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FILIPE SANTOS COSTA
JORNALISTA DA SECÇÃO POLÍTICA
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A remodelação acaba hoje. O caso de Tancos não
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Bom dia.
Hoje tomam posse quinze secretários de Estado, completando-se a mais profunda remodelação promovida por António Costa, à boleia da demissão de Azeredo Lopes. Cinco secretários de Estado são reconduzidos e dez estreiam-se neste Governo. Ei-los. Entre as novidades, João Galamba é a estrela da companhia, apesar de saber pouco sobre energia, o setor que vai tutelar. Como escreve o diretor-executivo do Eco, “se não percebe, vá aprender”.
Mas há outras escolhas curiosas nos secretários de Estado estreantes. A nova secretária de Estado da Saúde tem, no seu passado recente, uma ação de protesto contra o Governo e a falta de condições no Serviço Nacional de Saúde. Raquel Duarte Bessa demitiu-se em março de um cargo de direção que exercia no Hospital de Gaia, “por falta de condições”. A médica pneumologista integrava a direção da Unidade de Gestão Integrada do Tórax e Circulação daquele hospital e, com essa demissão, antecipou-se a protesto idêntico de 52 colegas da mesma unidade de saúde.
Luís Filipe Goes Pinheiro, a partir de hoje secretário de Estado da Modernização Administrativa, esteve envolvido no caso dos vistos gold, ainda em julgamento. Segundo o Público, uma escuta indiciava que o novo governante poderá ter sido favorecido num concurso para cargos públicos. Foi ouvido como testemunha, mas nunca chegou a ser constituído arguido.
Quanto a João Correia Neves, novo secretário de Estado da Economia, é alguém que já conhece bem os cantos à casa - foi chefe de gabinete de Manuel Pinho. Sim, esse mesmo: o ministro de Sócrates que era em simultâneo assalariado de Ricardo Salgado e é suspeito de ter tomado decisões para favorecer a EDP.
Por falar em chefe de gabinete, o folhetim de Tancos está para durar.
A aventura ministerial de Azeredo Lopes acabou, mas o mistério que o fez cair não. Ontem, o ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar, Vasco Brazão, um dos militares suspeitos de terem encenado a devolução do armamento, encobrindo os autores do roubo aos paióis nacionais, voltou a ser ouvido, a seu pedido, pelos procuradores do Ministério Público. E não desarma: não só reafirma que entregou um memorando ao ex-chefe de gabinete de Azeredo Lopesrelatando o essencial da operação de encobrimento, como garante que “só há um memorando”. Foi o que disse o seu advogado, Ricardo Sá Fernandes, acrescentando que “o memorando elaborado pelo major Brazão corresponde no essencial à verdade."
Problema: se o “essencial” da “verdade” foi revelado há coisa de um ano ao então chefe de gabinete do ministro, podia o ministro não saber? E o primeiro-ministro? E o Presidente da República? É por isso que, com Azeredo ou sem ele, com ou sem remodelação, este caso ainda se pode transformar num “problema de regime”, como nota a Ângela Silva na Comissão Política desta semana.
Ainda no podcast de política do Expresso, falamos de três situações que podem fazer com que a remodelação desta semana não seja a última deste Governo. E os candidatos à remodelação são nada menos do que três pesos pesados: Mário Centeno, Augusto Santos Silva e Pedro Siza Vieira. Saiba porquê.
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OUTRAS NOTÍCIAS
Finalmente uma entidade oficial diz o óbvio: o problema da habitação, sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, é uma consequência do excesso de procura e da escassez de oferta. E não será com incentivos fiscais mais ou menos tímidos que a situação será invertida - se o desequilíbrio está entre a procura e a oferta, só se equilibra... com mais oferta. Parece tão evidente que é estranho que tenha de ser dito aos partidos políticos pela Unidade Técnica Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). No Parlamento, só o PCP tem chamado a atenção para aquilo que agora fica claro num parecer da UTAO, entregue esta semana ao grupo de trabalho da habitação.
“O nível de fiscalidade sobre os rendimentos prediais” não está na base do desequilíbrio do mercado, que decorre “do enorme excesso de procura”, lê-se no parecer, conforme escreve o Abílio Ferreira. Por isso, a UTAO defende que os deputados devem atender a que algumas causas do excesso de procura “são conjunturais e a sua efemeridade tida em conta”. Não só as regras fiscais que estão a ser estudadas pelos deputados podem ter efeitos contraproducentes, dificultanto o arrendamento, em vez de o favorecer, como o caminho deve ser outro: menos burocracia nos processos de licenciamento e construção, para permitir que haja mais casas no mercado.
Marcelo Rebelo de Sousa, que tinha alertado contra as tentações eleitoralistas no último Orçamento da legislatura, admite que a proposta do Governo pode mesmo estar contaminada pelo “clima eleitoral”. O Presidente da República ainda não tem uma opinião definitiva mas, apesar disso, vai desdramatizando agora o eleitoralismo que andou a dramatizar antes. “É possível utilizar folgas que vêm do crescimento económico, da redução do peso dos juros da dívida pública e, em geral, da gestão orçamental, para ir mais longe num conjunto de despesas”, diz Marcelo, que admite ser esse o “exercício que está retratado neste Orçamento”.
António Costa e Mário Centeno andaram ontem em mini-tournée em defesa da sua proposta OE, que começa a ser discutida na semana que vem. Depois da conferência de imprensa de apresentação do documento, o ministro das Finanças esteve à noite na TVI para, ao contrário de Marcelo, jurar que o documento que entregou na AR não tem sombra de eleitoralismo. Sobre este pingue-pongue entre Centeno e Marcelo em torno de uma palavra, vale a pena ler a análise do Vitor Matos.
Já o primeiro-ministro foi motivar o balneário socialista, levando no discurso a simplicidade de um adjetivo: bom. O OE, insistiu Costa, “é bom para todos” e “dá continuidade a boas políticas que têm dado bons resultados”.
PCP e BE não vacilam na aprovação do último orçamento da “geringonça”, mas também não lhes tremem os músculos no braço-de-ferro que mantêm à esquerda, como pode ler aqui.
Se o ano que vem promete o alívio da austeridade, este ainda será um ano a doer. Basta ver a carga fiscal: terá uma ligeira redução em 2019, mas só depois de atingir novo recorde em 2018, com 34,7% do PIB, segundo o Público. Ainda de acordo com o mesmo diário, as famílias portuguesas continuam a pagar mais IRS do que antes da chegada da troika.
Eis o mistério do açúcar: com a nova configuração do imposto sobre refrigerantes, a Coca-Cola vai ficar mais cara, mas o preço do Ice Tea vai baixar.
O CDS quer que a Procuradoria-Geral da República investigue o que se passa com os terrenos da antiga Feira Popular de Lisboa. O pedido é entregue hoje.
Hoje é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Portugal surge em 11º lugar numa lista que compara o risco de pobreza em 26 países da UE. Cerca de um quarto da população portuguesa (23,3%) está “em risco de pobreza ou exclusão”, diz o relatório, segundo o qual em Portugal a percentagem de população em risco baixou mais do que na UE .
Noutra tabela que será divulgada hoje, o nosso país surge em 34º lugar no 'ranking' mundial de competitividade. Portugal subiu oito lugares nesta avaliação do World Economic Forum.
Elliot Management, um “fundo abutre” (o nome diz tudo) que já teve na mira o BES e a PT, é o novo accionista de referência da EDP, com uma posição de 2,3%. A empresa de Paul Elliot Singer ganhou (má) fama a atacar empresas em situação débil, mas também países, como a Argentina.
Jair Bolsonaro ultrapassou a barreira dos 50% nas sondagens para a segunda volta das presidenciais brasileiras. E, nos Estados Unidos, o histórico líder do Ku Klux Klan, David Duke, fez o que à sua maneira é um elogio ao candidatoda extrema-direita brasileira: “Ele soa como nós.” Alguém se surpreende? (já agora: o último candidato presidencial apoiado por Duke foi... Trump.)
Há mais portugueses, de vários quadrantes políticos, a dizer #elenão.
Também no Brasil, o ainda Presidente Michel Temer e outras dez pessoas estão indiciadas por corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa. Alguém se surpreende?
Os líderes da União Europeia reunem-se esta quarta-feira com o Brexit na agenda. Apesar de parecer cada vez mais provável que o Reino Unido saia da UE sem acordo, parece haver disponibilidade para dar mais tempo a Theresa May.
Continua a haver duas versões radicalmente distintas sobre o que se passou em Serralves nos dias que precederam a abertura da exposição de Robert Mapplethorpe. João Ribas, o ex-diretor artístico, mantém preto no branco que foi objeto de "pressão intolerável" e interferências abusivas da administração, e não evita a palavra censura. Contou a sua versão dos factos ontem na Assembleia da República, onde garantiu que só não bateu com a porta mais cedo porque havia a ameaça da exposição ser cancelada. Seguiu-se a administração da Fundação, que jura não saber do que está a falar o ex-diretor.
A irlandesa Anna Burns venceu o Prémio Man Booker, com o livro “Milkman”, sobre uma rapariga de 18 anos vítima de assédio sexual.
George R. R. Martin deu uma entrevista ao New York Times em que considera que a personagem de “Game of Thrones” mais parecida com Donald Trump é... o execrável Joffrey Baratheon. Vale a pena ler a justificação.
Se gosta de cerveja, tem razões para estar preocupado.
AS MANCHETES DE HOJE
Jornal de Notícias: "Contas de Centeno dão mais 121 euros por mês à Função Pública"
Negócios: "O défice zero não é um íman"
Jornal Económico: "Temos o melhor défice dos últimos 40 anos"
Correio da Manhã: "IRS castiga aumentos salariais"
Público: "Famílias ainda pagam mais IRS do que antes da crise"
i: "O sobe e desce que vai afetar a carteira dos portugueses"
O QUE ANDO A LER
“Morrer Sozinho em Berlim”, de Hans Fallada (edição Relógio d’Água, 2016), conta a história de duas personagens condenadas numa missão impossível: um casal idoso decide, em Berlim, em 1940, lutar à sua maneira “contra o Führer, o exército, a SS, a SA”, como resume, perto do final do livro, uma das personagens principais. Não há ilusões: o destino de Otto e Anna Quangel está traçado desde que se dispõem a fazer o que entendem que tem de ser feito: denunciar o mal nazi na própria cidade de onde ele emana - uma Berlim opressora, fria, cinzenta e triste, esmagada pelo medo. Otto e Anna são velhos, associais e dissidentes improváveis - e na verdade não se juntam à resistência, decidem antes fazer a sua resistência caseira, escrevendo postais de denúncia sobre a guerra e o nazismo que vão espalhando pela cidade, na esperança de fomentar um sobressalto que mine o apoio dos berlinenses a Hitler. É uma empresa tão arriscada quanto fútil.
Esta é a grande obra de Hans Fallada, cuja vida dava outro romance. “Morrer Sozinho em Berlim”, escrito em 1946, um ano depois da derrota do nazismo, e publicado poucos meses antes da morte do seu autor, só várias décadas depois seria reconhecido como a obra-prima que é. Foi o primeiro romance de um alemão sobre a resistência levada a cabo por alemães comuns. E tudo é comum na sua banalidade: o mal, a miséria (material e humana), a falta de escrúpulo, a necessidade de sobreviver numa sociedade dominada pelo terror e a paranóia - é isso que impulsiona uma galeria de personagens onde se cruzam poderosos e miseráveis, delinquentes e cidadãos cumpridores. Todos (os de baixo, os do meio e os de cima, os que têm algum, pouco ou nenhum poder) são peças de uma máquina devoradora que obriga cada um a esmagar o outro, a denunciá-lo, a persegui-lo, para evitar ser esmagado, denunciado e perseguido.
Fallada, que sobreviveu ao nazismo mas não a uma vida de alcool, drogas, prisões e internamentos psiquiátricos, conhecia bem o mundo e o submundo onde se desenrola a sua narrativa. E entrega-a com uma objetividade quase clínica, que é a melhor forma de servir uma história baseada em factos reais - o romance foi escrito a partir dos ficheiros da Gestapo sobre o caso de um casal que não se chamava Quangel, mas Hampel.
Ao longo de quinhentas páginas, a questão nunca é se os Quangel podem ter aquilo a que se chamaria um final feliz (não podem), mas se podem ter um final redentor. Essa é a sua felicidade.
Tenha uma excelente quarta-feira.
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