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Por Ricardo Costa
Diretor de Informação da SIC
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29 de Setembro de 2016 |
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Guterres tem que ir a prolongamento
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Mas isto pode ser assim? Não vai contra as regras? Mas pode-se faltar a
cinco votações e aparecer depois? Não é uma vergonha para a ONU? Ontem,
com um misto de lógica e algum patriotismo excessivo, irromperam pelo
éter perguntas de políticos, comentadores e populares sobre o que
estavam a fazer a António Guterres. Pois bem, deixemos o patriotismo de
lado, que nestas coisas serve para pouco, a não ser toldar a mente, e
vamos aos factos:
- Sim, Kristalina Georgieva pode entrar na corrida apesar de a) ser vice-presidente da Comissão Europeia onde não costuma ser possível tirar licenças sem vencimento; b) ser búlgara e já haver uma candidata deste país na corrida à secretaria-geral da ONU; c) ter faltado às provas públicas que os candidatos prestaram; d)
não ter participado em nenhuma das cinco votações que eliminaram
sucessivamente candidatos e deram vitórias em cadeia a António Guterres.
- Desde o início do processo que se temia esta manobra e que todos os frequentadores dos corredores diplomáticos a conheciam, a começar por Guterres. Por uma razão simples: se era verdade que o lugar de topo da ONU devia ser ocupado por uma mulher da Europa de Leste,
era ainda mais verdade que não havia nenhum candidato indiscutível com
estas duas características. Foi isso que, aliás, deu força crescente à
candidatura de António Guterres.
- Há vários meses que nos bastidores do PPE, a maior família política do Parlamento Europeu, se discutia a “substituição” da candidata oficial Búlgara – Bokova por Kristalina Georgieva -, tendo Jean Claude Juncker dado sinais públicos de que cedia um dos seus braços-direitos para a corrida.
- Na última cimeira dos G-20 Angela Merkel liderou uma ofensiva diplomática junto de Vladimir Putin
para oficializar a “troca de candidatas”. A manobra diplomática foi
noticiada e uma porta-voz do Kremlin protestou publicamente contra
Berlim. Mas a manobra existiu e ninguém duvidou disso.
- A
votação da última segunda-feira, em que Guterres conseguiu outro
espantoso resultado e, sobretudo, nenhum candidato de Leste atingiu os
nove votos favoráveis, ditou a oficialização da manobra.
Ou seja, depois da quinta vitória com 12 votos, António Guterres ficou
tecnicamente sozinho na pista. A entrada de Georgieva é o plano B para
obrigar o português a ter que lutar até ao último minuto e não há nada
nas “regras” da ONU que o impeça.
Então e agora? A coisa, em diplomacia, não é tão fácil como a célebre frase de Gary Lineker sobre o futebol (“são 11 contra 11 e no fim ganha a Alemanha”). Na ONU, a frase será qualquer coisa como, “são todos contra todos e no fim ganham os EUA, a Rússia e a China. E o Reino Unido e a França também têm algo a dizer”.
Sim, a ordem mundial diplomática ainda reflete o equilíbrio de poderes
do pós-guerra e o secretário-geral da ONU não pode ser vetado por nenhum
destes cinco países, que integram em permanência o Conselho de Segurança da ONU. É justo? Não, mas é o que é. Os EUA vetaram um segundo mandato de Boutros Boutros-Ghali e o egípcio deu lugar a Kofi Annan. E quando a China embirrou com Kurt Waldheim, o austríaco (que mais tarde se descobriu ter um passado Nazi) cedeu a cadeira ao venezuelano Perez de Cuellar. Assim foi, assim é e assim será. Portanto, António Guterres tem o seu futuro nas mãos de Washington, Moscovo e Pequim.
E um pouco a Londres e Paris, embora todos saibamos que não é bem
assim. Mas isso não é necessariamente mau porque até agora os cinco
países mais poderosos da ONU nunca votaram contra Guterres. De tudo o que se sabe, a decisão está sobretudo na mão de Putin,
olha quem, e que depois de brincar ao Monopólio na Crimeia e ao Risco
na Síria, tem o incrível pretexto da preferência por uma candidatura da
Europa de Leste para decidir tudo. A questão está em perceber se a zanga pública de Putin com Merkel
por causa de Georgieva foi ou não verdadeira. Se houve zanga real,
Gutreres tem o caminho bastante aberto. Se foi uma encenação, arrisca-se
a perder no último minuto. Nunca pensei dizer isto na vida – e tenho a
desculpa de ter acordado muito cedo – mas, neste caso, valha-nos Putin.
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OUTRAS NOTÍCIAS Há mais 9577 estudantes no ensino superior. Esta madrugada foram divulgados os resultados da segunda fase do concurso nacional de acesso. Destes estudantes, 7708 “representam novas colocações”,
enquanto os outros 1869 correspondem a pessoas que já se tinham
matriculado na sequência de uma colocação na primeira fase, mas que
voltaram a concorrer. Comparativamente ao ano passado, o número de colocados nesta segunda tentativa de ingresso cresceu quase 2%.
Na 2ª fase de acesso ao ensino superior, Medicina voltou a liderar como
o curso com média de entrada mais alta (194,7 no Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar, da Universidade do Porto). Ficaram por ocupar
5166 lugares nas universidades e politécnicos. Chineses entram no BCP com desconto de 10%. É manchete do Jornal de Negócios de hoje
e que explica que A administração do BCP já mandatou Nuno Amado para
"finalizar com exclusividade as negociações com a Fosun". Falta luz
verde do BCE para os chineses tomarem posição no banco. O grupo chinês
Fosun beneficiará de um desconto de 10% para entrar no banco. O mesmo jornal traz um aviso sobre um imposto que tem andado nas bocas do mundo: “IMI de casas devolutas com luz verde para triplicar”. Ou seja, as casas devolutas podem, se as câmaras o entenderem, pagar o triplo de IMI. As autarquias vão receber já no mês de outubro informação sobre contratos de água, luz ou gás
para saberem que prédios estão devolutos e avançarem com a aplicação de
IMI a triplicar. Os ficheiros eletrónicos serão enviados pelas empresas
de serviços telecomunicações, água, luz e gás. A medida já era conhecida mas o efeito prático está mesmo a chegar. Há novas buscas e novos arguidos no caso BES. Sim, o caso que nos deixou de boca aberta no verão de 2014 ainda anda por aí, à cata de arguidos e papelada.
Numa nota para a comunicação social enviada esta quarta-feira, a PGR
adiantou que foram constituídos, até à data, “onze arguidos, nove
pessoas singulares e duas coletivas” O texto acrescenta que no âmbito das investigações, foram realizadas buscas “a
três domicílios, a um escritório de advogados e às instalações de
quatro sociedades, localizadas em Lisboa, Porto e Torres Vedras”.
Mas é melhor esperar sentado pelo fim das investigações, tal é a
complexidade do processo e o tempo que estas coisas demoram por cá. Hoje há Conselho de Estado.
O tema não parece muito excitante mas Marcelo Rebelo de Sousa está
entusiasmado e é natural que a reunião marque o dia político, sobretudo
porque estamos em vésperas de Orçamento. O caso de Ponte de Sôr volta hoje a ser notícia. Ruben Cavaco, o jovem violentamente agredido pelos dois gémeos iraquianos deu uma entrevista à Visão, que chega hoje às bancas, onde conta a sua versão dos acontecimentos e como está a recuperar. Nos mercados, a atenção tem estado virada para o Deutshe Bank,
com enorme pressão sobre as ações do gigante alemão e alegadas
negociações entre Berlim e o EUA para negociar o valor de uma multa que
foi estabelecida em 14 mil milhões de dólares! Apesar de ninguém
acreditar que o valor venha a ser cobrado, a multa é tão alta que
qualquer acordo com a justiça alemã custará sempre uma fortuna. Se gosta de animação política, ponha os olhos em Espanha, onde o PSOE está em implosão.
17 membros da comissão executiva do partido apresentaram ontem a sua
demissão com o objetivo de obrigar à destituição do secretário-geral do
partido, Pedro Sánchez. Com a demissão em bloco, estes críticos do
secretário-geral esperam ver extinta a comissão, garantindo a
destituição de Sánchez, muito criticado na gestão do prolongado impasse
político espanhol. Mas o líder ainda não atirou a toalha ao chão. Vamos ao Desporto. Não foi uma boa noite para o Benfica,
mas podia ter sido bem pior. Depois de ter estado a perder por 4-0 no
terreno do Nápoles, os encarnados ainda marcaram dois belos golos por
Gonçalo Guedes e Sálvio. O problema é que a equipa de Rui Vitória ainda
só soma um ponto na Champions depois daquele livre do vingativo Talisca. Os seis golos do jogo de Nápoles só tiveram par em Glasgow, onde o Celtic arrancou um empate a 3 ao City de Gurdiola. O técnico espanhol cedeu o primeiro empate ao fim de 11 jogos. Hoje entra em campo o Braga,
na segunda jornada da Liga Europa contra o Shaktar Donetsk (transmissão
direta às 18h na SIC). Às 20h, Mourinho tentar recuperar a imagem da
derrota na primeira ronda, defrontando o Zorya (acho que não me enganei
no nome...) Farto de futebol? Só mais uma coisa: Fernando Santos divulga hoje a lista de convocados
para a dupla jornada de apuramento para o Mundial 2018, frente a
Andorra e Ilhas Faroé. A maior dúvida, devido a lesão, é João Mário, que
tem maravilhado Itália e arrancado notas máximas nos jornais italianos. Adeus Blackberry. A empresa canadiana anunciou que vai largar a produção de hardware
e dedicar-se apenas à criação de aplicações e software. Em bom rigor, o
Expresso Curto deve parte da sua existência ao Blackberry, que
popularizou o uso de mensagens e email nos telemóveis antes disso ser
popular. Sem esse movimento precursor estes emails matinais
provavelmente não existiam. Fica aqui a merecida vénia de agradecimento da equipa de escribas do Expresso Curto
a Mike Lazaridis e a Douglas Fregin, os dois jovens canadianos que
lançaram a Research in Motion (RIM) em 1984 e que em 1998 criaram o
primeiro BlackBerry com email e o inesquecível teclado QWERTY até que os ecrãs táteis acabaram com uma linda história de sucesso. Vamos ao resto que já falta pouco. FRASES “No comments”. António Guterres sobre a nova candidatura búlgara à secretaria-geral da ONU "Se há coisa que não sou é tonto". Rui Vitória, sobre o onze inicial que alinhou em Nápoles “Pedro
Sanchéz (… ) é um insensato, sem escrúpulos que não hesita em destruir o
partido com tantos erros em vez de reconhecer o seu fracasso”. Editorial do El País sobre a crise no PSOE “É tempo de a humanidade deixar a dependência dos deuses”. Salman Rushdie em entrevista ao DN O QUE EU ANDO A LER Duas coisas bem diferentes. Primeiro, um romance: A Vegetariana, da coreana Han Kang , o livro que este ano ganhou o prestigiado Man Booker International Prize
e que acaba de ser publicado em Portugal pela D. Quixote. A corrida
para o prémio foi bastante noticiada por cá, porque um livro de José Eduardo Agualusa (o magnífico Teoria Geral do Esquecimento) ficou na short list até à última fase do Prémio. Confesso que estou a gostar bastante do estranho romance sul-coreano.
A ideia base do livro é muito simples: uma mulher banal casada com um
marido banal decide deixar de comer carne para surpresa de toda a sua
família banal. Mas a decisão acaba por ser o ponto de partida para uma derrocada de convenções e relações, num processo catastrófico, violento e cru. O livro chegou com bastante atraso ao ocidente, garças à perseverança da tradutora inglesa, mas foi muito bem recebido pela crítica e tornou-se num sucesso de vendas internacional. O Man Booker Prize
acabou por determinar a publicação em muitas outras línguas deste
romance contado em três partes por três diferentes personagens, numa
espiral impossível de adivinhar na simplicidade das primeiras linhas: “Antes
de a minha mulher se ter tornado vegetariana, sempre pensei nela como
alguém que não tinha rigorosamente nada de especial. (…)” O
segundo livro decorre de uma leitura profissional, já que o vou
apresentar ao fim do dia na Livraria Ler Devagar. É das minhas colegas Márcia Galrão (Visão) e Rita Tavares
(Observador) e tem um título e subtítulo bem apelativos: “Como Costa
montou a geringonça em 54 dias, os bastidores do acordo histórico da
esquerda”. É um livro que caminha entre a história recente e o jornalismo,
fixando com grande pormenor os bastidores de um processo que apanhou
quase toda a gente de surpresa. Muito detalhado, com novidades
importantes, esclarece muitas dúvidas que se instalaram e encadeia os
acontecimentos de forma rigorosa. Para leituras mais rápidas, já sabe, é só ir espreitando o Expresso Online. Ao fim da tarde está pronto mais um Expresso Diário e amanhã de manhã chega um novo Expresso Curto.
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