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Por Valdemar Cruz
Jornalista
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19 de Agosto de 2016 |
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A última imagem e o próximo combate
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Rapaz numa ambulância. O estupor provocado por uma imagem, um só retrato, uma só punhalada nas certezas acomodadas, pode ter um efeito demolidor. A
repetição até a náusea dessa imagem arrasadora, nas televisões, nos
jornais, nas redes sociais, mesmo se aparentemente inevitável numa
sociedade cada vez mais dependente da mediatização dos acontecimentos,
tem um reverso perigoso e para o qual cada vez será mais difícil encontrar antídotos. Assistimos à banalização
de uma dor incomensurável e impossível de reduzir a uma imagem cujo
significado corre o risco de se esgotar na emoção do momento,
até a próxima criança, até a próxima imagem, até o próximo combate do
qual resulte mais um olhar desesperado, mais um rosto a rasgar a
sensibilidade das consciências. E essa é, também, uma das
gritantes e deploráveis hipocrisias associadas a estes arrastões
noticiosos, sobretudo quando abafam a complexidade dos conflitos onde
são gerados. A Síria é hoje palco de uma guerra onde se
confrontam demasiados poderes e interesses para que seja possível
assumir, sem a questionar, a sempre eficaz, mas simplista, divisão entre
os inquestionavelmente bons e os definitivamente maus. Como se vê, de
resto, pelas hesitações dos EUA, que ora diabolizam o papel da
Rússia no apoio (constante, antigo) a Assad, ora colaboram com as forças
armadas russas na tentativa de desalojar o chamado Estado Islâmico. O que se passa na Síria é uma batalha longa e cruel, na qual estão envolvidas o exército sírio e milícias do Hezbollah, uma amálgama de grupos terroristas
colocados na órbita do Daesh, brigadas com ligações à al-Qaeda, outros
grupos islamistas, milícias curdas que controlam algumas áreas no Norte
do país e ainda outros grupos apoiados pelos EUA e vários países
europeus. No meio disto tudo é preciso contar ainda com os interesses da
Turquia, que combate os curdos, que por sua vez combatem o Daesh, do Irão, da Arábia Saudita, do Qatar ou da Jordânia. O olhar perdido no infinito de um rapaz sentado numa ambulância é um olhar acusador. Verbaliza, mesmo se em silêncio, o horror da guerra. O olhar perdido no infinito de um rapaz sentado numa ambulância é o olhar onde se escondem os
olhares perdidos no infinito de milhares e milhares de crianças cujo
rosto não vemos, às quais as ambulâncias não chegam, nem o olho das
objetivas captam. Estão longe, estão perdidas, estão a morrer em silêncio. Mas existem. Em todos os lados de todos os conflitos
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OUTRAS NOTÍCIAS
Através do JN ficamos a saber que dezenas de paróquias foram instadas
pela Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar o Imposto Municipal sobre
Imóveis (IMI). A ação do Fisco incide sobre residências paroquiais, salas de catequeses, conventos e largos existentes frente às igrejas.
Cá está uma questão com todo o potencial para se tornar polémica, desde
logo devido às determinações da Concordata com a Santa Sé celebrada
pelo estado Português, segundo a qual estão isentos de qualquer imposto
ou contribuição geral, regional ou local os lugares de culto ou as
instalações de apoio direto e exclusivo às atividades com fins
religiosos. Está uma residência paroquial nessas condições? E o adro de
uma igreja? E um convento? O congresso do MPLA continua a dar
muito que falar… em Portugal. O que alguns articulistas pensam sobre o
tema pode ser medido pelas opiniões de Ricardo Costa, Nicolau Santos ou Henrique Monteiro.
Com exceção do Bloco de Esquerda, todos os grandes partidos portugueses
estão representados no conclave, mas foi a partir do CDS que se
libertaram maiores ondas de choque, com Assunção Cistas a manter as
distâncias em relação à aproximação angolana de Paulo Portas e a demarcar-se das declarações do deputado Hélder Amaral, segundo o qual o CDS e o MPLA “têm hoje muitos pontos em comum”.
A nomeação de novos administradores para a Caixa geral de Depósitos
continua um grande imbróglio. A pergunta, pertinente, deixada no
Expresso Diário é: Quem vai ser afinal a administração da CGD?. O Público de hoje garante que o BE e o PCP estão contra as mudanças na lei que permitiriam ao Governo desbloquear a situação. O Negócios assegura que o Governo abdica de 19 administradores,
além de que a decisão do Banco Central Europeu sobre a acumulação de
cargos e sobre a separação de funções de presidente executivo e não
executivo poderá fazer escola na restante banca. Afinal era
tudo mentira. A polícia brasileira confirma que o alegado assalto de que
teriam sido vítimas quatro nadadores norte-americanos no Rio de
Janeiro, durante a madrugada de domingo, nunca existiu. O que aconteceu é
bem diferente e, segundo a versão mais credível agora divulgada, os
atletas Ryan Lochte, Gunnar Bentze, Jack Conger e James Feign saíram de
uma festa já ia alta a madrugada, entraram num táxi e quiseram parar
numa bomba de gasolina para usar os lavabos. Lá dentro tudo terá dado
para o torto. Os jovens nadadores provocaram vários estragos na
gasolineira, envolveram-se com os empregados, foram obrigados a pagar os
prejuízos e regressaram sãos e salvos à Aldeia Olímpica com todos os
seus pertences, como de resto o comprovam as câmaras vídeo. A polícia
ainda conseguiu impedir que Bentze e Conger seguissem para os EUA, ao
contrário do que aconteceu com Lochte. As investigações posseguem. O
Comité Olímpico norte-americano já pediu desculpa às autoridades
brasileiras. Quem matou Federico Garcia Lorca? Passaram ontem 80 anos sobre o fuzilamento do poeta nos arredores de Granada.
Quatro décadas depois, a identidade dos assassinos, membros das forças
leais ao sublevado Francisco Franco, continua um mistério. Têm sido muitas as investigações, mas sem resultados objetivos. Uma juíza argentina, Maria Servini, decidiu agora relançar um inquérito às circunstâncias em que ocorreu a morte do autor de “Bodas de Sangre”
na madrugada de 18 de agosto de 1936. Um antigo militar, Antonio
Benavides, chegou a reivindicar ter sido ele próprio a cravar duas balas
na cabeça de Federico Garcia Lorca. Quem sabe do negócio é JK
Rowling. Depois dos milhões, muitos, ganhos com a saga Harry Potter, a
autora britânica volta a atacar e de uma forma muito inteligente,
diga-se. Como decidira colocar um ponto final na série de aventuras HP,
decidiu agora criar um conjunto de histórias curtas, destinadas a ebooks,
baseadas nas personagens da Hogwarts Scholl of Witchcraft and
Wizadry.Os ebooks irão estar disponíveis no sítio web da Pottermore.
Trata-se da última extensão do inesgotável mundo Harry Potter, com sete
livros, oito filmes, três parques de atrações e a sempre esgotada peça
em cena em Londres, "Harry Potter and the Cursed Child".
No futebol luso terminou a novela Rafa. O até agora jogador do Braga
afinal não vai para o Zenith, nem para o FC Porto, que alguns jornais
desportivos asseguravam ser o clube do seu coração. Ruma ao Benfica. Ou mudou de coração, ou as inclinações do seu coração eram exageradas.
Teria preferido dar um destaque de abertura a esta notícia. Como assim
não aconteceu, vai a fechar. O homem voa. Se não voa, dá-nos a sensação
de poder voar, e nós com ele. Basta fechar os olhos e libertar a
imaginação, acompanhar aquele sorriso permanente e olhar para a meta. Já
está. Já lá estamos. Na madrugada de hoje em Portugal, Usain Bolt voltou a ser feliz.
Venceu a final dos 200 metros nos Jogos Olímpicos. Queria bater o seu
próprio recorde do mundo, mas o corpo não lhe fez a vontade. Pela
primeira vez na sua carreira, na final não melhorou a marca obtida no dia anterior. No próximo domingo, Bolt cumprirá 30 anos FRASES “Na reta, o corpo não me respondeu. Estou a ficar velho”. Usain Bolt, atleta jamaicano, após a conquista do ouro na final dos 200 m no Rio de Janeiro no El País "Devia
haver uma verdadeira auditoria à capacidade de resposta da linha Saúde
24. (...).Se houver mais médicos de família, com menos utentes por lista
e horários desfasados nos Centros de Saúde, o problema (das falsas urgências) resolve-se. Mas temos médicos de família a emigrar". José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos na SIC Notícias “O politicamente correto lixou-nos a todos”. Valter Hugo Mãe, escritor, no DN “Como
todos sabemos, quem leva a vida mais privilegiada em Portugal são os
ciganos. Tanto nas tascas como na televisão, importantes cientistas
sociais informam-nos que a generalidade dos ciganos vive à conta de
benesses do estado. Deve ser um modelo delicioso de viver e, o entanto, é
inacessível a Ricardo Salgado”. Ricardo Araújo Pereira na Visão. “O fenómeno do terrorismo islamita, ou do Estado Islâmico, não é um fenómeno que nos tenha chegado com os refugiados”. Ângela Merkel, chanceler da Alemanha, num ação de campanha da Democracia Cristã no Guardian “Eu era muito bom assassino. Sou bom para o crime”. John Jairo Velasques-Popeye, ex-sicário de Pablo Escobar, assassino a sangue frio de perto de 300 pessoas no Público (Espanha) O QUE ANDO A LER, A VER E A OUVIR Não há como os Jogos Olímpicos para recuperarmos a imagem da gloriosa diversidade do mundo. Conseguiremos imaginar, por exemplo, quantas línguas se falam na Aldeia Olímpica? Teremos a noção de que em todo o mundo são faladas 7 097 línguas? A Ásia é o continente com mais línguas recenseadas: 2 296. A Europa é o continente com menor diversidade linguística. Ainda assim regista 287 línguas diferentes, das quais 52 estão a desaparecer. Surpreendente, não? Pensei nisso durante a leitura de “Through the language glass – Why the world looks different in other languages”,
do linguísta Guy Deutscher. Tentemos ser breves, apesar de a questão
ser vasta e fascinante. Provocatório, mas muito inteligente, o livro parte de uma questão central: a língua que falamos afeta o modo como pensamos? Conseguirá um falante de qualquer uma das 832 línguas faladas no reduzido território da Papua Nova Guiné, por exemplo, desenvolver raciocínios tão elaborados como, digamos, um berlinense? Ou sabia que em muitas línguas não existem palavras para nomear o que consideramos cores básicas? Ou ainda que, noutras, não há distinção entre masculino e feminino? As respostas são surpreendentes, às vezes polémicas,
em particular quando tendemos a considerar umas línguas mais primitivas
que outras. E se, como diz Deutscher, por primitivo pensamos em algo tão rudimentar como “eu dormir aqui” –
ou seja, uma língua com apenas algumas centenas de palavras e sem os
meios gramaticais capazes de expressar as nuances mais subtis – então é um simples facto empírico que nenhuma língua natural é primitiva.
Já foram estudadas em profundidade centenas de línguas das tribos mais
simples e nenhuma delas está no nível de “eu dormir aqui”, mais próprio dos filmes de Hollywood, ao estilo “me Tarzan, you Jane”. Isso não existe. O que não significa que todas as línguas sejam igualmente complexas, e muito menos que a complexidade gramatical seja um exclusivo das sociedades mais avançadas. Carregado de humor, o livro abre com uma deliciosa anedota sobre o Imperador Carlos V, rei de Espanha, arquiduque da Áustria e fluente em várias línguas europeias. Segundo proclamava, falava espanhol com Deus, italiano com as mulheres, francês com os homens, e alemão com o seu cavalo. Mudemos de pista. Tem como assente que não gosta de ópera? Pior, está convencido que não percebe nada de ópera? Pior ainda, crê que a ópera é um monumental aborrecimento? Então não pode perder a série de documentários “Isto é Ópera”, aos sábados à noite na RTP 2. Comece por procurar o do passado sábado, dedicado a “Pagliacci”, de Rugero Leoncavallo, ainda disponível no cabo, e verá como vai viver uma experiência única e entrar num mundo novo, de tão surpreendente e cativante.
Tudo graças à inteligência, à sensibilidade, ao humor, ao bom gosto de
Ramon Gener, o ex-barítono e pianista espanhol responsável pela série. Construída a partir de abordagens inesperadas, com conexões improváveis, mas geniais,
leva-nos às cidades, aos mistérios, aos bastidores, às idiossincrasias
dos compositores, aos matizes das personagens, aos segredos das grandes
óperas. No Youtube estão disponíveis muitos episódios em castelhano. Experimente ver, por exemplo, o dedicado a Turandot, de Puccini, e perceba como a partir de uma noite de janeiro de 1980 a célebre ária “Nessun Dorma” ficou para sempre associada a um nome: Luciano Pavorotti. Termino ainda na música, embora com outro registo. É uma descoberta recente e tem sido a minha banda sonora dos últimos dias. Ouça em recato, porque há algo de sublime na emocionante voz da também flautista belga Melanie de Biasio, como se percebe neste concerto de rara sensibilidade, ou aqui, numa apresentação ao vivo de um dos seus grandes temas: I’m gonna leave you. Também eu estou de partida. Tenha um bom dia, se possível na companhia do Expresso on line, e, mais logo, do Expresso Diário.
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