O
Tratado de Tordesilhas, assinado na povoação castelhana de
Tordesilhas em 7 de junho de 1494, foi um
tratado celebrado entre o
Reino de Portugal e a
Coroa de Castela para dividir as terras "descobertas e por descobrir" por ambas as Coroas fora da
Europa. Este tratado surgiu na sequência da contestação portuguesa às pretensões da Coroa de Castela, resultantes da viagem de
Cristóvão Colombo, que um ano e meio antes chegara ao chamado
Novo Mundo, reclamando-o oficialmente para
Isabel, a Católica (1474-1504).
O tratado definia como linha de demarcação o
meridiano 370
léguas a oeste da ilha de Santo Antão no arquipélago de
Cabo Verde. Esta linha estava situada a meio caminho entre estas ilhas (então portuguesas) e as ilhas das
Caraíbas descobertas por Colombo, no tratado referidas como "Cipango"
[1] e
Antília.
[2] Os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, a Castela. O tratado foi ratificado por Castela a 2 de julho e por Portugal a 5 de setembro de 1494. Algumas décadas mais tarde, na sequência da chamada "
questão das Molucas", o outro lado da
Terra seria dividido, assumindo como linha de demarcação, a leste, o
antimeridiano[3]correspondente ao
meridiano de Tordesilhas, pelo
Tratado de Saragoça, a 22 de abril de 1529.
No contexto das
Relações Internacionais, a sua assinatura ocorreu num momento de transição entre a hegemonia do
Papado, poder até então universalista, e a afirmação do poder singular e secular dos monarcas nacionais - uma das muitas facetas da transição da
Idade Média para a
Idade Moderna.
Antecedentes
Conforme o historiador brasileiro Delgado de Carvalho, transcrevendo
Beatriz Souza:
- "(...) subsistia ainda a tradição medieval da supremacia política da Santa Sé, que reconhecia a Roma o direito de dispor das terras e dos povos: Adriano IV, papa inglês (1154-59), havia dado a Irlanda ao rei da Inglaterra e Sisto IV as Canárias ao rei de Castela (1471-84). Baseava-se isso, em parte, sobre o fato de um Édito de Constantino ter conferido ao papa Silvestre a soberania sobre todas as ilhas do globo; ora, isso porque as terras a descobrir eram todas, então, supostas serem exclusivamente ilhas (LIMA, Oliveira. Descobrimento do Brasil. Livro do Centenário (v. III), Rio de Janeiro: 1900 apud: Carvalho, Delgado. História Diplomática do Brasil.)
Portugal, buscando proteger o seu investimento, negociou com Castela o
Tratado de Alcáçovas (
1479), obtendo em
1481, do
Papa Sisto IV,
[5] a bula
Æterni regis, que dividia as terras descobertas e a descobrir por um
paralelo na altura das
Canárias, dividindo o mundo em dois
hemisférios: a norte, para a
Coroa de Castela; e a sul, para a
Coroa de Portugal. Somando-se a duas outras bulas anteriores de
1452(
Dum Diversas) e
1455 (
Romanus Pontifex), do
Papa Nicolau V, Portugal e a
Ordem de Cristo haviam recebido todas as terras conquistadas e a conquistar ao sul do
cabo Bojador e da
Gran Canária.
Preservavam-se, desse modo, os interesses de ambas as Coroas, definindo-se, a partir de então, os dois ciclos da expansão: o chamado ciclo oriental, pelo qual a Coroa portuguesa garantia o seu progresso para o sul e o Oriente, contornando a costa africana (o chamado "périplo africano"); e o que se denominou posteriormente de ciclo ocidental, pelo qual Castela se aventurou no oceano Atlântico, para oeste. Como resultado deste esforço espanhol,
Cristóvão Colombo alcançou terras americanas em
1492.
Ciente da descoberta de Colombo, mediante as coordenadas geográficas fornecidas pelo navegador, os
cosmógrafos portugueses argumentaram que a descoberta, efetivamente, se encontrava em terras portuguesas.
Desse modo, a diplomacia castelhana apressou-se a obter junto ao
Papa Alexandre VI, Aragonês de Valência (agora unificada com Castela), uma nova partição de terras. Assim, em
3 de maio de
1493, a
Bula Inter Coetera estabelecia uma nova linha de marcação, um meridiano que separaria as terras de Portugal e de Castela. O meridiano passava a cem
léguas a oeste das ilhas de
Cabo Verde. As novas terras descobertas, situadas a Oeste do
meridiano a 100 léguas de Cabo Verde, pertenceriam a Castela. As terras a leste, pertenceriam a Portugal. A bula excluía todas as terras conhecidas já sob controle de um estado cristão.
Os termos da bula não agradaram a
João II de Portugal, que julgava ter direitos adquiridos que a Bula vinha a ferir. Além disso os seus termos causavam confusão, pois um meridiano vinha a anular o que um paralelo tinha estabelecido. Complementarmente, a execução prática da Bula era impossibilitada por sua imprecisão e pela imperfeição dos meios científicos disponíveis à época para a fixação do meridiano escolhido. Assim sendo, D. João II abriu negociações diretas com os
Reis Católicos,
Fernando II de Aragão e
Isabel I de Castela, para mover a linha mais para oeste, argumentando que o meridiano em questão se estendia por todo o globo, limitando assim as pretensões castelhanas na
Ásia. D. João II propôs, por uma missão
diplomática aos reis católicos, estabelecer um paralelo das Ilhas Canárias como substituto ao meridiano papal. Os castelhanos recusaram a proposta, mas se prestaram a discutir o caso. Reuniram-se então, os diplomatas, em
Tordesilhas.
O seu único herdeiro, o príncipe Afonso de Portugal estava prometido desde a infância a Isabel de Aragão e Castela, ameaçando herdar os tronos de Castela e Aragão. Contudo o jovem príncipe morreu numa misteriosa queda em 1491 e durante o resto da sua vida D. João II tentou, sem sucesso, obter a legitimação do seu filho bastardo Jorge de Lancastre. Em 1494, na sequência da viagem de Cristóvão Colombo, que recusara, D. João II negociou o Tratado de Tordesilhas com os reis católicos. Morreu no ano seguinte sem herdeiros legítimos, tendo escolhido para sucessor o duque de Beja, seu primo direito e cunhado, que viria a ascender ao trono como
Manuel I de Portugal (1495-1521).
Os termos do tratado
O Tratado estabelecia a divisão das áreas de influência dos países ibéricos, cabendo a Portugal as terras "
descobertas e por descobrir" situadas antes da
linha imaginária que demarcava 370
léguas (1.770
km) a oeste das ilhas de
Cabo Verde, e a Castela as terras que ficassem além dessa linha.
[6]
Como resultado das negociações, os termos do tratado foram ratificados por Castela a
2 de Julho e, por Portugal, a
5 de Setembro do mesmo ano. Contrariando a bula anterior de Alexandre VI,
Inter Coetera (1493), que atribuía a Castela a posse das terras localizadas a partir de uma linha demarcada a 100 léguas de Cabo Verde, o novo tratado foi aprovado pelo
Papa Júlio II em
1506.
Afirma
Rodrigo Otávio em
1930 que o Tratado teria "
um efeito antes moral do que prático"
[carece de fontes]. O meridiano foi fixado, mas persistiam as dificuldades de execução de sua demarcação. Os
cosmógrafos divergiam sobre as dimensões da
Terra, sobre o ponto de partida para a contagem das léguas e sobre a própria extensão das léguas, que diferia entre os reinos de Castela e de Portugal. Já se afirmou ainda que os castelhanos cederam porque esperavam, por meio de sua política de casamentos, estabelecer algum dia a união ibérica, incorporando Portugal.
[carece de fontes] O que é mais provável é que os negociadores portugueses, na expressão de Frei
Bartolomé de las Casas, tenham tido "
mais perícia e mais experiência" do que os castelhanos.
Consequências do tratado
Em princípio, o tratado resolvia os conflitos que seguiram à descoberta do Novo Mundo por
Cristóvão Colombo. Muito pouco se sabia das novas terras, que passaram a ser exploradas por Castela. De imediato, o tratado garantia a Portugal o domínio das águas do Atlântico Sul, essencial para a manobra náutica então conhecida como
volta do mar, empregada para evitar as correntes marítimas que empurravam para o norte as embarcações que navegassem junto à costa sudoeste africana, e permitindo a ultrapassagem do
cabo da Boa Esperança. Nos anos que se seguiram Portugal prosseguiu no seu projecto de alcançar a Índia, o que foi finalmente alcançado pela frota de
Vasco da Gama, na sua primeira viagem de 1497-1499.
Com a expedição de
Pedro Álvares Cabral à Índia, a costa do
Brasil foi atingida (abril de
1500) pelos Portugueses, o que séculos mais tarde viria a abrir uma polêmica
historiográfica acerca do "acaso" ou da "intencionalidade" da descoberta. Observe-se que uma das testemunhas que assinaram o
Tratado de Tordesilhas, por Portugal, foi
Duarte Pacheco Pereira, um dos nomes ligados a um suposto descobrimento a exploração americana (o
ouro castelhano e o
pau-brasil português), outras potências marítimas europeias (
França,
Inglaterra,
Países Baixos) passaram a questionar a exclusividade da partilha do mundo entre as nações ibéricas. Esse questionamento foi muito apropriadamente expresso por
Francisco I de França, que ironicamente pediu para ver a cláusula no testamento de
Adão que legitimava essa divisão de terras.
Por essa razão, desde cedo apareceram na costa do Brasil embarcações que promoviam o comércio clandestino, estabelecendo contacto com os
indígenas e aliando-se a eles contra os portugueses. Floresceram o
corso, a
pirataria e o
contrabando, pois os armadores de
Honfleur,
Ruão e
La Rochelle, em busca de pau-brasil fundavam feitorias e saqueavam naus. O mais célebre foi um armador de
Dieppe,
Jean Ango ou Angot.
A União Ibérica não foi o motivo da expansão portuguesa ao interior do continente, mas ao Tratado de Saragoça que moveu a linha de Tordesilhas nos dois extremos. Com isto os irmãos Pero Lopes de Souza e Martim Afonso de Souza foram armados pelo rei de Portugal e enviados em uma expedição para demarcarem a nova fronteira conforme o novo Tratado. Em 12 de dezembro de 1531 Pero Lopes demarcou com duas pedras padrão gravados com a Ordem Militar de Cristo às margens do rio Paraná diante de Ibicuí, nas proximidades de Ibicuí a 33°45'. Pero Lopes não chegou ao limite estabelecido por motivos de segurança, pois havia sinais de fumaça nas imediações do rio e todos a bordo temiam um ataque semelhante ao sofrido por Juan Dias de Solis que juntamente com sua tripulação foram dizimados pelos Charruas. A demarcação de Pero Lopes tornou o rio Paraná como a fronteira entre Espanha e Portugal.
A "questão do Marrocos"
A "questão das Molucas" (1524-1529)
Inicialmente o meridiano de Tordesilhas não contornava o globo terrestre. Assim, Castela e Portugal podiam conquistar quaisquer novas terras que fossem os primeiros europeus a descobrir: Castela para Oeste do meridiano de Tordesilhas e Portugal para Leste desta linha, mesmo encontrando-se no outro lado do globo.
[7][8] Mas a descoberta pelos portugueses em 1512 das valiosas "ilhas das Especiarias", as
Molucas[9][10] desencadeou a contestação espanhola, argumentando que o Tratado de Tordesilhas dividia o mundo em dois hemisférios equivalentes.
Em
1520, as
ilhas Molucas, valorizadas como o "
berço de todas as especiarias", foram visitadas por
Fernão de Magalhães, navegador português ao serviço da Coroa de Castela. Concluída essa que foi a primeira viagem de circum-navegação (1519-1521), uma nova disputa entre as nações ibéricas se estabeleceu, envolvendo a demarcação do meridiano pelo outro lado do planeta e a posse das ilhas Molucas (atual
Indonésia). Alegando que se encontravam na sua zona de demarcação conforme o meridiano de Tordesilhas, os espanhóis ocuparam militarmente as ilhas, abrindo quase uma década de escaramuças pela sua posse com a Coroa Portuguesa.
[7]
Para a realização dos cálculos da posição, cada Coroa nomeou três
astrónomos, três pilotos e três
matemáticos, que se reuniram entre
Badajoz e
Elvas. Estes profissionais, entretanto, não chegaram a acordo, uma vez que, devido à insuficiência dos meios da época no tocante ao cálculo da
longitude, cada grupo atribuía as ilhas aos respectivos soberanos.
[7]
Para solucionar esta nova disputa, celebrou-se o
Tratado de Saragoça a
22 de abril de
1529. Este definiu a continuação do meridiano de Tordesilhas no hemisfério oposto, a 297,5 léguas do leste das ilhas Molucas, cedidas pela Espanha mediante o pagamento, por Portugal, de 350.000
ducados de
ouro. Ressalvava-se que em todo o seu tempo se o imperador ou sucessores quisessem restituir aquela avultada quantia, ficaria desfeita a venda e cada um "
ficará com o direito e a acção que agora tem".
Tal nunca sucedeu, entre outras razões, porque o imperador necessitava do dinheiro português para financiar a luta contra
Francisco I de França e a
Liga de Cognac, que o suportava.
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ANTÓNIO FONSECA