Este é o último fim-de-semana antes do Natal, é provável que muitos dos leitores do Macroscópio ainda tenham compras para fazer ou que já estejam às voltas com as obrigações da consoada, mas mesmo assim vou deixar-lhe hoje algumas sugestões de leituras mais longas, mas repousadas, umas relacionadas com o Natal, outras seleccionadas apenas porque se trata de textos ou trabalhos de qualidade que merecem ser conhecidos.
Começando aqui pela casa, pelo Observador, vou chamar-lhe a atenção para alguns textos que talvez lhe tenham passado despercebidos mas que são muito boas leituras:
- Helena Matos esteve a investigar uma história de amor pouco conhecida, a daquele que foi provavelmente o maior toureiro português de todos os tempos, Manuel dos Santos, e a “Tininha”, a primeira das mulheres de Stanley Ho, que na époco era um dos homens mais ricos do mundo. Suerte entre dos é um trabalho que permite redescobrir o Portugal dos anos 1960 e recordar a velha Macau;
- Rui Ramos escreveu um pequeno ensaio sobre Mário Soares a propósito da passagem dos seus 90 anos. Em A coerência de Mário Soares defende a seguinte ideia: “Custa talvez a reconhecer que o Mário Soares da Fonte Luminosa em 1975 é o mesmo da prisão de Évora em 2014. Mas é. Ele não mudou. E vai entrar na história com tudo isso.”
- João Almeida Dias esteve na Bielorrússia e, em duas reportagens - Bielorrússia, a ditadura que resiste e “Só há o Lukachenko, não há mais ninguém” - conta como, apesar de tudo, naquele país se aceita sem grandes estados de alma o autoritarismo do mais antigo ditador da Europa.
- Catarina Fernandes Martins foi até à aldeia de Monsanto, na Beira Baixa, para contar a história de uma escola “diferente”, mas que há quem diga que é ilegal. Mesmo assim os pais opuseram-se ao fecho da escola e optaram pelo ensino individual, uma raridade em Portugal.
- Maria João Avillez e David Dinis entrevistaram a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque (pode ler aqui a parte mais política, aqui a parte sobre a economia e aqui a parte sobre o BES). Tratou-se de uma entrevista importante que deve ler e ouvir, e que mereceu o seguinte comentário a Rui Ramos: Maria Luís Albuquerque: contem com ela
- Acabo as sugestões do Observador recomendando o mais recente Conversas à Quinta. Estive com Jaime Gama e Jaime Nogueira Pinto a falar das suas escolhas relativas aosmelhores livros de 2014. Garanto que falámos de livros importantes dedicando a cada um deles o tempo necessário, não sobrevoando apenas as suas capas (como é habitual todos os domingos à noite noutras bandas).
Antes de seguir para a imprensa internacional, gostaria de chamar a atenções para um bom trabalho multimédia do Expresso:
Matar e morrer por Alá – Cinco portugueses no Estado Islâmico. Combinando vários registos de reportagem, textos, fotografias, vídeos e infografias, este trabalho permite-nos reconstituir o percurso dos jovens que nasceram em Portugal e foram combater para a Síria.
Este tema, o do Estado Islâmico, como os leitores do Macroscópio sabem, tem sido recorrente neste espaço. Aproveito por isso a boleia deste trabalho português para chamar a atenção para duas análises importantes. No Guardian podemos ver como a organização que daria origem ao ISIS e, depois, ao EI, nasceu e cresceu numa prisão iraquiana. Está tudo em
Isis: the inside story. Eis como começa por contar a história do actual líder do Estado Islâmico: “
Baghdadi was born Ibrahim ibn Awwad al-Badri al-Samarrai in 1971, in the Iraqi city of Samarra. He was detained by US forces in Falluja, west of Baghdad, in February 2004, months after he had helped found a militant group, Jeish Ahl al-Sunnah al-Jamaah, which had taken root in the restive Sunni communities around his home city.”
Uma abordagem bem distinta, não tanto focada no EI mas na relação de uma parte da opinião pública com o Islão, a Standpoint propõe-nos um texto desafiador:
The Great Betrayal: How Liberals Appease Islam. Eis o seu ponto:
For years, a dizzying gulf has stretched between the principles most good and responsible liberals say they hold — beliefs in reasoned argument, democracy, and equal rights for women, gays and people of all colours and creeds — and their practical failure to oppose radical Islam. A few of us tried to persuade them to mean what they say and behave accordingly. Some of us have stayed on the Left. Others have given up on what looks an irredeemably compromised movement and attacked liberal-left orthodoxy from the right. I will not pretend that any of us have had a great deal of success. Mas deixemos estas leituras, que são poderosas mas um pouco “duras”, e passemos para alguns tetxos mais natalícios, se assim os podemos apresentar. O primeiro seleccionei-o do sempre indispensável número duplo da Natal e Ano Nova da Economist. Foca um tema que já abordámos aqui no Macroscópio – porque chamamos perú ao perú em Portugal, ou
turkey nos países de língua inglesa. Em
Origins of the Christmas feast: The flight of the turkey, a revista defende a ideia de que “
The bird’s many names speak of early globalisation and confusion”.
Um dos filmes desta época natalícia é “Exodus: Deuses e Reis” – de que o crítico do Observador, Eurico de Barros, não gostou muito, aproveitando para
recomendar outros seis filmes sobre Moisés – e a sua estreia é um bom pretexto para ler as explicações modernas sobre o episódio bíblico do mar que se abriu para o povo eleito passar na sua fuga do Egipto. O Wall Street Journal partiu exactamente dessa pergunta -
How Did Moses Part the Red Sea? – para chegar à conclusão que a ciência pode, afinal, explicar tudo. Conhecedor do regime das marés na região, assim como do regime dos ventos e de como seria a geografia do Mar Vermelho há quatro mil anos, o autor defende a ideia de que os judeus poderiam ter atravessado a vau antes de os seus perseguidores serem apanhados pela maré cheia:
Knowing when low tide would occur, how long the sea bottom would remain dry and when the waters would rush back in, Moses could plan the Israelites’ escape. Choosing a full moon for their flight would have given them a larger tidal range—that is, the low tide would have been much lower and the sea bottom would have stayed dry longer, giving the Israelites more time to cross. The high tide also would have been higher and thus better for submerging Pharaoh’s pursuing army. Para os que gostam menos do Natal e até não se importariam do abolir deixo uma sugestão final, vinda do Financial Times:
What if we abolished Christmas? O foco do autor é uma discussão sobre isso teria ou não impacto económico (as consideração culturais ficaram para outra altura). E o ângulo de abordagem não podia ser mais macroeconómico. A visão clássica seria a seguinte:
What would replace nearly $100bn of seasonal consumer spending? Nothing noticeable, but the replacement would happen just the same. The productive capacity freed up by the disappearance of Christmas could be turned to other uses; prices would fall just enough to tempt us to spend our money at other times of the year. Indeed, cancelling Christmas might even provide a modest boost to our prosperity in the longer term, as bunching up all that spending into a few short weeks strains factories and supply chains. Smoothing out our spending would be more efficient.Quem quiser, em alternativa, ler a visão keynesiana, é seguir
o mesmo link. Quem só quiser fazer compras de Natal, mas gastando melhor o seu dinheiro, então pode ler o
Economista à Paisana de Inês Domingos:
Guia para um presente perfeito.
Por hoje é tudo. Bom fim-de-semana, com boas leituras ou boas compras. Ou ambas. A escolha é sua. Em família, claro está, pois estamos no Natal.