A angústia do banqueiro central
Numa era dominada pelo simbolismo das imagens, há duas que retenho da Comissão Parlamentar de Inquérito ao BPN: o enfado e a irritação de Vítor Constâncio enquanto estava a ser questionado pelos deputados e a galhofa de mesa de café em que se transformou a audição de Oliveira e Costa, onde nem as sandes faltaram para conferir realismo à cena.
No início de nova CPI com idêntico grau de importância, o que se passou há cinco anos é tudo o que devemos agora evitar: um supervisor autista, incapaz de admitir erros, falhas ou limitações legais para cumprir a sua função com eficácia; e deputados intricheirados nos clubismos partidários de sempre, mais preocupados em conseguir imaginários ganhos imediatos junto da opinião pública do que com um honesto apuramento de factos que permitisse reforçar os instrumentos da supervisão.
Os primeiros momentos do inquérito sobre a derrocada do BES, que arrancou ontem com a audição do Governador do Banco de Portugal, permitem-nos, ao mesmo tempo, alimentar uma esperança e confirmar uma angústia.
A esperança está na atitude de deputados e supervisor, distintos dos que vimos há cinco anos. Os primeiros deixaram, aparentemente, de se dividir entre os que estão ali apenas para atacar ou para defender Carlos Costa. E este, sem deixar de defender a actuação do banco central, admite as limitações da supervisão em prevenir, detectar e agir com eficá-cia em casos como este.
E é aqui que está a angústia. É impossível ouvir as explicações de Carlos Costa e não pensar que, no jogo de poderes entre supervisor e supervisionados, estes mandam mais do que aquele. Porque a lei limita a actuação do Banco de Portugal, pelo menos na interpretação que é feita pelos juristas da instituição. Mas, sobretudo, porque quando se trata de grandes instituições, com possibilidade de causar danos a todo o sistema, o Banco de Portugal tem mais medo dos bancos e dos banqueiros do que estes têm daquele.
Em vários momentos da audição de ontem, Carlos Costa falou dos inevitáveis riscos sistémicos, da necessidade de manter a confiança naquele banco e no sector, do princípio de evitar o alarme público. Por isso, defende, a intervenção do supervisor deve ser feita com delicadeza e tem que atender ao interesse geral.
Entendem-se as cautelas e caldos de galinha mas alguma solução o Estado tem que encontrar para este contrasenso. O supervisor não pode estar refém de um banqueiro mal intencionado, com o eterno receio dos danos que este pode provocar na economia do país.
Mas é assim que as coisas funcionam neste momento. Se não tiver escrúpulos, o presidente de um grande banco facilmente se transforma num bombista-suicida do sector financeiro: a sua desgraça será uma desgraça colectiva.
Do mesmo modo, a angústia de Carlos Costa é a nossa angústia colectiva. Como desactivar este poder letal excessivo e desproporcionado é matéria com que legisladores e supervisores têm de preocupar-se, cá e lá fora.
A receita pode passar por mais e melhor regulação ou pelo reforço efectivo de poderes dos supervisores. Passará seguramente pela melhoria dos mecanismos de governação dos bancos, pela maior e mais precoce responsabilização de auditores internos e externos.
Não podemos é deixar que os polícias fiquem reféns dos criminosos, com medo de intervir. A banca não pode ser uma favela.
Os primeiros momentos do inquérito sobre a derrocada do BES, que arrancou ontem com a audição do Governador do Banco de Portugal, permitem-nos, ao mesmo tempo, alimentar uma esperança e confirmar uma angústia.
A esperança está na atitude de deputados e supervisor, distintos dos que vimos há cinco anos. Os primeiros deixaram, aparentemente, de se dividir entre os que estão ali apenas para atacar ou para defender Carlos Costa. E este, sem deixar de defender a actuação do banco central, admite as limitações da supervisão em prevenir, detectar e agir com eficá-cia em casos como este.
E é aqui que está a angústia. É impossível ouvir as explicações de Carlos Costa e não pensar que, no jogo de poderes entre supervisor e supervisionados, estes mandam mais do que aquele. Porque a lei limita a actuação do Banco de Portugal, pelo menos na interpretação que é feita pelos juristas da instituição. Mas, sobretudo, porque quando se trata de grandes instituições, com possibilidade de causar danos a todo o sistema, o Banco de Portugal tem mais medo dos bancos e dos banqueiros do que estes têm daquele.
Em vários momentos da audição de ontem, Carlos Costa falou dos inevitáveis riscos sistémicos, da necessidade de manter a confiança naquele banco e no sector, do princípio de evitar o alarme público. Por isso, defende, a intervenção do supervisor deve ser feita com delicadeza e tem que atender ao interesse geral.
Entendem-se as cautelas e caldos de galinha mas alguma solução o Estado tem que encontrar para este contrasenso. O supervisor não pode estar refém de um banqueiro mal intencionado, com o eterno receio dos danos que este pode provocar na economia do país.
Mas é assim que as coisas funcionam neste momento. Se não tiver escrúpulos, o presidente de um grande banco facilmente se transforma num bombista-suicida do sector financeiro: a sua desgraça será uma desgraça colectiva.
Do mesmo modo, a angústia de Carlos Costa é a nossa angústia colectiva. Como desactivar este poder letal excessivo e desproporcionado é matéria com que legisladores e supervisores têm de preocupar-se, cá e lá fora.
A receita pode passar por mais e melhor regulação ou pelo reforço efectivo de poderes dos supervisores. Passará seguramente pela melhoria dos mecanismos de governação dos bancos, pela maior e mais precoce responsabilização de auditores internos e externos.
Não podemos é deixar que os polícias fiquem reféns dos criminosos, com medo de intervir. A banca não pode ser uma favela.
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ANTÓNIO FONSECA
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