9 de Maio, Dia da Europa. Com tantos dias a comemorar tantas coisas,
podia ser apenas mais um dia marcado por um ou outro evento, mas a
verdade, porventura devido à confluência de crises que cruzam o
Continente, este Dia da Europa foi um pouco mais do que uma evocação do 9
de Maio de 1950, dia em que Robert Schuman fez a proposta de uma
entidade europeia supranacional, uma iniciativa que ficou conhecida como
a Declaração Schuman.
A agenda europeia deste 9 de Maio de 2016 foi marcada por
uma reunião do eurogrupo para discutir o pacote de ajuda à Grécia (que
terminou enquanto escrevia este Macroscópio e onde estava em discussão o que explicámos no especial
Grécia, sem dinheiro, arrisca novo "verão quente"), por uma forte
declaração de David Cameron sobre o referendo do Brexit e ainda pela publicação de uma petição a que os seus autores chamaram
The Appeal of 9 May.
É por esta última que vou começar, pois representa o regresso de um
discurso mais federalista e mais integrador. Assinada por personalidades
como Daniel Cohn-Bendit, antigo presidente do Grupo dos Verdes no
Parlamento Europeu, Felipe González, antigo primeiro-ministro espanhol,
Maria João Rodrigues ou Guy Verhofstadt presidente do Grupo Liberal no
Parlamento Europeu. Cito uma passagem do documento que está online, em
inglês (
tradução portuguesa no Público de hoje): “
Reinforcing
European democracy is essential. How could we feel European without
common citizenship values? Member States should implement a common civic
and citizenship education programme (…). Moreover, clarifying the rules
as regards EU membership referendums should avoid any future
wheeler-dealing. A Europe à la carte
is not an option.”
Não deixa de ser significativo que esta declaração contra os referendos e
uma Europa com diferentes níveis de integração, algo que se defende em
nome da “democracia europeia”, tenha sido publicada precisamente no dia
em que
a Reuters divulgou uma sondagem
onde se revela que quase metade dos eleitores europeus também gostariam
de ver um referendo à permanência na UE, tal como os britânicos estão a
fazer (texto original
aqui). Por ela ficámos também a saber que “
os países onde maior proporção de pessoas votaria, provavelmente, pela saída da União Europeia são Itália (48%) e França (41%)”.
São valores muito elevados, sobretudo se pensarmos que um referendo
sobre sair ou permanecer na União Europeia representa o dilema mais
radical, aquele que se esperava tivesse menos apoiantes. Julgo por isso
muito importante olhar para uma visão radicalmente oposta à da petição
federalista, a defendida por John O’Sullivan num ensaio publicado no
Wall Street Journal:
The European Union Works Best a la Carte. A sua sugestão é que “
To
save the EU, try the flexible, experimental approach known as ‘variable
geometry’: more Europe for some countries, less Europe for others”.
O seu argumento é que a Europa já está a caminhar em direcções
diferentes e que isso tem tornado as suas instituições disfuncionais,
pois não podem corresponder a vontade muito diferentes. Por exemplo: “
The
politics at play here are quite simple: Germany and other creditor
nations want a fiscal union that would impose fiscal discipline on
debtor nations. The latter, notably Mediterranean Europe, want to
require creditors to help them with bailouts, the sharing of debt and so
on. These divisions correspond roughly to parties of the left and the
right across Europe. Similar ideological divisions on migration and
other policy areas seem likely to frustrate the one-size-fits-all
solutions usually inherent in approaches based on “more Europe.”
O El Pais faz uma boa descrição do ambiente que se vive hoje na União
Europeia, no texto de abertura de um especial dedicado precisamente ao
Dia da Europa:
Europa
planea nuevas vías políticas frente a la crisis de la Gran Recesión -
Ha cambiado el tradicional eje derecha-izquierda por el dilema
establishment-antiestablishment. Um dos políticos europeus ouvidos
pelo diário espanhol é José Manuel Durão Barroso, que chama a atenção
para o que considera ser uma das razões do mal-estar: “
“Yo he tenido
una vida mejor que la de mis padres, y ellos vivieron mejor que mis
abuelos. Pero la gente levanta la voz porque teme que ese factor,
esencial en la trayectoria de la UE, puede que no sirva para la
generación de nuestros hijos”, reflexiona desde Princeton el
expresidente de la Comisión José Manuel Barroso. “Ese malestar difuso es
solo en parte atribuible a Europa, pero la respuesta fácil, el chivo
expiatorio, es siempre la UE”, añade Barroso, preocupado por el
deterioro de la atmósfera entre los líderes, más pendientes de su agenda
interna que de encontrar soluciones europeas.”
Mas há também perspectivas mais optimistas, como a formulada por Dalibor Rohac, um
research fellow do American Enterprise Institute, na edição europeia do Politico, em
Europe’s reformist revival - Why we shouldn’t underestimate the impact of Europe’s young gun politicians.
Este investigador dá o exemplo de alguns políticos que podem trazer um
novo impulso ao Continente, como o primeiro-ministro italiano Matteo
Renzi, o ministro da Economia francês, Emmanuel Macron, ou o novo líder
da Nova Democracia na Grécia, Kyriakos Mitsotakis. Contudo… “
Perhaps
none of this is enough to disturb Europe’s continuing stasis.
Credentials from top business schools, eloquent speeches, and political
marketing campaigns will not save the Continent’s moribund economies —
unless they are accompanied by a genuine commitment to reforms. However,
in case these examples reflect a growing demand for sensible pro-growth
reforms from the public, they might be a cause for hope that Europe’s
economic future might just be salvaged.”
Duas referências finais mais circunscritas, agora para referir o Brexit e
as suas possíveis consequências em Portugal. Ambas para textos do
Observador, sendo o primeiro uma opinião de João Marques de Almeida,
O que vai ser decisivo no referendo britânico.
Para este colunista que neste momento vive e trabalha em Londres é
preciso compreender as motivações do eleitorado britânico se não se
quiser correr o risco de ver o “Leave” vencer: “
Não é a “Londres
cosmopolita” que rejeita os imigrantes. É o resto do país. A maioria dos
ingleses sente que há demasiados imigrantes no seu país e que isso
aumenta o desemprego entre os locais e prejudica serviços sociais
básicos como a saúde e a educação. Não é justo, nem verdadeiro, mas é a
percepção dominante entre os ingleses.”
Neste momento a maioria das sondagens aponta para uma vantagem da
vontade de permanecer na União Europeia, mas mesmo assim é importante
começar a pensar no que nos poderia suceder, a nós portugueses, se o
Reino Unido deixasse a UE. Foi isso que Catarina Falcão procurou apurar
em
Se o Brexit vencer Portugal sofre as consequências.
Nesse trabalho ouvem-se portugueses que vivem em Inglaterra mas também
se dá conta de estudos sobre a vulnerabilidade da nossa economia,
estudos que concluem que estamos entre os países europeus que mais podem
perder com um Brexit. Para além de que todos poderíamos sofrer com uma
nova correlação de forças dentro da União: “
O desequilíbrio dentro
da União Europeia é uma das preocupações de Carlos Gaspar, já que com o
domínio da Alemanha poderá passar a imperar “uma estratégia de
continentalização, que acentua as tendências de marginalização
periférica de Portugal”. Outro problema pode ainda ser a realização de
um novo referendo na Escócia, já que esta nação já avisou que pretende
manter-se na União Europeia, independentemente da decisão de todos os
britânicos. “É possível que o Brexit tenha como consequência a saída da
Escócia do Reino Unido e a integração desse novo Estado na União
Europeia, o que, por sua vez, criaria um precedente para a secessão da
Catalunha, o que pode precipitar um cenário de instabilidade politica na
Península Ibérica muito negativo para Portugal”, indicou o
investigador.”
Seja lá como for, a verdade é que a Europa não reverterá o seu declínio
relativo sem mudanças, sendo que, como vimos, há tudo menos acordo sobre
o sentido dessas mudanças. Entretanto vai perdendo batalhas, por vezes
sem dar por isso. Há 20 anos o nosso Continente era a referência mundial
no que toca ao desenvolvimento das telecomunicações, com uma rede GSM
bem mais desenvolvida do que a dos Estados Unidos. Entretanto foi
perdendo velocidade e, hoje, escrevia-se no Politico que
Europe on edge of another tech revolution lost.
Em causa está o desenvolvimento da próxima geração de redes móveis,
usando a tecnologia 5G, uma tecnologia que tornará possíveis os carros
sem condutor ou assistir a televisão em HD no metropolitano. Só que,
para variar, a Europa debate-se com problemas políticos:
“For
5G to take off in the EU, proponents insist the Continent needs to
implement the same standards and harmonize spectrums around the same
time across all 28 EU countries. It can’t be done just at the national
level in a bloc that has removed most barriers to movement of people or
goods. Brussels wants to create a digital version of the Schengen
borderless travel zone. This is where Europe’s 5G push has run into
trouble.”
Este último texto permite ver como o desejo de alguns países protegerem
as suas empresas e os seus interesses acaba por fazer com que todo o
Continente fique para trás, pois “
First-mover advantage in 5G is very important. There are more movements in North America and Asia than there are in Europe.”
Um bom exemplo que ilustra bem os dilemas europeus nestes tempos que
vivemos, e que são bem mais profundos do que a crise das dívidas, a
crise dos refugiados ou o medo dos referendos.
Tenham um bom resto de Dia da Europa, e também um bom descanso, que nos reencontramos amanhã.