sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

OBSERVADOR - MACROSCÓPIO - 9 DE JANEIRO DE 2015

Macroscópio – Ainda o ataque ao Charlie Hebdo, mais um surtido de temas‏

Macroscópio – Ainda o ataque ao Charlie Hebdo, mais um surtido de temas

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18:55
 
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Macroscópio

Por José Manuel Fernandes, Publisher
Boa noite!

 
 
 
Depois de uma operação de perseguição e cerco, os dois irmãos que assassinaram os jornalistas do Charlie Hebdo foram abatidos hoje a meio da tarde. Mais ou menos à mesma hora, em Paris, a polícia conseguia também desalojar um outro terrorista que se instalara num supermercado judeu em Paris. Este é para já o desenlace do drama que se desenvolveu em Paris e nos seus arredores desde a passada quarta-feira.
 
As manifestações de solidariedade e o debate sobre o que fazer continuam a ocupar muitas páginas de jornais e muito tempo nos noticiários. Volto por isso a esse debate, com algumas sugestões, mas sem a preocupação de ser exaustivo. Começando por Portugal:
  • Rui Ramos, aqui no Observador, em Morrer de pé em Paris, defende a ideia de que “O alvo do terror jihadista no Ocidente são, na verdade, as comunidades muçulmanas e a possibilidade de estas viverem a sua fé de outra maneira que não em estado de furor inquisitorial. O polícia assassinado na rua a seguir ao ataque à revista chamava-se Ahmed Merabet. Na redacção, morreu um revisor de provas com o nome de Mustapha Ourrad. Eram muçulmanos, como aliás todos aqueles que os jihadistas matam regularmente às dezenas e às centenas no Médio Oriente, no Afeganistão e no Paquistão. No Ocidente, o objectivo dos jihadista não é zelar pelo Islão, é comprometer os muçulmanos, é impedir a sua integração nas democracias, é estigmatizar o Islão, é reduzi-lo, aos olhos de todos, a uma simples plataforma de terror.”
  • Graça Franco, na Rádio Renascença, toca noutro ponto: “No ataque ao "Hebdo" não está apenas o ódio e a vingança de pretensos ofendidos. (…) Está o vazio que a nossa sociedade ocidental, céptica, individualista, pretensamente modernaça nos seus sem-valores, sem nada para oferecer a uma geração perdida no vazio e na ignorância alimentada de "reality shows" (…).  É esta geração adormecida num caldo de consumismo frustrado e culto da trivialidade e ignorância que se traduz no alvo vulnerável de todo o obscurantismo, manipulação, e barbárie onde germina latente uma recusa de tudo a troco de nada. Se não pusermos cobro a esse vazio é a nossa civilização que se diluirá nele.” 
  • editorial do Público entendeu fazer um paralelo entre estes atentados, atentados como os de Oklahoma ou Utoya e massacres em escolas, sem aparente motivação política, como os de Columbine ou Kauhajoki: “E se hoje surgem mais associados ao universo do Islão, onde assassinos têm vindo a organizar-se em grupos paramilitares e a semear o terror pelo mundo, eles não são um exclusivo islâmico. Basta lembrar, como exemplos das últimas décadas, os atentados de Oklahoma (1995), Columbine (1999), Montreal (2006), Helsínquia (2007), Blacksburg (2007), Kauhajoki (2008), Estugarda (2009), Utoya (2011) ou Cleveland (2012). No mesmo período, porém, centenas de atentados a coberto do islamismo fizeram vítimas por todo o globo.
  • No jornal I, Jorge Bateira, do Blogue Ladrões de Bicicletas, segue linhas de raciocínio próximas das de Ana Gomes:Olhando mais para dentro de portas, quem é responsável por manter no desemprego milhões de jovens europeus, incluindo nos países mais desenvolvidos da UE? Quem é responsável pelas políticas económicas que, em nome da estabilidade dos preços e da confiança dos mercados financeiros, perpetuam o desemprego e a pobreza entre os imigrantes de segunda e terceira geração? Quem desmantelou os controles policiais nas fronteiras entre os Estados-membros da UE em nome do Mercado Único? Quem matou o desenvolvimento da África com a imposição do modelo neoliberal, suscitando o desespero das populações que hoje se entregam ao tráfico e à morte no Mediterrâneo?”
 
Passando as nossas fronteiras, aqui ficam mais algumas propostas:
  • O historiador Timothy Garton Ash propõe, na sua coluna desta semana (aqui na versão publicada pelo El Pais), que todos os jornais europeus deviam publicar, ao mesmo tempo, algumas das caricaturas do Charlie Hebdo. Dá também algumas sugestões sobre o que os jornais deveriam escrever para justificar essa publicação: “Esta publicación coordinada no es un gesto gratuito. No es tampoco un gesto contra el Islam. Al contrario, defiende las condiciones que permiten que los musulmanes en Europa, a diferencia de los cristianos o los ateos en gran parte de Oriente Próximo, puedan expresar libremente sus más profundas creencias y oponerse a las de otros. Lo que está en juego es el futuro de Europa y el de la libertad. Porque nuestra convivencia en libertad depende de esto: de que el veto del asesino no resulte vencedor”.
  • Isabel Hardman, na Spectator, chama a atenção para o facto de o ataque ao supermercado judeu de Paris não ser um ataque contra alguém que fez alguma coisa (como no caso do Charlie Hebdo), mas contra alguém que simplesmente é (no caso, judeu): “These Islamist terrorists do not confine their rage to cartoons. They want to terrify everyone into doing, saying and believing only things that they approve of. (…) Not killed for doing, but killed for being. These terrorists will try to bully and kill anyone who doesn’t fit their precise definition of how live or who to be, from satirical journalists to Christians to other Muslims to Jews. You cannot stop them from being terrorists by being dull because even a dull person who is different to them is a target unless they are also an Islamist.”
  • O historiador Simon Schama, no Financial Times, em Liberty and laughter will live on, dá-nos uma perspectiva com profundidade histórica sobre o papel da sátira nas nossas sociedades. Eis como ele retrata as origens desta tradição: “Graphic satire first arose as a weapon in the atrocious and prolonged religious wars that divided Catholics and Protestants. For Protestants the printing press was the answer to the imagery of the Roman church by which, as they saw it, heretics and sceptics were brought to book. So they invented an anti-iconography in which popes were turned into fantastic monsters, and kings into ministers of slaughter. The Dutch, who invented the illustrated news gazette in the middle of the 17th century, saw themselves as the victims of religious fury. Their graphic counter-attack began with popular illustrated histories of their rebellion against the Spanish monarchy — with the Duke of Alba their favourite bogeyman.
  • Termino estas referências internacionais com o editorial da The Economist, Terror in Paris (de que também extraí aimagem que ilustra este Macroscópio). Conclui da seguinte forma: “The terrorists themselves, of course, are often keen to prove that the West does indeed anathematise all Muslims. To see such killers as representatives of a religion, and to reduce a complex picture to their preferred caricature, would be to reward their crimes—just as circumscribing the principle of free speech would be to bow to their medieval fantasies.
 
Abandono agora este tema e, porque entramos no fim de semana, deixo algumas sugestões sobre outros temas, boas e recomendáveis leituras:
  • John H. McWhorter, professor de linguística na Universidade de Columbia escreveu no Wall Street Journal um ensaio muito interessante e curioso sobre o futuro das línguas What the World Will Speak in 2115. “Pequeno extracto: Hopefully, the languages lost amid all of this change will at least be described and, with modern tools, recorded for posterity. We may regret the eclipse of a world where 6,000 different languages were spoken as opposed to just 600, but there is a silver lining in the fact that ever more people will be able to communicate in one language that they use alongside their native one.”
  • O Prémio Nobel da Economia Amartya Sen defende no Guardian a ideia de que providenciar cuidados de saúde universais é um sonho realizável. Vejamos uma parte do seu argumento: “The question can, however, be asked: how does universal healthcare become affordable in poor countries (…). The alleged common-sense argument that if a country is poor it cannot provide UHC is, however, based on crude and faulty economic reasoning. The first – and perhaps the most important – factor overlooked by the naysayers is the fact that at a basic level healthcare is a very labour-intensive activity, and in a poor country wages are low. A poor country may have less money to spend on healthcare, but it also needs to spend less to provide the same labour-intensive services.”
  • A seguir a esta nota otimista, outra nota otimista: The World Is Not Falling Apart. Trata-se de um texto de Steven Pinker e Andre Mack na Slate que mostra como o mundo é, por exemplo, mais pacífico do que foi no passado. É contra-intuitivo mas é uma verdade que demonstram com a ajuda de numerosas estatísticas e gráficos, permitindo-lhes concluir: “The kinds of violence to which most people are vulnerable—homicide, rape, battering, child abuse—have been in steady decline in most of the world. Autocracy is giving way to democracy. Wars between states—by far the most destructive of all conflicts—are all but obsolete. The increase in the number and deadliness of civil wars since 2010 is circumscribed, puny in comparison with the decline that preceded it, and unlikely to escalate.”
 
Já vai longo este Macroscópio e não é apenas por irmos de fim-de-semana. Na próxima não estarei por cá, irei descansar uns dias (e os leitores descansar de mim). Regresso, com esta newsletter diária, a 19 de Janeiro.
 
Bom fim-de-semana, boas leituras e até daqui a uns dias. Poucos. 

 
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