobre aquilo a que chamou Mar de mortos. Apesar de já me ter referido a ele no Macroscópio, recupero-o pela sua actualidade renovada. Nesse texto, o autor defendeu a ideia de que “os imigrantes não são dispensáveis”, até porque “fazem parte da circulação de pessoas que, nos dois sentidos, caracteriza mercados abertos”. Sem ignorar os problemas de integração que temos conhecido em vários países da União Europeia, recomendava:
"Desmantelar os nossos Estados nacionais, em nome de um qualquer multiculturalismo, para supostamente melhor hospedar as diásporas, [pois isso] talvez não sirva senão para criar espaços povoados de tribos sem nada em comum, a não ser a desconfiança mútua. O nacionalismo deixou de ter boa imprensa. Mas as nações europeias, como base de solidariedade e cooperação entre os indivíduos, são uma aquisição demasiado preciosa, e a sua defesa não deveria ser deixada a demagogos e a populistas.
 
Entretanto mais dois colunistas do Observador trataram do problema, hoje mesmo:
  • Alexandre Homem Cristo, em Quantos mais terão de morrer no Mediterrâneo?, depois de criticar a inação europeia, defende que “Falar é fácil, dar lições de moral também, mas o que separa os fortes dos fracos é fazer as coisas acontecer. E a Europa, amarrada pela crise e pelos populismos anti-imigração, não está a fazê-lo. Talvez um dia os europeus percebam que é por estas e por outras incapacidades que abdicaram da sua relevância (política e moral) na ordem internacional.”
  • Paulo de Almeida Sande, em Vergonha, num texto informado e com muitos dados sobre as diferentes políticas europeias, tem uma tese central: “A Europa está em guerra e não sabe. Vive cercada por todos os lados e finge não dar por isso. Nas suas fronteiras, dentro delas, morrem milhares, e a velha senhora faz de conta que não é nada consigo.”
 
No que toca a editoriais, há dois a registar. Um no Diário de Notícias, o outro no Jornal de Notícias. Breves apontamentos:
  • Pessoas como nós, DN, André Macedo: “É verdade: o drama não se resolve apenas com o operações de salvamento. Enquanto o caos se mantiver no Norte de África, o êxodo continuará. Mas salvar pessoas é uma obrigação que não admite hesitações e contas e justificações”.
  • O mundo consegue ser o inferno, Inês Cardoso, JN: “Os responsáveis pelas travessias que metem centenas de pessoas em perigo, em barcos sobrelotados, são terroristas, classificou o presidente de França, François Hollande. Sim, são. Mas não são os únicos culpados num mundo que continua a girar a demasiadas velocidades. Um mundo em que há espaço para artigos de opinião como o que, no jornal "The Sun", classificou estes imigrantes "como baratas" e "uma peste de humanos selvagens".”
 
Deixem-me agora fazer algumas referências a alguns textos, alguns de enquadramento, outros de opinião, da imprensa estrangeira. Começo por uma crónica de opinião, a do escritor italiano Roberto Saviano, que encontrei no El Pais: No dejar a nadie en el mar. Indignado por a Itália ter sido deixada sozinha a lidar com o problema, e por essa mesma Itália ter leis que muitas vezes dificultam os salvamentos. Para concluir:
Los únicos que a esta hora representan lo que Europa debería ser son los italianos; los muchos italianos que salvan vidas todos los días corriendo el riesgo de violar las leyes. La figura que mejor describe a estos italianos honrados es la del pescador Ernesto, en la preciosa película Terraferma de Emanuele Crialese, que viola la orden de la Capitanía de mantener su pesquero alejado de una patera respondiendo con un sencillo, humano y potente: “Yo nunca he dejado a nadie en el mar”.
 
Na edição internacional da Spiegel, Maximilian Popp, um jornalista que tem realizado inúmeras reportagens sobre o que passa nas fronteiras da Europa, defende uma ideia simples, mesmo que difícil de concretizar: Europe Should Protect People, Not Borders. Pequeno extracto, de palavras muito directas e duras:
It's possible that 20 years from now, courts or historians will be addressing this dark chapter. When that happens, it won't just be politicians in Brussels, Berlin and Paris who come under pressure. We the people will also have to answer uncomfortable questions about what we did to try to stop this barbarism that was committed in all our names. The mass deaths of refugees at Europe's external borders are no accidents -- they are the direct result of European Union policies. 
 
Na fronteira entre a opinião e o testemunho pessoal está o texto de Hakim Bello, no The Guardian: I was a Lampedusa refugee. Here’s my story of fleeing Libya – and surviving. Vale a pena lê-lo todo, mas destaco apenas estas passagens:
It’s also important to understand that our journey doesn’t end when we reach land. After the helicopter found our boat, we were taken by an Italian ship to Lampedusa, where we were locked in a reception centre that looked like a prison. Then I was sent to a small town in southern Italy, and I was lucky to find a job sewing tents, but it paid so little I couldn’t afford to live. Italy is in crisis, and millions of its own citizens have left to find work in northern Europe, so I thought I would do the same. I went to Berlin. I was offered jobs, but I couldn’t take them as I didn’t have the right documents. The Dublin treaty means refugees are usually forced to stay in the country where they arrive. I ran out of money and ended up living on the street, at a camp where refugees were fighting for the right to live and work in Germany. The camp was a political place, and it motivated me. How is it that my life here is worse than under Muammar Gaddafi’s dictatorship? I believe in democracy, but in Europe it seems there’s democracy for some but not for others. We call our group Lampedusa in Berlin.
 
Termino por hoje com a sugestão de duas reportagens, ambas repescadas pelos respectivos órgãos de informação de edições anteriores, isto é, trata-se de trabalhos realizados o ano passado.
  • a primeira saiu no Observador e, nesse Especial, Liliana Valente conta Como a Marinha portuguesa ajuda os espanhóis no controlo da imigração ilegal. Ela esteve a bordo de um barco português integrado no dispositivo de segurança, e contou-nos, por exemplo, que “A maior parte destes imigrantes chega a Marrocos e à Argélia e “é enganada”, diz o general espanhol. Os marroquinos e argelinos são, muitas vezes em conjunto com espanhóis, quem lhes cobra por uma viagem que quase sempre tem destino traçado: o encontro com as autoridades espanholas. “É uma máfia”, desabafa.”
  • a segunda é do El Mundo e o seu repórter também andou pelo Mediterrâneo, só que dentro de um barco que salva e recolhe imigrantes em apuros: Inmigración en el Mediterráneo en el vientre del barco 'escoba'. Eis como relata uma parte da sua experiência: “Se dice pronto: 774 inmigrantes rescatados en tres días. Pero detrás de esa cifra hay historias terribles. La de la mujer somalí que habla inglés y tiene aspecto de persona educada: salió huyendo de su país con sus hijas de 4 y 6 años y en su peregrinar por el África subsahariana dice que vio cómo mataban a la pequeña. La familia siria que ha dejado atrás todo lo que tenía para escapar de la guerra. La del chaval palestino que sueña con una vida mejor, digna y sin violencia. La del eritreo de 15 años que se ha embarcado él solo en este peligroso viaje. La de las tres mujeres sirias que han llegado hasta aquí embarazadas (de tres, siete y ocho meses)...”
 
E por aqui me fico, com os habituais desejos de bom descanso, boas leituras e um até amanhã.
 
 
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