Macroscópio – Dois temas recorrentes: José Sócrates e a Grécia
Macroscópio – Dois temas recorrentes: José Sócrates e a Grécia
O ex-primeiro-ministro faz questão de não desaparecer da agenda mediática. Não são só os jornalistas que não o largam, tendo montado acampamento à porta da prisão de Évora – é o recluso nº 44 que não perde uma oportunidade para escrever para os órgãos de comunicação social ou fazer-lhes chegar missivas de vário tipo. Desta vez respondeu a um questionário da TVI (seis perguntas que não podem ser consideradas uma entrevista, pois não houve insistências por parte dos jornalistas) e isso não deixou de provocar as mais desencontradas reacções.
De entre todas as reacções, uma se destacou: a de Mário Soaresque, num curto texto publicado no Jornal de Notícias, texto intitulado “O meu amigo Sócrates”, defendeu a ideia de que não há “uma única prova contra um homem que tantos serviços prestou a Portugal”. Daí partiu para um desafio a Cavaco Silva:“Não há justiça em Portugal infelizmente e o Presidente da República, que devia ser responsável por Portugal, nunca ter dito uma palavra sobre o caso Sócrates. Quanto mais não seja pela flagrante violação do segredo de justiça”.
Estes desenvolvimentos geraram vários comentários durante estes últimos dias, valendo a pena destacar alguns deles. Aqui fica uma breve resenha:
- Eu próprio, aqui no Observador, em O martírio do preso número 44: “Não sou hipócrita: um ex-primeiro-ministro será sempre julgado na praça pública, e como se vê meios de defesa e palco não lhe faltam. Falta-lhe é capacidade para nos fazer acreditar no inverosímil.”
- Helena Matos, também aqui no Observador, em Epístola de Sócrates aos coríntios: “Ao querer transformar a sua prisão num caso político, Sócrates, muito mais que destruir o juiz Carlos Alexandre, pretende sim comprometer o PS com a sua defesa e destruir a estratégia de Costa de separar o Sócrates da justiça do Sócrates da política. Tudo foi e é política é o que dizem as cartas, as entrevistas, as mensagens que chegam de Évora. Isto é aquilo que Costa menos queria ouvir.”
- António Costa, director do Diário Económico, em Entre as nuvens menos negras e a tempestade: “O líder do PS bem tenta separar o que é da política, leia-se do PS, do que é da justiça, leia-se a detenção de José Sócrates. Tenta, mas não consegue. O patriarca do partido, Mário Soares, não quer, o ex-primeiro-ministro não deixa. Um exige a intervenção do Presidente da República, não se percebe exactamente para dizer o quê, o outro responde a perguntas da TVI e a narrativa é simples: está a ser alvo de perseguição pessoal e política. É neste lamaçal (…) que António Costa vai ter de liderar a oposição.”
- Henrique Monteiro, no Expresso, em Irritações a abrir o ano(link só para assinantes): “[José Sócrates] afirma (e cito) que existe um "poder obscuro", que tem "puro arbítrio e despotismo", com "impunidade absoluta" e decisões com "desproporcionalidade nos direitos fundamentais". Ou seja, sente-se um preso político, ou quase um preso político. A verdade é que estas declarações constituem uma acusação gravíssima vindo do anterior primeiro-ministro (que perdeu as eleições sem que tenha havido qualquer revolução que o apeasse). O sistema judicial atual (…) não sofreu quaisquer alterações. Mas quase ninguém quer saber disto.”
- Luciano Amaral, historiador, no Correio da Manhã, emAristocracias: “Estabelecer paralelos entre o Ministério Público e a PIDE e comparar Sócrates com quem foi preso no salazarismo é brincar com quem teve efectivamente de lidar com a PIDE e o salazarismo. A PIDE era um instrumento para dificultar a luta pela democracia. O actual sistema de justiça, apesar dos defeitos, é um instrumento para manter a democracia. Não perceber isto é não merecer a democracia."
Deixo agora a política doméstica para vos indicar mais alguns textos sobre o drama eterno da Grécia e do futuro da Europa. E começo por ir à fonte, isto é, por ir ao texto original da Spiegel que, ao revelar as intenções de Angela Merkel, desencadeou uma tempestade de reacções durante o fim-de-semana, fez tremer os mercados na sua abertura hoje de manhã e causou divisões na coligação de Berlim.
A Spiegel disponibilizou hoje o texto do seu trabalho em inglês:Grexit Grumblings: Germany Open to Possible Greek Euro Zone Exit. É um texto que merece ser lido na íntegra, pois retrata bem o estado do debate na Alemanha (e também em Bruxelas), mas deixo-vos esta passagem, possivelmente a que levantou mais controvérsia:
Things have changed and an alternative has in fact emerged: the cold shoulder. Furthermore, Merkel appears to be ready to show it to the Greeks. Should Syriza leader Alexis Tsipras become Greek prime minister and seek another debt haircut for his country while slowing down the reform process, a so-called "Grexit" from the euro zone would be the almost unavoidable consequence. Tsipras has made a number of expensive campaign promises in recent months, totaling over €10 billion ($11.95 billion). It is money that Greece doesn't have and which the markets likely aren't willing to make available.
A par com este texto mais noticioso, deixo-vos outros dois, mais no registo de análise e comentário. O primeiro é do inevitávelAmbrose Evans-Pritchard, do Telegraph, Greece vs Europe: who will blink first? O seu diagnóstico é sombrio – “There is a whiff of 1914 to the latest Balkan showdown. Everybody thinks everybody else is bluffing, all of them betting that a calamitous chain reaction will be averted.” E o seu prognóstico também: “The worry is that a Greek exit from the euro would rip away the façade that covers all of these problems, exposing the reality that EMU is less economically viable than ever, more indebted than ever, and scarcely a step closer to a genuine fiscal and economic union. Mr Tsipras has his fingers on the pin of a pan-European grenade.”
O segundo saiu no Wall Street Journal, Why 2014 Went Wrong for the Eurozone. A ideia de Simon Nixon é que “Currency Bloc Was Supposed to Exit Debt Crisis, but Three Factors Held It Back”. Esses três factores foram um crescimento menor do que o esperado na China e noutras economias emergentes, a crise na Ucrânia e a deterioração das relações com a Rússia e, por fim, um crescimento anémico nas economias da zona euro. Depois de descrever o que se pode passar em vários países europeus, sobretudo naqueles onde há eleições em 2015, o articulista conclui:
Policy makers may try to buy off this counterreformation by acceding to demands for extra stimulus, but all they can buy is time. The eurozone has no capacity to force member states to embrace the path of virtuous reform—even when its own survival is at stake. That remains its central weakness.
Termino com uma sugestão do Financial Times, esta mais abrangente pois procura responder à questão de saber porque fraqueja a confiança ao Ocidente. Gideon Rachman, em The west has lost intellectual self-confidence, elabora sobre a falta de fé que parece haver em três adquiridos do pós-Guerra Fria, a saber, os mercados, a democracia e o poder hegemónico dos Estados Unidos. Mesmo assim, depois de fazer uma descrição algo preocupante da situação actual, o autor termina o seu texto com um toque de optimismo:
That said, it is worth remembering that the fall of the Berlin Wall came at a time when many in the US were obsessed with the rise of Japan. That should serve as a reminder of how quickly the intellectual climate can shift and fashionable preoccupations fade. But, while the start of the year has seen a revival of the US economy, the revival of the west’s intellectual self-confidence still looks a long way off.
Um pouco pois de optimismo, um pouco de pensamento positivo, um pouco de confiança. É este o meu desejo de despedida por hoje.
Bom descanso, boas leituras.
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ANTÓNIO FONSECA
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