Desporto
Por Bruno Roseiro, Editor de Desporto
Mesmo para quem acompanhava o jogo pela televisão, mesmo para quem raramente acompanhe até um jogo de futebol, aquele som era por demais evidente. Uma vez, duas vezes, três vezes. Demasiadas vezes. Vezes a mais que nunca deveriam ter acontecido uma única vez. Era impossível alguém não ter ouvido. Alguém não ter percebido. Mas este é também um dos problemas do futebol português – muitas vezes, é mais fácil não ouvir. Porque assim também é mais fácil fingir que não se percebe. E só mesmo quando a realidade choca com esses mesmos problemas é que todos os sentidos se ativam de imediato: vê-se como nunca, ouve-se melhor, sente-se muito mais e existem aqueles que cheiram a oportunidade para saborearem meia dúzia de minutos (a mais) de protagonismo. O caso de Marega tornou-se um problema transversal à sociedade. A solução, essa, deve ser para todos os “Maregas”.
Reboninemos o filme. O FC Porto tinha saído a ganhar para o intervalo com um golo de Douglas na própria baliza após remate de Sérgio Oliveira que bateu na trave e foi desviada de forma infeliz pelo brasileiro. Depois, Bruno Duarte empatou a abrir o segundo tempo, o V. Guimarães até estava melhor, Mbemba voltou a arriscar um passe longo que no meio da atrapalhação de Venâncio isolou Marega, o maliano picou com classe por cima do guardião contrário para o 2-1, teria feito algo nos festejos, foram arremessadas muitas cadeiras e outros objetivos, viu amarelo alegadamente por esses gestos feitos, ouviram-se depois de forma percetível os insultos racistas e o jogador pediu para sair, apesar de vários companheiros de equipa e até adversários o terem tentado demover. O que se soube logo após o encontro? Que os insultos começaram ainda no aquecimento (e há vídeos com isso), prosseguiram no jogo e que aquele apontar com o dedo para o braço tinha já uma mensagem contra o racismo de que estava a ser vítima. Estes foram os factos. Estes são os factos. E é à luz destes factos que tudo se seguiu.
– Sérgio Conceição reagiu de pronto na zona de entrevistas rápidas. “Estavam a insultar desde aquecimento o Moussa [Marega] e nós aqui somos uma família, independentemente da nacionalidade, da cor da pele, da altura, da cor do cabelo. Somos uma família, somos humanos e aquilo que se passou aqui hoje foi lamentável”, disse;
– Moussa Marega explicou num texto publicado na página oficial do Instagram que o árbitro teve a perceção do que se estava a passar e nada fez: “Gostaria de dizer a esses idiotas que vêm ao estádio fazer gritos racistas … vá-se f****! Também agradeço aos árbitros por não me defenderem e por me terem dado um amarelo porque defendo a minha cor da pele. Espero nunca mais encontrá-lo em um campo de futebol! VOCÊ É UMA VERGONHA !!!!”;
– Miguel Pinto Lisboa, presidente do V. Guimarães, defendeu os valores do clube que chocam contra qualquer tipo de racismo mas falou em atitudes provocatórias do jogador: “O Vitória tem como cores o preto e branco porque na génese tem a igualdade de raças. Também nós temos jogadores de todas as cores e raças. Promovemos a igualdade de género e raça no desporto. Não nos revemos nestes comportamentos que possam ferir esta igualdade. Se algum dos adeptos do Vitória teve comportamento destes o clube vai tomar as medidas correspondentes. No entanto, houve comportamento provocatórios de profissionais de futebol que pretenderam incendiar o espetáculo”;
– Criou-se uma verdadeira onda de solidariedade para com Marega, de instituições a clubes, passando por atletas não só do FC Porto mas também de outras equipas, e até o governo comentou o caso. “Os insultos dirigidos ao jogador Marega envergonham todos quantos pugnam por uma sociedade inclusiva. Os valores do desporto nada têm que ver com estas atitudes racistas, xenófobas e ignóbeis”, disse o secretário de Estado, João Paulo Rebelo;
– Um pouco por todo o mundo, o caso não demorou a correr todos os órgãos internacionais;
Depois disso, a PSP foi analisar as imagens e terá identificado já alguns dos adeptos que proferiram os insultos racistas, o Ministério Público abriu um inquérito para averiguar os factos, a Federação levantou também um processo ao V. Guimarães-FC Porto, figuras de Estado como Marcelo Rebelo de Sousa, Ferro Rodrigues ou Augusto Santos Silva pediram também consequências e ações para combater o fenómeno, a Liga arrancou com uma campanha na próxima jornada contra o racismo e até o treinador do Bayer Leverkusen, Peter Bosz, comentou que, consigo, a equipa tinha toda saída de campo (sendo que em Portugal, à luz dos regulamentos, isso daria punição de cinco a oito pontos). Questões: 1) Quando chegarão conclusões? 2) Como chegarão conclusões? 3) O que se pode fazer para que nunca cheguem a existir conclusões pela inexistência de casos? As perguntas existem, as respostas só o futuro dirá (e lá fora podemos encontrar grandes exemplos, boas maneiras, más condutas e normas que não devem ser seguidas). Com a certeza de que o caso do maliano está longe de ser único em Portugal e que muitas vezes afeta até jogadores jovens, indefesos, que investem tudo o que não têm para terem às vezes umas chuteiras melhores ou menos gastas para fazerem o que mais gostam e que merecem a mesma solidariedade, como foi discutido no “Nem tudo o que vai à rede é bola” da Rádio Observador esta semana. Enquanto se pensa, se reflete e se trava para perceber a forma como isto acelerou, fica a descrição de Marega sobre o que sentiu, numa entrevista à rádio francesa RMC no dia seguinte ao jogo no Dom Afonso Henriques.
“Foi muito mais difícil, realmente senti-me uma m****, foi uma grande humilhação para mim. Tocou-me bastante. Gostava que o jogo tivesse parado, gostava que o árbitro e a Liga tivessem uma outra atitude. Uma coisa são os slogans contra o racismo, outra é a ação que se passa todos os dias. Isso é só para tirar fotografias, mais nada. O que diria se pudesse falar com o presidente da República? Seria um honra e podia dizer-lhe o que senti ao ser insultado daquela forma. Não gostei mesmo nada de sentir aquele ódio, fiquei muito desiludido.”
Depois, veio a Liga Europa. Marega não foi completamente esquecido (Peter Bosz, técnico do Bayer Leverkusen, disse que se fosse com a sua equipa saía de campo) mas o foco centrou-se de novo no que se passava no campo e como uma grande conclusão fácil de resumir: os que jogavam fora perderam, quem começou em casa ganhou, todos mantêm a possibilidade de passagem em aberto. O Sporting fez uma das melhores exibições da época e o 3-1 até foi um resultado escasso para o que se passou num jogo onde Vietto foi destaque, Sporar estreou-se a marcar e muitos adeptos tiveram de descalçar-se para entrar no recinto. Já o Benfica averbou o quarto encontro consecutivo sem vitórias, perdendo por 2-1 em Kharkiv num jogo onde valeu a grande penalidade de Pizzi. Na Alemanha, o FC Porto saiu derrotado por 2-1 diante do Bayer Leverkusen numa partida marcada pela repetição do penálti que deu aos alemães ao segundo golo. Por fim, em Glasgow, o Sp. Braga de Rúben Amorim teve uma entrada de sonho mas permitiu que o Rangers desse a volta e 15 minutos na parte final de uma partida eletrizante (3-2).
A segunda mão joga-se já esta semana. O Sp. Braga recebe o Rangers na quarta-feira (17h), ao passo que, no dia seguinte, há FC Porto-Bayer Leverkusen (17h55), Basaksehir-Sporting (17h55) e Benfica-Shakhtar Donetsk (20h). Antes jogam-se os últimos jogos da primeira mão dos oitavos da Liga dos Campeões: Chelsea-Bayern e Nápoles-Barcelona na terça-feira (20h), Lyon-Juventus e Real Madrid-Manchester City na quarta-feira (20h). Antes disso, no fim de semana, destaque no sábado para o Chelsea-Tottenham (12h30), o Spal-Juventus (17h) e o Leicester-Manchester City (17h30); no domingo para o Manchester United-Watford (14h), o Arsenal-Everton (16h30), o Atl. Madrid-Villarreal (20h) e o PSG-Bordéus (20h); e na segunda-feira para o Liverpool-West Ham (20h).
Na Primeira Liga, relançada de vez que ficou a luta pelo título com a derrota do Benfica na Luz com o Sp. Braga e pelo triunfo em Guimarães do FC Porto, os dragões recebem o Portimonense no domingo (20h30), ao passo que as águias deslocam-se a Barcelos para defrontarem o Gil Vicente na segunda-feira (19h30). O Sporting, que não foi além de um empate em Vila do Conde com o Rio Ave e só ficou no quarto lugar porque o Famalicão empatou na receção ao Desp. Aves, vai receber em Alvalade o Boavista no domingo, a partir das 17h30.
A terminar, mais algumas notícias de destaque que poderá não ter acompanhado esta semana:
- Depois de ter ganho a Supertaça do Brasil, num triunfo convincente frente ao Athl. Paranaense por 3-0 com golos de Bruno Henrique, Gabriel Barbosa e Arrascaeta, o Flamengo de Jorge Jesus empatou no Equador com o Independiente del Valle (2-2), jogando agora no Maracanã a decisão da Recopa Sul-Americana (madrugada de quarta para quinta-feira, 00h30), que pode valer já o segundo troféu da temporada;
- Bruno Fernandes regressou da melhor forma à Premier League após o nulo em Old Trafford com os Wolves, contribuindo com um assistência para Maguire para a vitória do Manchester United em Stamford Bridge ante o Chelsea, num jogo onde acertou ainda no poste num livre direto que merecia melhor destino;
- Iker Casillas anunciou de forma oficial que será candidato à presidência do Real Federação de Futebol de Espanha, ainda que se recuse (pelo menos para já) a colocar um ponto final na carreira de jogador;
- O Manchester City foi castigado com dois anos de exclusão das provas europeias pela UEFA, depois de terem sido encontradas irregularidades graves nos papéis referentes ao cumprimento do fair play financeiro (num processo que teve por trás dois portugueses: Cunha Rodrigues e Rui Pinto, ou os Football Leaks)
- Madjer, considerado pela France Football o melhor jogador de sempre de futebol de praia em 2019 depois de ter sido melhor jogador do ano em cinco ocasiões e de ter ganho três Mundiais e cinco Europeus por Portugal, anunciou de forma oficial o fim da carreira e passou a coordenador técnico da Federação, numa semana que foi marcada na modalidade por nova vitória do Sp. Braga no Mundialito de Clubes.
- Roger Federer anunciou que foi sujeito a uma artroscopia ao joelho direito e vai falhar a parte da época em terra batida (incluindo Roland Garros), devendo surgir de novo em condições em Wimbledon;
- Pedro Sousa tornou-se apenas o terceiro português a chegar à final de um torneio ATP depois de Frederico Gil e João Sousa (que já leva dez) mas, também ele assolado por um problema físico que o levou a jogar com uma visível ligadura na zona do gémeo, acabou por perder em dois sets com o norueguês Casper Ruud;
- António Félix da Costa, da DS Techeetah, conseguiu um grande segundo lugar no Grande Prémio do México de Fórmula E, após uma qualificação onde não foi além da nona posição, saltando do sétimo para o terceiro posto do Mundial quando estão decorridas quatro provas. “O carro é muito rápido mas tenho de conseguir melhorar as qualificações, o que melhoraria a minha vida nas corridas”, comentou no final;
- Patrícia Mamona ganhou a prova de triplo salto do Meeting de L’Eure, em França (pista coberta), saltando a 14,33 metros naquela que foi a segunda melhor marca do ano até esse momento, sinal da preparação positiva que está a fazer também para o grande objetivo da época, os Jogos Olímpicos. Nota ainda para a qualificação de Rui Pinto para os Europeus de Paris e para o Mundial de meia maratona após o 21.º lugar na distância em Barcelona, com o tempo de 1.03,70, muito próximo da marca alcançada no ano passado;
EU, A TV E UM COMANDO
Sábado
Domingo
Quinta-feira
O JOGO EM PALAVRAS
PÓDIO
- 1
Sp. Braga reconquista Mundialito de Clubes
Sp. Braga revalidou vitória no Mundialito de Clubes em Moscovo, goleando na final o Spartak (8-3) e igualando o Lokomotiv como equipa com mais títulos na mais importante competição de clubes. - 2
Um já está: Jesus vence Supertaça pelo Flamengo
"Hoje teve gol de Gabigol" e Fla começa 2020 a ganhar: avançado marcou e assistiu no triunfo frente ao Athl. Paranaense na Supertaça (3-0). Seguem-se Taça Guanabara e Recopa Sul-Americana em dez dias. - 3
Um, dois, três, hat-trick do Jota outra vez
Wolverhampton goleia Espanyol por 4-0 só com golos portugueses e dá passo gigante rumo aos oitavos da Liga Europa. Diogo Jota, que fechou a fase de grupos com um hat-trick, voltou a marcar três golos.
A HISTÓRIA
DESPORTO
Dinis, o benjamim que deu o exemplo no dérbi
Dérbi de benjamins de futsal entre Sporting e Benfica decorria no Pavilhão João Rocha quando Dinis, jogador dos leões, admitiu ao árbitro que tinha marcado mal um penálti e recebeu o cartão branco.
TERCEIRO TEMPO
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