Olá a todos!
Começo esta carta dizendo-vos que passo e perco horas e mais horas a
tentar imaginar a emoção que vos correu e corre nas veias, quer durante
(já a ganhar por 2-0) quer no final do jogo com o País de Gales…
A emoção, a euforia, a alegria, a honra, o orgulho, o… eu sei lá mais o
quê que vos deve ter passado pela cabeça (capitão, pela tua cabeça
cruzes credo… passou aquela bolinha bem feliz por te ver lá em cima) no
relvado, e já depois, fora dele, a caminho de “casa”… em Marcoussis.
Posso dizer-vos que eu estava em altas… como se costuma dizer.
Eu, os meus vizinhos, as pessoas na minha rua, na estrada, tudo a apitar
com os carros, largaram-se foguetes, apanharam-se as canas, enfim… uma
maravilha em bom português, como nós tanto gostamos!
Vocês nunca passaram por isto, alguns de vocês até podem ter passado em
2004, quando eram “meninos” e tinham de ver os jogos na televisão, ou
ouvi-los na rádio, como fazem todos os outros vossos compatriotas que
não podem entrar no lote dos 23, ou sentar-se nas bancadas dos estádios
em que vocês jogam… é que os bilhetes ainda são caros pra caraças… mas
dizia-vos que foi uma festarola e pêras.
(Aqui em casa não porque com uma bebé de 1
mês e meio não se pode andar em grandes aventuras pela noite dentro que
depois, dormir, tá quieto…)
Mas olhem que há gente que sofre mesmo
com estas noites hein, gente que se emociona de verdade! De tal maneira
que sentem no peito uma qualquer coisa inexplicável, que parece querer
rasgar-lhes o externo de par em par e sair cá para fora para gritar,
ainda mais alto, o nome do nosso tão maltratado mas tão adorado país.
Sim, somos um povo difícil e vocês sabem-no bem. Sabem-no porque na
grande maioria, mesmo apesar de muitos de vós terem emigrado em busca de
uma vida melhor, já provaram um pouco da complexidade que
temos enquanto Nação.
Muitos de vós já foram vaiados, assobiados, gozados, criticados, em
alguns casos não dá mesmo para perceber o que vos fez e faz continuar a
querer vestir essa camisola… O Quaresma que o diga… e recentemente o Bruno Alves também…
Muitos outros, no vosso lugar, já teriam desistido (e alguns desistiram mesmo) há muito.
Mas é o que é, ou seja, as coisas são como são e Nós
somos mesmo assim… Gostamos muito de dizer mal. De criticar. De dizer
mal e criticar. Só porque sim, só porque temos uma veia (ou mesmo uma
mão cheia delas) que nos empurra para estes comboios de anormalidade
pegada. Não é só convosco. Somos assim uns com os outros. Não
reconhecemos valor aos nossos amigos, mas sim aos amigos dos outros. Não
reconhecemos a arte, a criatividade, o sacrifício daqueles com quem
passamos mais tempo, dos nossos familiares, dos nossos companheiros, em
vez disso, buscamos e encontramos sempre a excelência nos de fora,
naqueles que não conhecemos de todo. E isto é tanto mais grave porque é
transversal a todos os campos, estádios, estantes de livrarias, paredes
de museus, parangonas de jornais, tudo…
Não creio que o façamos por maldade (pelo menos quero acreditar nisso),
mas sim porque achamos que esse é o natural caminho para a diferença,
que isso faz de nós seres muito melhores e mais altivos, cheios de massa
crítica e de audácia discursiva, cheios de visão e de independência,
mas no meio desse achismo todo esquecemos o mais importante, citando o Miguel Esteves Cardoso, esquecemo-nos de “como é linda a puta da vida!“.
Mas não fica por aqui: esquecemo-nos de que, em primeiro lugar, somos um país pequenino. Ok, a Islândia é bem mais pequena e o País de Gales também, mas isso não interessa nada, o que interessa é que, para o efeito, somos frequentemente vítimas de bullying quer
por parte dos alemães (felizmente eliminados pelos franceses), quer por
parte dos franceses (se pudessem perder os dois de uma vez…), e nisto,
nisto nem os aliados daquela que é a mais antiga aliança do planeta nos
defendem, aliás, agora até viraram costas à UE (esse tão profícuo órgão de soberania de um continente decadente)…
Esta gente (agora em processo de #Brexit) só fala de nós e connosco por causa do Algarve, do vinho e… da Maddie McCann…
Andam sempre “preocupadíssimos” com os nossos “défices enormes”,
arranjam cães de fila que se mostram doidos por nos morder os…
calcanhares! (Aiiii… aquele teu calcanhar contra a Hungria, capitão, que
golo! que golaço, que “pedacinho”, como se diz lá na tua terra) de
futebol maravilhoso, só ao alcance de jogadores como tu, e são tão
poucos os que tiveram tudo aquilo que tu tens, mas já lá vamos;
Dizia que somos também aqueles que
pagamos os devaneios engravatados e sem escrúpulos de bancos atrás de
bancos, unicamente porque nos dizem que temos de o fazer, e nós,
obedientes, pagamos e assistimos impávidos e extremamente serenos ao
esventrar da nossa sociedade e do nosso povo às mãos senhores de belos
fatos e (ás vezes) belas gravatas. Senhores esses que conduzem (ou são
conduzidos) belos carros, têm belas casas, muitas vezes em belos sítios
onde nos seria impossível sequer montar uma bela duma tenda.
Mas mesmo nessas alturas, nas piores agruras, parece haver apenas uma
coisa capaz de nos “unir”… ou melhor, unir não que é demasiado forte e
um pouco falso até, mas que é capaz de nos juntar, isso sim, a todos,
num ambiente de (alguma) concordância e sofrimento, a Selecção Nacional!
Porque o sofrimento faz sempre parte de toda e qualquer campanha da nossa Selecção em grandes competições! É a representação mais fiel ao próprio país que o futebol europeu conhece… digo eu.
Pois é!
Por isso, o que vos digo é que se nos tiram o futebol e a alegria destas
emoções fortes que nos parecem ter sido predestinadas, talvez deixemos
mesmo de ser país, deixemos mesmo de ser povo, deixemos de nos juntar e
passemos a viver activamente a infelicidade a que esta Europa nos parece
querer forçosamente condenar.
Mas, no meio disto tudo, há um problema: é que somos muito bons com a bola nos pés.
Somos muito bons a fintar as previsões e as opiniões que nos destinam e
nos vaticinam constantemente a desgraça, o falhanço, a consternação,
somos muito bons a meter pela esquerda quando tudo parecia prever que
íamos pela direita, somos muito bons a aguentar, a esperar, a ludibriar,
a encantar, a fazer esperar e a saltar então, a saltar somos do
caraças… não é capitão? Não é Bruno (tu que talvez saltes ainda + alto
que o capitão)?
(Reparem na cara do Danilo Pereira e do Robson-Kanu a olhar para o
Cristiano “Air” Ronaldo lá em cima pendurado na janela do 2º andar à
espera que a bola lá chegue).
E assim fomos, saltando… de jogo em jogo,
como saltam os sapos de nenúfar em nenúfar, pela vida fora, e nós pelo
torneio adentro. E já estamos na final.
E agora? Agora. Agora não há outra coisa a fazer que não ganhar esse
jogo de Domingo. Vão esgotar-se stocks de cerveja, de entremeadas e
bifanas, de gritos e cânticos, de sonhos e esperanças, mas nós, há muito
que nos vimos preparando para estas andanças porque temos no nosso capitão um voraz caçador de troféus, de finais, de recordes, de mais e mais e mais.
Nada lhe chega nem lhe é suficiente e ainda bem que assim é… porque é
essa persistência que o faz, aos 32 anos, ser o jogador + internacional,
o maior goleador, o recordista em presenças de fases finais de
europeus, ter 3 bolas de ouro, ser o melhor marcador de sempre do Real Madrid… e eu sei lá o quê mais!
É o expoente maior do nosso futebol, mas hoje está diferente, está +
homem, mais maduro, + companheiro, mais amigo, + sério, mais capaz,
+ frio, mais solidário, + atento, mais tudo… E o conforto que deu ao Bale (na foto), que o tem como ídolo, diz muito daquilo que é hoje o “nosso” Cristiano Ronaldo.
E assim saltámos por cima dos perigos e
fatalidades que nos apontaram os eternos arautos da desgraça (que a esta
hora devem estar piursos porque lá nos apurámos para a final), saltámos
por cima de todos os que nos diziam que não íamos a parte alguma, que
não merecíamos, que tínhamos era de deixar de fazer poses e fitas e ir
para casa para as férias benditas, porque isto, aquilo e aqueloutro…
Seja lá o que for que isso queira dizer… Passámos ao lado (ou mesmo por
cima) dos invejosos, dos nojentinhos, dos que “cagam postas de pescada” e
dos que criticaram tanto e tudo e todos e que agora, agora saem de
mansinho…
Driblámos os camones que nos odeiam e nos invejam, mas que têm de se
habituar aos merdosos dos tugas, quanto mais não seja porque nós
chegamos sempre lá. Muitas vezes chegamos de Zundap, a
meio gás, meio tortos e a andar de lado, mas chegamos, e agora, agora
ninguém nos pode roubar a possibilidade de sonhar ainda mais alto, de
sonhar que é desta, que desta é que é, que nos vamos vingar da tremenda
injustiça que sofremos no nosso próprio quintal em 2004.
Éramos os donos da bola e vieram cá aqueles “patetas” toscos daqueles
miúdos gregos roubar-nos a redondinha, e de caminho levaram também a
taça enquanto dormíamos hipnotizados por tanto apoio, pelos cavaleiros
de Alcochete, pelos barcos no Tejo, os helicópteros, o cordão humano a
vir sabe Deus de onde…
Bom, seja como for, confio em vocês!
Confio que vão fazer tudo o que estiver ao vosso alcance para trazerem
para casa a Taça! Confio que vão deixar tudo naquele Stade de France,
que vão encher-se de coragem para derrotar aqueles “macacos
chauvinistas” que tanto nos adoram e que tantas vezes já se riram à
nossa conta.
Vamos obrigá-los a começar a semana de olhos postos no chão quando
entrarem em qualquer estabelecimento português no dia seguinte.
Os nossos emigrantes merecem isto, merecem mesmo! Nós merecemos isto! Merecemos mesmo!
Mas vocês, mais do que quaisquer outros, merecem a glória da vitória e a honra que tem um campeão. Pessoa disse-nos que para sermos homens, temos de ser inteiros,
e eu estou inteiramente convicto de que vocês são homens mais do que
suficientes para enfrentarem o desafio das vossas vidas profissionais…
com a sorte tremenda de terem atrás de vocês, todo e qualquer “marmanjo”
ou “marmanja” que arranhe a língua portuguesa a apoiar-vos até que a
voz nos doa!!
Capitão, puxa por eles
homem, puxa por eles que eles seguem-te para onde quer que tu vás! E o
povo está contigo… como nunca esteve antes!
Como isto já vai compridote…
Deixo-vos um abraço, a todos sem excepção, deste que vos admira e que sofre convosco…
P.S – Fernando, sem a tua coragem nada disto seria possível.
Por isso, por tudo o que foi feito até agora, muito, mas muito obrigado!
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