Macroscópio – Algumas leituras de fim-de-semana. E não só
Macroscópio – Algumas leituras de fim-de-semana. E não só
Foi uma semana intensa na Europa, com a crise grega e a crise ucraniana, que centralizaram as atenções do nosso Macroscópio. Teremos mais desenvolvimentos na próxima semana, até porque as últimas notícias em ambas as frentes não são muito optimistas. Entretanto vamos variar um pouco, com algumas recomendações de leitura mais ou menos ligadas à actualidade. Mas começo por efemérides, pois recordar eventos históricos é muitas vezes uma boa forma de reflectir sobre o presente.
Hoje, 13 de Fevereiro, completaram-se exactamente 50 anos que uma brigada da PIDE assassinou o General Humberto Delgado nos arredores de Badajoz. Apesar do aniversário redondo, houve poucas referências na imprensa. Quase só notícias relativas à vontade da Câmara de Lisboa e dos deputados de darem o seu nome ao Aeroporto de Lisboa. Mesmo assim há três excepções a destacar.
O meu primeiro destaque vai para um Explicador do Observador, um trabalho muito completo e exaustivo: Quem foi e como morreu o “general sem medo”. São 13 as perguntas a que Pedro Dórdio responde, dando nalguns casos conta das diferentes versões existentes:
- Como se tornou Humberto Delgado líder da oposição em Portugal?
- Como se transformou o “General sem medo” num fenómeno de popularidade?
- Delgado teria ganho as eleições se não existisse fraude eleitoral?
- O regime de Salazar esteve próximo de cair em 1958?
- Porque acaba o general incompatibilizado com a maioria dos opositores ao regime?
- O que levou Humberto Delgado a Badajoz, atraído por aquilo que tudo indicava ser uma armadilha?
- O que sabia a polícia espanhola?
- O que concluiu o processo judicial organizado em Espanha?
- E o julgamento em Portugal após o 25 de Abril?
- Como foram mortos Humberto Delgado e Arajaryr Campos?
- Terá Humberto Delgado sido vítima de um rapto que correu mal ou a PIDE tinha ordem para matar?
- O que sabia e o que decidiu Salazar?
- O que foi respondido atrás esgota todas as dúvidas sobre a morte de Humberto Delgado?
O segundo destaque vai para a republicação, pelo Expresso, de uma das reportagens mais memoráveis da história do semanário: a realizada por José Pedro Castanheira, que conseguiu descobrir o paradeiro do agente da PIDE que comandava a brigada que assassinou Delgado, Rosa Casaco, o convenceu a vir a Lisboa e o entrevistou longamente. Uma das peças jornalísticas que resultou dessa entrevista é "Como matámos Humberto Delgado", publicada originalmente a 21 de fevereiro de 1998. É um trabalho que é lançado assim: “À beira de completar 83 anos, o ex-inspector da polícia política, que vive no Brasil sob falsa identidade, quebra o silêncio a que sempre se remeteu e conta ao EXPRESSO a sua versão sobre o mais importante assassínio cometido pelo regime salazarista. Assume que a cilada fatal foi montada pela PIDE, confirma que o ass assino foi Casimiro Monteiro, mas garante - contrariando o acórdão do Tribunal - que Arajaryr Campos, a secretária do general, foi morta por Agostinho Tienza.”
É um grande trabalho jornalístico que, com esta ida do Expresso aos seus arquivos, passou a estar disponível online e à distância de um clique. Ainda bem.
Finalmente, a fechar este bloco, referência para a crónica que Ana Sousa Dias publicou anteontem no Diário de Notícias, O chiar dos elétricos nas calhas, Lisboa, 1959. O texto parte de um livro recente, de memórias de Iva Delgado, a filha do general, que sintetiza assim:
São memórias pessoais, familiares, íntimas. Iva deixa de lado as ferramentas de inve stigadora e traz episódios da infância, passada entre Lisboa, o Canadá e os Estados Unidos, e da juventude rasgada ao meio pela candidatura de Delgado em 1958 e da partida para o exílio no ano seguinte, e da mulher com filhos que se inquieta com a ausência de notícias, num pressentimento certeiro da morte do pai. E termina com a dolorosa visita ao local exato do crime.
Salto agora para outra efeméride, a dos 70 anos do bombardeamento que destrui Dresden já nas semanas finais da II Guerra Mundial. A cidade, conhecida como a Florença do Elba, era famosa pelos seus edifícios barrocos mas ficou inteiramente em ruínas depois de centenas de aviões aliados terem despejado toneladas de bombas sobre o seu casario e os seus monumentos. O Observador recordou estes acontecimentos num Especial -Dresden, bela demais para ser bombardeada – em que Catarina Fernandes Martins recorda não só as circunstâncias do bombardeamento, mas também toda a instrumentalização política que se lhe seguiu. Extracto:
Para muitos, a discussão em torno das mortes desse dia é “uma questão de fé e não uma matéria de factos”. Isto porque o bombardeamento de Dresden – que muitos consideram um crime de guerra e uma decisão errada (porquê destruir uma cidade que, aparentemente, não tinha indústrias bélicas?) da parte dos Aliados, vistos, até então, como heróis num conflito entre o bem e o mal – foi utilizado com fins propagandísticos. Dresden quebrada, Dresden martirizada e reduzida a cinzas. “O Holocausto alemão”. “A nossa Hiroshima”. Dresden vitimizada e vítima.
Este tema, o de saber se o bombardeamento de Dresden se justificou, ocupa também Dominic Selwood no Telegraph de hoje, onde escreve um texto significativamente intitulado Dresden was a civilian town with no military significance. Why did we burn its people? Eis a síntese do seu argumento:
Seventy years on, fewer people ask precisely which military objective justified the hell unleashed on Dresden. If there was no good strategic reason for it, then not even the passage of time can make it right, and the questions it poses remain as difficult as ever in a world in which civilians have continued to suffer unspeakably in the wars of their autocratic leaders.
No mesmo Telegraph há u ma interessante fotogaleria onde se podem ver imagens sobrepostas de Dresden depois do bombardeamento e na actualidade: Dresden: Then and now photographs of city razed in Allied firestorm (uma versão mais completa aqui, na The Atlantic).
Deixemos agora as efemérides para referir uma mãos cheia de boas leituras de fim-de-semana:
- Patrick Cockburn, um dos jornalistas que melhor conhece o Médio Oriente, escreveu um livro sobre a ascensão do ISIS,The Rise of Islamic State, livro esse que o Guardianrecenseou. Extracto: & ldquo;Cockburn describes the civil war in Syria as “a Middle Eastern version of the 30 years war in Germany of the 17th century. All sides exaggerate their own strength and imagine that temporary success on the battlefield will open the way to total victory”. He refers to the “politics of the last atrocity”. The outcome probably rests with the US, Russia, Saudi Arabia and Iran, he says, all of whom have different interests and objectives.”
- Partindo de três livros recentes que retratam o Papa Francisco, a New York Review of Books interroga-se sobreWho Is the Pope? É um longo artigo cujo ponto é “The differences between Francis and his predecessors are wide, deep, and momentous for the church”.
- Amanhã, sábado, & eacute; Dia dos Namorados, um daqueles que pessoas mais velhas como eu acham que só serve objectivos de marketing. Mesmo assim os jornais estão cheios de artigos sobre o tema, geralmente muito banais, mas houve dois que me chamaram a atenção: no El Mundo escreve-se sobre El sexo en los primeros 100 días de relación, dias por regra de paixão, podendo ser úteis os conselhos dos psicólogos citados na reportagem; para quem tem relações bem mais antigas, e nunca desistiu de trocar carícias, há um surpreendente texto de ciência na Slate - A Loving Touch – onde se esplica que a neurobiologia aconselha a que se pr essione apenas suavemente o parceiro e se mova a mão a 2,5 centímetros por segundo. Vamos a ver se alguém, depois deste conselho, vai passar a recorrer ao cronómetro.
- Para acabar, um texto com um título tétrico - Twelve ways the world could end – e um conteúdo algo inconclusivo mas desafiante. Na verdade, depois de estimar qual a probabilidade de o mundo acabar por causa do impacto de um asteroide, da eclosão de um supervulcão, de uma guerra nuclear ou de uma tomada de poder pelos computadores, entre um total de 12 cataclismos diferentes, o Financial Times, que cita um estudo da Future of Humanity Institute and the Global Challenges Foundation, de Oxford, chega à conclusaão que, num prazo de 100 anos, “Putting the risk of extinction below 5 per cent would be wildly overconfident.” É muito? É pouco? O juízo fica a cargo dos leitores.
Despeço-me com votos de bom fim-de-semana e, se estiver a pensar ir ver “As Cinquenta Sombras de Grey”, ou mesmo que não pense fazê-lo, não deixe de ler a crítica do Observador, escrita por Eurico de Barros. Vai ver que se vai divertir. Muito.
Boas leituras e até segunda-feira. De Carnaval e de Eurogrupo.
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ANTÓNIO FONSECA
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