Um exército invadiu o meu bairro a semana passada. Um pequeno bairro histórico onde todos nos conhecemos e onde os meus filhos quando vão comer um gelado no jardim os donos do restaurante ligam-me a dizer «Raquel, hoje podem?». Depois eu passo lá a pagar. No jardim onde o senhor da retrosaria recolhe o skate que eles deixaram na rua. Onde na praça me arranjam os legumes, cortam as castanhas, encomendam hortelã da ribeira. O aparato era impressionante, por momentos pensei que a dezena de banqueiros presos em Portugal tinha feito uma evasão espectacular, ou que os líderes do Estado Islâmico estavam aqui refugiados. Afinal o assunto era ainda mais grave. 20 homens, incluindo 10 polícias armados, inspectores das finanças, da alfândega, da ASAE, entraram na pastelaria do jardim exigindo «que os bolos tivessem uma etiqueta», que a pequena padaria caseira, com 3 metros por 2, tivesse um plástico em cima de cada cesta de pão, já arrumados num aprumado naperon e tão bonitos que dá vontade de comer todo o pão que ali se vende; que a leitaria, onde os salgados são feitos por uma senhora de mais de 70 anos, com chouriço do Alentejo, não estava autorizada «a vender sopa caseira». A senhora da padaria, de onde vem um aroma a alfarroba e erva-doce, disse-lhes que de acordo com a lei não «podem entrar mais de 10 pessoas ao mesmo tempo na casa», pelo que, golpe traiçoeiro contra as forças da estabilidade e da ordem, metade do contigente militar-fiscal teve que ficar na rua. É a guerra.