Manoel de Oliveira , 2001
Manoel de Oliveira (pronúncia em português europeu mɐnuˈɛɫ doliˈvɐjɾɐ) nasceu na freguesia de
Cedofeita, na cidade do
Porto, numa família
burguesa do norte do país, com origens na pequena
fidalguia rural. Filho de Francisco José de Oliveira (
Mosteiro,
Vieira do Minho, 1865 — ?), e de sua mulher, Cândida Ferreira Pinto (
Santo Ildefonso, Porto, 13 de Abril de 1875 — Porto, 2 de Julho de 1947); os seus pais casaram-se na freguesia de
Lordelo do Ouro, na cidade do Porto. Tinha dois meios-irmãos, de uma relação do pai anterior ao casamento.
[3]
Foi registado como Manoel, mas a revisão ortográfica da
I República mudou-lhe a grafia do nome para Manuel. Voltou a assinar "Manoel" no final dos anos 70.
[3]
O pai era industrial, proprietário de uma fábrica de passamanarias e malhas, situada na Rua 9 de Julho, à Arca d´Água, e um homem empreendedor: foi o primeiro fabricante de lâmpadas eléctricas em
Portugal e, na década de
1930, investiu num empreendimento hidroeléctrico — sobre o qual, aliás, o filho Manoel viria a dedicar um pequeno filme.
[4]
Depois de frequentar o Colégio Universal, no
Porto, Manoel de Oliveira, foi mandado para
A Guarda, na
Galiza, onde frequentou o colégio de
jesuítas Nun'Álvares. Oliveira admitia ter sido sempre um mau estudante.
Foi
atleta do Sport Club do Porto, um clube de elite, e, ademais, campeão nacional de salto à vara; piloto de
automóveis e um apaixonado a
vida boémia. Também aprendeu números de circo, com o irmão Casimiro, que exibia em festas de beneficência.
[5]
No dizer de
Jorge Leitão Ramos, crítico de cinema do
Expresso, Oliveira terá sido, na sua juventude, «
um menino rico do Porto, um "dandy" desocupado que se preocupava com as coisas do corpo e algumas do espírito».
[6]
Ainda jovem Oliveira começa a interessar-se pelo
cinema, o que o leva a inscrever-se na escola de atores do cineasta italiano
Rino Lupo, quando este se radicou no
Porto.
[7] Tinha então 20 anos.
Em finais dos anos
1920 vê
Berlim: sinfonia de uma cidade, documentário vanguardista de
Walther Ruttmann, que o influencia profundamente. Tem então a ideia de rodar uma curta-metragem sobre a faina no
Rio Douro, o seu primeiro filme.
Douro, Faina Fluvial (
1931), estreado em Lisboa, suscita a admiração da crítica estrangeira e o desagrado da nacional. Seria o primeiro documentário de muitos que abordariam, de um ponto de vista
etnográfico, o tema da vida marítima da costa de
Portugal, tal como
Nazaré, Praia de Pescadores (1929) de
Leitão de Barros (meio ficção meio documentário),
Almadraba Atuneira (1961) de
António Campos) ou
Avieiros (1976) de
Ricardo Costa.
Mantendo o gosto pela representação, participa como actor no segundo filme sonoro português,
A Canção de Lisboa (
1933), de
Cottinelli Telmo. Diria mais tarde não se identificar com aquele estilo de cinema popular. Em
1942 aventura-se na ficção com a adaptação ao cinema do conto
Os Meninos Milionários, de
João Rodrigues de Freitas e filma
Aniki-Bobó (
1942), retrato de infância no ambiente cru e pobre da Ribeira do Porto. O filme é um fracasso comercial mas, com o tempo, dará que falar. Oliveira decide, talvez por isso, abandonar outros projetos, envolvendo-se em negócios da família. Só voltará a filmar 14 anos depois, ao rodar
O Pintor e a Cidade (
1956), em que filma a cores. A fim de adquirir os conhecimentos necessários para tal experiência, faz uma curta formação nos estúdios da Agfa-Gevaert AG na
Alemanha de Leste.
Em
1963 faz
O Acto da Primavera (segunda
docuficção portuguesa), filmando uma peça de teatro popular e iniciando nova fase do seu percurso. Com este filme, praticamente ao mesmo tempo que
António Campos, envolve-se na prática da
antropologia visual no cinema. Essa prática seria amplamente explorada por cineastas como
João César Monteiro, na ficção, como
António Reis,
Ricardo Costa e
Pedro Costa, no documentário.
O Acto da Primavera e
A Caça são obras marcantes na carreira de Manoel de Oliveira. O segundo filme, uma
curta-metragem de ficção, é interrompido para conseguir fazer bem o primeiro, incursão no
documentário, trabalhado com técnicas de encenação. Certo atrevimento vale-lhe a supressão de uma cena por parte da censura. Mais ainda: por causa de alguns diálogos inconvenientes fica dez dias nos calabouços da
PIDE,
[8] onde conhece
Urbano Tavares Rodrigues.
A obra cinematográfica de Manoel de Oliveira, até então interrompida por pausas e por projectos gorados, só a partir da
O Passado e o Presente (
1971) prosseguirá, sem quebras nem sobressaltos, por uns trinta anos, até para lá do final do século. A teatralidade imanente de
O Acto da Primavera, contaminando esta sua segunda longa-metragem de ficção, afirmar-se-ia como estilo pessoal, como forma de expressão que Oliveira achou por bem explorar nos seus filmes seguintes, apoiado por reflexões teóricas de amigos e firmes convicções de conhecidos comentadores. A
tetralogia dos amores frustrados seria por excelência o "campus" de toda essa longa experimentação. O palco seria o
plateau, o espaço cénico onde o
filme falado, em «indizíveis» tiradas, se tornaria a alma do espetáculo: o
puro cinema submetido ao teatro, sua referência, sua origem, seu fundamento, tal como Oliveira o vê. Eram assim ditos os amores, ditos eram os seus motivos, e ditos ficaram os argumentos do invicto «Mestre» e de quem nisso viu toda a sua originalidade. Amores ditos e escritos, com muito palavreado, com muito peso: sem nenhuma emoção mas sempre com muito sentimento.
Em 1982 Manoel de Oliveira faz um documentário
auto-biográfico de confissões e memórias. O cenário é a casa onde viveu desde 1940. O filme só será exibido depois da sua morte. Insiste em dizer que só faz filmes pelo gozo de os fazer, indiferente às críticas mais negativas. Levou entretanto uma vida retirada, longe das luzes da ribalta.
Os seus actores preferidos, com quem manteve uma colaboração regular, eram
Luís Miguel Cintra,
Leonor Silveira,
Diogo Dória,
Isabel Ruth,
Miguel Guilherme,
Glória de Matos e, mais recentemente, o seu neto,
Ricardo Trêpa. Não lhe eram de modo algum indiferentes actores estrangeiros como
Catherine Deneuve,
John Malkovich,
Marcello Mastroianni,
Michel Piccoli,
Irene Papas,
Chiara Mastroianni,
Lima Duarte ou
Marisa Paredes.
Em
2008 completou 100 anos de vida. Dotado de uma resistência e saúde física e mental notáveis, era frequentemente enaltecido, nas referências que lhe eram feitas, como «o mais velho realizador do mundo em actividade».
A obra de Manoel de Oliveira é marcada por duas tendências opostas presentes em toda a sua filmografia. Em todos os filmes que realizou antes de 1964, curtas e longas-metragens, incluindo
Aniki-Bobó (1942) e
A Caça (1964) predomina um estilo cinematográfico puro, sem diálogos ou monólogos palavrosos.
O Acto da Primavera (1963) é o primeiro filme de Oliveira em que o teatro filmado se torna uma opção e um estilo.
O Passado e o Presente (1972) será o segundo. Contradizendo-se na prática, é a propósito deste filme que ele se explica em teoria: enquanto
arte cénica, o
teatro é bem mais
nobre e muitíssimo mais antigo que o
cinema e é por isso que este se deve submeter à
palavra.
A esta dualidade de Manoel de Oliveira não é estranha a sua educação religiosa. É
católico por crença e convicção,
[9][10] mas de
ortodoxo nada tem. A dúvida quanto ao corpo da
fé, quanto a certos princípios da sua
igreja, assola-o com frequência e isso tem reflexos profundos na sua obra. Essa dúvida é reproduzida no frequente filosofar de muitas das personagens dos seus filmes, em particular nos filmes mais falados, com incarnação de figuras do
Evangelho e do ideário
cristão, com inúmeras referências bíblicas.
Por muitos anos o teatro filmado, salvo raras excepções, será na obra de Manoel de Oliveira opção dominante, que se extrema com
O Sapato de Cetim (1985). Na passagem da década de oitenta para noventa essa tendência atenua-se. Monólogos e diálogos são cantados em
Os Canibais (1988),
[11] o teatro converte-se em
ópera, a
palavra deixa de ser crua para ser cantada. Pouco depois, o teatro surge em doses equilibradas com o cinema em
A Divina Comédia (1991). Gradualmente e a partir de então o estilo cinematográfico volta a predominar na cinematografia de Oliveira com filmes mais leves e de menor duração. É de admitir a hipótese de tal se dever, por força das circunstâncias, à necessidade de fazer filmes num formato que não afaste o público, talvez também pela nostalgia dos primeiros filmes que fez.
Manoel de Oliveira faleceu na madrugada do dia 2 de Abril de 2015 às 11:30, vítima de
paragem cardíaca. Considerado o realizador mais velho em actividade, foi o único que assistiu à passagem do
mudo ao sonoro e do preto e branco à cor. Disse o seguinte numa entrevista ao jornal Diário de Noticias: "Para mim é pior o sofrimento do que a morte. Pois a morte, é o fim da macacada". Conseguiu concretizar o seu último desejo: "continuar a fazer filmes até à morte". Era tratado por muitas pessoas como "O Mestre".
Manoel de Oliveira casou no
Porto em
4 de Dezembro de
1940 com Maria Isabel Brandão de Meneses de Almeida Carvalhais (
Porto,
1 de Setembro de
1918[14]). Dessa relação nasceram quatro filhos:
Manuel Casimiro Brandão Carvalhais de Oliveira (nascido em 1941), José Manuel Brandão Carvalhais de Oliveira (
Porto,
Santo Ildefonso,
4 de Junho de
1944), Isabel Maria Brandão Carvalhais de Oliveira (
Porto,
Santo Ildefonso,
29 de Junho de
1947, Adelaide Maria Brandão Carvalhais de Oliveira (
Porto,
Santo Ildefonso,
10 de Outubro de
1948), casada com Jorge Manuel de Sousa Trêpa (
Santo Tirso,
19 de Março de
1943. Teve também vários netos e bisnetos. Um dos netos é o actor
Ricardo Trêpa (filho de Adelaide).
- 1937 - Os Últimos Temporais: Cheias do Tejo (documentário)
- 1958 - O Coração (documentário, 1958)
- 1964 - Villa Verdinho: Uma Aldeia Transmontana (documentário)
- 1987 - Mon Cas (1987)
- 1987 - A Propósito da Bandeira Nacional (1987)
- 2002 - Momento (2002)
- 2005 - Do Visível ao Invisível (2005)
- 2006 - O Improvável não é Impossível (2006)
- 2011 - O Conquistador conquistado (2011), curta-metragem inspirado pela escolha de Guimarães como Capital Europeia da Cultura..
- Gertrud, 1964, de Carl Theodor Dreyer
- Mouchette, 1967, de Robert Bresson
- A Paixão de Joana d'Arc, 1928, de Carl Theodor Dreyer
- O Denunciante, 1935, de John Ford
- O Encouraçado Potemkin, 1925, de Serguei Eisenstein
- Ivan, O Terrível, 1945, de Serguei Eisenstein
- Playtime 1967de Jacques Tati
- Ugetsu, 1953, de Kenji Mizoguchi
- Romance na Itália, 1954, de Roberto Rossellini
- Como actor
- Como supervisor
- 1966 - A Propósito da Inauguração de Uma Estátua - Porto 1100 Anos, de Artur Moura, Albino Baganha e António Lopes Fernandes.
- 1970 - Sever do Vouga… Uma Experiência, de Paulo Rocha
- 1997 - Viagem ao princípio do mundo
Como piloto de automóveis
- Doutor honoris causa pela Universidade do Porto / Faculdade de Arquitectura (1989).
- Foi professor honorário da Academia de Cinema de Skopje.
- Doutor honoris causa pela Universidade Nova de Lisboa (2001/2002).
- Prémio Europa David Mourão-Ferreira 2006 (categoria Mito), entregue pelo Centro Studi Lusofoni - Cátedra David Mourão Ferreira da Universidade de Bari e do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua
- Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes 2007, Palavra de D. Manuel Clemente durante o ato de entrega do Prémio a Manoel de Oliveira
- Recebeu em 2008 o Prémio Mundial do Humanismo
- Em 2008 Manoel de Oliveira recebeu o Doutoramento honoris causa pela Universidade do Algarve
- Em 2009 recebeu nos XIV Globos de Ouro, transmitido na SIC no dia 18 de Maio de 2009, um prémio de prestigio e de homenagem pelo trabalho que realizou, tendo já 100 anos de idade e sendo dos realizadores mais velhos do mundo.
- Em 2010 recebeu o Prémio da Igreja Católica «pelo seu "falar de Deus"»[16]
- Em 2011 recebeu o doutoramento honoris causa pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.[17]
- Em 2013, recebeu a Medalha de Conhecimento e Mérito do Instituto Politécnico de Lisboa.[18]
- Lista de prémios no estrangeiro (em francês), Ciné-Ressources, BIFI, Cinemateca Francesa
- Em 2014, recebeu do presidente François Hollande, o título de Grande-Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra, atribuída pelo governo da França às personalidades influentes no cenário global ligadas ao país.[19]
Manoel de Oliveira era, à data da sua morte, o mais velho realizador do mundo em actividade e o mais velho de sempre com a mais longa carreira da história do cinema, com uns notáveis 88 anos ao seu serviço. É autor de trinta e duas
longas-metragens.
[20]
Referências
Bibliografia